Direitos dos militares: condição para umas Forças Armadas atractivas e melhores

Rui Fernandes

Tornar as Forças Ar­madas atrac­tivas passa por dig­ni­ficar os mi­li­tares

LUSA

São re­cor­rentes as no­tí­cias sobre a falta de efec­tivos ou saídas an­te­ci­padas, sendo que no lote destas foram re­cor­rentes as res­pei­tantes à saída de pi­lotos. Mas hoje já não é só pi­lotos. A mancha alargou-se, ainda que com im­pacto ime­diato menos no­tório, também a sar­gentos, mesmo com muito poucos anos de ser­viço.

Ora, a pri­meira grande questão que deve ser co­lo­cada é: porquê? E a se­gunda de­verá ser: qual a razão por que, mesmo numa si­tu­ação de de­sem­prego vo­lu­moso (como a que ocorreu entre 2012 e 2014), se ve­ri­ficou um baixo uni­verso de en­tradas para as fi­leiras?

Como sempre afir­mámos, mesmo no tempo em que havia Ser­viço Mi­litar Obri­ga­tório os prin­ci­pais agentes de ca­ti­vação para as fi­leiras são os que nelas prestam ser­viço. Mas como o podem ser se aquilo a que têm vindo a as­sistir desde há muitos anos é a de­gra­dação cons­tante das con­di­ções ma­te­riais, so­ciais e pro­fis­si­o­nais? Es­ca­mo­tear as duas ques­tões acima co­lo­cadas, cen­trando me­ra­mente nos fac­tores ex­ternos os pro­blemas, é pro­curar fugir às res­pon­sa­bi­li­dades pelas con­sequên­cias das op­ções e ori­en­ta­ções po­lí­ticas adop­tadas por su­ces­sivos go­vernos.

Como com­pre­ender que se man­te­nham por re­solver pro­blemas li­gados a cer­ti­fi­ca­ções de cursos ti­rados nas fi­leiras e a vida civil? Como com­pre­ender que, por exemplo, um ofi­cial en­ge­nheiro possa ser chefe de uma re­par­tição na Força Aérea, mas um equi­va­lente na Ma­rinha já não o possa ser? Como ad­mitir que as atri­bui­ções fun­ci­o­nais sejam res­pei­tadas nuns ramos e nou­tros o prin­cípio seja o do «pau para toda a obra»? E como aceitar que um pouco por toda a Eu­ropa as as­so­ci­a­ções sócio-pro­fis­si­o­nais con­gé­neres sejam con­si­de­radas e que por cá pros­siga um es­tilo de en­fado no re­la­ci­o­na­mento?

Efec­tivar di­reitos

Re­cen­te­mente, o Co­mité Eu­ropeu dos Di­reitos So­ciais re­co­nheceu os di­reitos sin­di­cais aos Guarda de Fi­nança ita­li­anos, que pos­suem na­tu­reza mi­litar, numa acção por estes in­ter­posta contra o Es­tado ita­liano. O mesmo já tinha re­cen­te­mente su­ce­dido, re­la­ti­va­mente aos mi­li­tares ir­lan­deses. Nou­tros países, esse di­reito de cons­ti­tuição de sin­di­catos há mais tempo vi­gora.

No nosso País, após grande luta dos mi­li­tares, no­me­a­da­mente, é justo dizê-lo, dos Sar­gentos, e uma ac­tiva in­ter­venção ins­ti­tu­ci­onal do PCP, foram con­sa­grados o as­so­ci­a­ti­vismo sócio-pro­fis­si­onal e a in­clusão das as­so­ci­a­ções em grupos de tra­balho para ma­té­rias dessa na­tu­reza. Acon­tece que desde essa al­tura tal nunca acon­teceu.

Como re­fere a re­cente per­gunta ao Go­verno sobre Di­reitos dos Mi­li­tares apre­sen­tada pelo Grupo Par­la­mentar do PCP, e exem­pli­fi­cando com os casos mais re­centes, nem quanto ao Es­ta­tuto dos Mi­li­tares, Re­gu­la­mento de Ava­li­ação do Mé­rito, al­te­ra­ções ao Re­gime de Con­trato e In­cen­tivos, Con­tagem do Tempo Con­ge­lado, etc, tal prá­tica ga­nhou vida. Pelo con­trário, o es­tilo re­cor­rente é o pró-forma.

Tornar as Forças Ar­madas atrac­tivas passa por va­lo­rizar e dig­ni­ficar os mi­li­tares. Va­lo­rizar e dig­ni­ficar as car­reiras, as fun­ções, as es­pe­ci­a­li­za­ções; dig­ni­ficar as con­di­ções de vida nas uni­dades, res­peitar as pes­soas, porque se é ver­dade que ser mi­litar é estar pre­pa­rado para tudo, tal exi­gência ainda mais obriga a ter re­la­ti­va­mente a elas uma par­ti­cular atenção e não as olhar numa óp­tica me­ra­mente ins­tru­mental.

A questão que se co­loca é que para isso é ne­ces­sário uma in­versão com­pleta nas op­ções que têm vindo a ser se­guidas.

 



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