A vedeta

Correia da Fonseca

Ao longo dos dias re­centes, a Ama­zónia e o in­cêndio que ameaça de­vorá-la foi a grande ve­deta dos no­ti­ciá­rios te­le­vi­sivos e, como que em com­ple­mento, o pre­si­dente Bol­so­naro, cha­mado de Bol­so­nero em ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares que assim o com­param ao im­pe­rador Nero que mandou in­cen­diar Roma, é neles apon­tado como o grande res­pon­sável pela ca­tás­trofe. É capaz de ser exa­gero, não basta ser fas­cista e ter um dis­curso con­se­quen­te­mente brutal para ser também o man­dante da des­truição da maior ri­queza flo­restal do Brasil e por­ven­tura do mundo, mas há ra­zões para a sus­peita: por de­trás do in­cêndio da Ama­zónia há in­dí­cios de ne­go­ci­atas de ter­renos que en­volvem mi­lhões, e bem se sabe que o ne­go­cismo mais ines­cru­pu­loso chegou ao poder po­lí­tico do Brasil com a eleição de Bol­so­naro. Assim, o epi­centro da questão, di­gamos assim, situa-se nisso mesmo, na total au­sência de es­crú­pulos ou se­quer de he­si­ta­ções que é o grande motor do mundo dos grandes ne­gó­cios. O seu fun­da­men­ta­lís­simo man­da­mento po­derá ser: amar o lucro sobre todas as coisas. Por ele se en­co­mendam enormes des­graças e se de­sen­ca­deiam guerras; nada de­certo im­pede que se mande in­cen­diar o pre­cioso pa­tri­mónio flo­restal que é a Ama­zónia.

Todo o mundo é vi­zinho

Como aliás a te­le­visão tem re­pe­tido, da Ama­zónia vem uma boa parte do oxi­génio que o resto do mundo res­pira e até, em con­sequência do efeito sobre a plu­vi­o­si­dade, uma sig­ni­fi­ca­tiva parte da água que é be­bida em al­gumas re­giões. Das es­pé­cies de flora e de fauna que a Ama­zónia guarda, nós, os leigos em tal ma­téria, só po­demos ig­norar. Mas Bol­so­naro, apesar da só­lida ig­no­rância que de­certo o ca­rac­te­riza nas mais va­ri­adas ma­té­rias, não pode ig­norar, dadas as fun­ções que exerce no país, aquilo que até os es­cas­sa­mente in­for­mados de países dis­tantes sabem: que a Ama­zónia é um te­souro e que guardá-lo e pre­servá-lo é in­cum­bência que cabe ao pre­si­dente bra­si­leiro. A cons­ter­nação que o in­cêndio sus­cita um pouco por todo o mundo é o sinal óbvio de que, para lá de per­tenças ter­ri­to­riais que aliás não estão em dis­cussão, a Ama­zónia é pa­tri­mónio de todo o pla­neta e de quem o ha­bita. Num certo sen­tido, o mundo in­teiro é vi­zinho da Ama­zónia. O que também sig­ni­fica que Bol­so­naro deve prestar contas: ele teria de ser o pri­meiro guar­dião da Ama­zónia e essa guarda fa­lhou. Se não foi me­ra­mente ne­go­ciada.




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