João José de Melo Cochofel Aires de Campos nasceu em Coimbra em Julho de 1919. Filho único de uma família da aristocracia coimbrã, cedo Cochofel irá interessar-se pela poesia e pela música, desenvolvendo actividade permanente e profícua em ambas as artes.
Logo em 1938, com 19 anos, publicará Instantes, a que se seguirá Búzio (1940) e será, com o livro Sol de Agosto (1941), o terceiro poeta, depois de Fernando Namora e Mário Dionísio, a publicar nessa modelar e mítica colecção que foi o Novo Cancioneiro. Faz, portanto, parte da 1.ª geração neo-realista, a que podemos estabelecer no espaço temporal entre a Guerra Civil de Espanha e a 2.ª Guerra Mundial.
Embora oriundo de uma família abastada, esse facto não o impediu de aderir ao realismo materialista, fundamental movimento literário e político que foi, através da criação artística, modo de resistência e oposição ao salazarismo, de renúncia às orientações que António Ferro pretendia impor às artes com a denominada «política do espírito» e de ruptura com as derivantes estéticas da Presença. Fernando Namora, amigo de Cochofel e companheiro de tertúlias na Coimbra estudantil, afirmaria que a sua evolução discursiva e temática «já não cabia no espírito presencista».1
Crítico literário e musical, Cochofel ficará ligado a publicações como Sol Nascente, O Diabo, Gazeta Musical e de Todas as Artes, Altitude e, de forma mais comprometida, a partir de 1944, à revista Vértice, da qual foi secretário, sendo o palacete dos Cochofel, à época, a sua sede. Com Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado, Rui Feijó, Arquimedes da Silva Santos e um esquivo Eduardo Lourenço, foi possível manter actuante um espaço editorial livre, fecundo e dialéctico, de intervenção crítica, cultural e política que ainda hoje resiste aos desvarios e aos afunilamentos críticos da contemporaneidade.
No palacete da Rua do Loureiro, nas suas salas amplas, com vista privilegiada sobre o casario da urbe, com o Mondego ao fundo, cumpriam-se as conversas, «[...] as tardes ou os serões em casa do Cochofel. Nessas tertúlias se atearam muitas labaredas da minha geração», frase de Namora inscrita na fachada da actual Casa da Escrita, a qual, entre outras meritórias funções, preserva o espólio e as memórias de um dos principais poetas do Novo Cancioneiro e de alguns dos seus companheiros de jornada.
A poesia de Cochofel constrói-se de serenidade e limpidez, de abismos magoados, de plenitude lírica, de inquietude, de denúncia e de combate, como encontramos no poema Firmeza, canção heróica que Lopes-Graça musicou para o Coro da Academia dos Amadores de Música: Sem frases de desânimo/ Nem complicações de alma,/ Que o teu corpo agora fale/ Presente e seguro do que vale// Pedra em que a vida se alicerça/Argamassa e nervo/ Pega-lhe como um senhor/ E nunca, e nunca como um servo.// Não seja o travo das lágrimas/ Capaz de embargar-te a voz;/ Que a boca a sorrir não mate nos lábios,/ O brado de combate.// Olha que a vida nos acena para além da luta.// Canta os sonhos com que esperas,/ Que o espelho da vida nos escuta.
João José Cochofel, publicou vários livros de poesia, de ensaio e crónicas, que se encontram reunidos nas obras completas publicadas pela Caminho: Obra Poética; Opiniões com Data e Iniciação Estética Seguida de Críticas e Crónicas.
Terminamos esta breve evocação de João José Cochofel, que assinala os 100 anos do seu nascimento, com o poema Destino, do livro Os Dias Íntimos, que a música de Lopes-Graça, apesar do desalento que atravessa alguns versos, transformaria em mais uma das suas vibrantes heróicas: Debruçados vivemos/ às grades do nosso tempo/ Aos sonhos decepados/ olhos de vidro contemplam// Vãos caminhos abertos/ nas plagas do coração/Alheios ao que somos/ na palma da nossa mão// Veio a noite de chumbo/ e comeu a cor às rosas/ Lençol de esquecimento/ em pobres mãos dolorosas.// E trazemos oculto/ um morto dentro de nós/ Rio que já não procura/ o porto da sua foz// Mas a chama do ódio/ rubra entre cinzas perdura/ lá onde nos varreu/ de sangue, pus e secura// E pois só nele esperamos/ queime o que ainda nos resta!/ De mãos puras façamos/ o dia da nossa festa.
Festa que o autor de Cárcere ainda viveu e festejou.