Comadres

Jorge Cadima

O grande ca­pital pre­para-se para tentar fazer os povos pagar a crise

Não passa dia sem que haja fe­rozes epi­só­dios de ri­va­li­dade entre po­tên­cias im­pe­ri­a­listas, ou mesmo no seu seio, como se vê nos EUA e na UE. A luta feroz no seio do ca­pi­ta­lismo mun­dial é o re­flexo de pro­fundos pro­blemas ob­jec­tivos.

Por um lado, a crise do ca­pi­ta­lismo está a en­trar numa fase de­fla­ci­o­nária, como afirmam os tweets do ex-Mi­nistro do Te­souro dos EUA, Sum­mers (22 Agosto). Uma dé­cada de me­didas ex­cep­ci­o­nais, de fi­nan­ci­a­mentos a fundo per­dido à banca e de taxas de juro quase nulas, im­pe­diram a im­plosão do sis­tema fi­nan­ceiro in­ter­na­ci­onal, mas não re­lan­çaram o cres­ci­mento eco­nó­mico, nem im­pe­diram que a dí­vida global seja hoje maior do que em 2008. O Fi­nan­cial Times (13.8.19) diz que um quarto dos tí­tulos de dí­vida de Es­tados e em­presas têm hoje re­torno ne­ga­tivo. Estão a secar as fontes de lucro para o grande ca­pital. Por outro lado, al­tera-se ra­pi­da­mente a cor­re­lação de forças eco­nó­micas mun­dial. Na re­cente ci­meira dos ban­queiros de Jackson Hole (EUA), o Go­ver­nador do Banco de In­gla­terra lembra que nos anos 80 as eco­no­mias emer­gentes «re­pre­sen­tavam pouco mais de um terço do PIB global». Hoje essa quota é de 60% «e es­tima-se que em 2030 será de cerca de três quartos». Faltam dez anos para EUA+UE+Japão serem um quarto do PIB mun­dial.

O dis­curso do Go­ver­nador do Banco de In­gla­terra não deixa de ser in­tri­gante. Pu­xando dos ga­lões da City de Lon­dres, «o prin­cipal centro fi­nan­ceiro in­ter­na­ci­onal do mundo», Carney propõe a subs­ti­tuição do dólar como moeda de re­serva in­ter­na­ci­onal. Não se trata de coisa pe­quena. Afirma que o prin­cipal can­di­dato para o subs­ti­tuir é [a moeda chi­nesa] Ren­mibi, mas pre­fere outra so­lução: um «sis­tema mul­ti­polar», com a cri­ação de uma moeda global di­gital. Nada de con­fu­sões: sob o co­mando da banca, ou seja «através duma rede de mo­edas di­gi­tais dos bancos cen­trais». Re­fere por nome a Libra, sem ex­pli­citar que é a moeda di­gital do pa­trão do Fa­ce­book, cujos laços ao ‘Es­tado Pro­fundo’ dos EUA são bem co­nhe­cidos, e sem re­ferir que já se reu­niram em Maio (BBC, 24.5.19). Carney in­dica como mo­edas que sus­ten­ta­riam a di­visa «o dólar dos EUA, o euro e a libra». Não men­ciona a China.

En­tre­tanto, no seu es­tilo in­con­fun­dível, o Pre­si­dente Trump des­car­regou a sua ira tweeteira sobre o Pre­si­dente da Re­serva Fe­deral do seu pró­prio país, per­gun­tando «quem é o nosso maior ini­migo, Jay Powell ou o Pre­si­dente [chinês] Xi?» (23.8.19). Wil­liam Du­dley, ex-Pre­si­dente do maior dos bancos da Re­serva Fe­deral dos EUA e ex-membro da Di­recção do BIS, o ‘banco dos ban­quei­ros’, res­ponde (Blo­om­berg, 27.8.19) que «a re­e­leição de Trump é uma ameaça para os EUA e a eco­nomia global». Pede, sem grandes ro­deios, para a Re­serva Fe­deral im­pedir essa re­e­leição.

A zanga de co­ma­dres as­si­nala que a crise do ca­pi­ta­lismo está prestes a ex­plodir. Talvez usem Trump como bode ex­pi­a­tório. Mas se­gundo Carney, «si­tu­a­ções an­te­ri­ores de taxas muito baixas ten­deram a coin­cidir com acon­te­ci­mentos de grande risco como guerras, crises fi­nan­ceiras e que­bras de re­gime mo­ne­tário». Sum­mers lembra que «foi pre­ciso a [Se­gunda Guerra Mun­dial] para tirar o mundo da de­pressão» dos anos 30 e que sem o mi­li­ta­rismo, o ca­pi­ta­lismo «pro­va­vel­mente» não teria saído da grande De­pressão. O grande ca­pital pre­para-se para tentar de novo fazer os povos pagar a crise do seu sis­tema. A úl­tima pa­lavra cabe aos povos.




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