Coniventes

Anabela Fino

A recente decisão dos EUA de voltar a executar penas de morte a nível federal, após uma suspensão de 16 anos, foi recebida por cá com particular parcimónia de comentários. A notícia da agência Reuters replicada na generalidade dos media nacionais, sem grandes nuances, dispensa a adjectivação que é usual quando são outros os protagonistas. A administração Trump, que mal chega a ser citada, não é apresentada como o «regime Trump» ou o «regime norte-americano», e a insanável contradição entre pena de morte e direitos humanos, que os EUA tanto invocam, nem sequer é aflorada.

Numa imprensa onde abundam comentários e comentadores, ninguém achou oportuno classificar Trump, assumido defensor da pena capital, nem muito menos lembrar que o agora presidente norte-americano pediu, em um anúncio de página inteira, a execução dos cinco de Central Park – o famoso caso do ataque e violação de uma jovem em 1989, de que foram acusados cinco jovens afro-americanos – que posteriormente foram ilibados por evidências de DNA e pela confissão do verdadeiro criminoso. Trump não só nunca pediu desculpa pelas suas falsas acusações como insiste, enquanto presidente da maior potência do pretenso «mundo livre», em consagrar na lei o desprezo pelos direitos humanos.

De notar também o ensurdecedor silêncio dos paladinos dos ditos direitos quando se trata de países não alinhados com Washington, que no caso vertente primaram pela ausência, desaparecidos nas dunas a assobiar para o lado, sacudindo o incómodo de a reactivação da pena de morte nos EUA ocorrer apesar de os sucessivos estudos demonstrarem que a pena capital não é um impedimento ao crime, que o governo federal recorre de forma desproporcional a ela contra pessoas de cor, e que há mais erros judiciais e condenações de inocentes em casos destes do que na maioria dos outros.

De mansinho passou igualmente a informação de que o Reino Unido vai extraditar para os Estados Unidos o fundador do WikiLeaks Julian Assange para ser julgado por espionagem. A garantia foi dada pelo secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, de visita ao Equador, e não mereceu qualquer desmentido de Londres. Para quem já se esqueceu, Assange divulgou crimes de guerra cometidos pelos EUA, pelo que o «regime de Trump» o considera um «risco para o mundo». O conceito de «Justiça» parece ser cada vez mais, deste como do outro lado do Atlântico, a morte do mensageiro. E o mais grave e perturbador é que, no caso vertente, pode não se tratar apenas de uma expressão em sentido figurado.

E no entanto não se ouve nos sítios do costume o clamor da indignação. Não há campanha, nem análise, nem comentário, nada. Só um silêncio envergonhado a disfarçar, mal, a conivência.

 



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