Serviço Nacional de Saúde – Avançar é preciso!

Joaquim Judas

DI­REITOS A apro­vação, a 19 de Julho úl­timo, de uma nova Lei de Bases da Saúde pela As­sem­bleia da Re­pú­blica e o re­forço elei­toral da CDU no pró­ximo dia 6 de ou­tubro, a ve­ri­ficar-se, cons­ti­tuem opor­tu­ni­dades ím­pares para re­verter o ca­minho de de­gra­dação da pres­tação de cui­dados de saúde que re­sulta da cres­cente pri­va­ti­zação e con­cen­tração ca­pi­ta­lista dos ser­viços de saúde con­du­zida por PSD, CDS e PS.

O SNS é a prin­cipal e de­ci­siva ga­rantia do di­reito à Saúde dos por­tu­gueses

Com o im­pulso re­vo­lu­ci­o­nário de Abril, a in­ter­venção pú­blica, do Es­tado, através do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde (SNS), na pres­tação dos cui­dados de saúde tem sido, em Por­tugal, de forma di­reta e in­di­reta, a prin­cipal e de­ci­siva ga­rantia do di­reito à saúde, mesmo quando o SNS apre­senta sé­rias li­mi­ta­ções e de­fi­ci­ên­cias. Ao longo de 45 anos, a luta das po­pu­la­ções pelo di­reito à saúde e por me­lhores con­di­ções de vida, a acção dos pro­fis­si­o­nais de saúde e a exis­tência do SNS per­mi­tiram enormes ga­nhos em saúde em Por­tugal. Desde Abril de 1974, Por­tugal é dos países com mai­ores pro­gressos em saúde no plano mun­dial e in­tegra o grupo da­queles onde é mais ele­vada a es­pe­rança de vida à nas­cença.

Mas po­demos fazer me­lhor, obter me­lhores re­sul­tados com menos so­fri­mento dos do­entes, menos custos so­ciais e eco­nó­micos, eli­mi­nando de­si­gual­dades e in­jus­tiças, com maior re­a­li­zação pes­soal dos pro­fis­si­o­nais de saúde.

O ca­pital viu sempre a Saúde como um ne­gócio e, através dos par­tidos que são porta-vozes dos seus in­te­resses, sempre se opôs à exis­tência do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde que a Re­vo­lução de Abril lançou em 1974 e a Cons­ti­tuição de­se­nhou em 1976. A Lei que em Se­tembro de 1979 pro­curou dar forma e rumo às res­pon­sa­bi­li­dades do Es­tado em Saúde e ao SNS, que tem vindo a ser de­sig­nada Lei Ar­nault, nunca foi de facto apli­cada em as­pectos es­sen­ciais.

Em 1989, PS, PSD e CDS ne­go­ci­aram e fi­zeram aprovar uma re­visão da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica. Nela, o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde deixa de ser «gra­tuito» para passar a ser «ten­den­ci­al­mente gra­tuito» e a res­pon­sa­bi­li­dade cons­ti­tu­ci­onal do Es­tado com a pres­tação de cui­dados de saúde e de for­ne­ci­mento de me­di­ca­mentos fica li­mi­tada aos seus custos de dis­tri­buição e não já também à sua pro­dução.

Servir os pri­vados

Em 24 de Agosto de 1990 foi pu­bli­cada a lei 48/​90, Lei de Bases da Saúde, da ini­ci­a­tiva do go­verno PSD, que con­sagra um de­sígnio de sempre do ca­pital: uti­lizar o erário pú­blico como factor de acu­mu­lação e poder. Aí se afirma: «O Es­tado apoia o de­sen­vol­vi­mento do sector pri­vado de pres­tação de cui­dados de saúde, em função das van­ta­gens so­ciais de­cor­rentes das ini­ci­a­tivas em causa e em con­cor­rência com o sector pú­blico»; «O apoio pode tra­duzir-se, no­me­a­da­mente, na fa­ci­li­tação da mo­bi­li­dade do pes­soal do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde que de­seje tra­ba­lhar no sector pri­vado, na cri­ação de in­cen­tivos à cri­ação de uni­dades pri­vadas e na re­serva de quotas de leitos de in­ter­na­mento em cada re­gião de saúde»; «Nos termos a es­ta­be­lecer em lei, pode ser au­to­ri­zada a en­trega, através de con­tratos de gestão, de hos­pi­tais ou cen­tros de saúde do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde a ou­tras en­ti­dades ou, em re­gime de con­venção, a grupos de mé­dicos».

Es­can­ca­rava-se assim a porta à pa­ra­si­tação do Es­tado pelo ca­pital na área da Saúde, com a des­na­tação do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde em re­cursos hu­manos e fi­nan­ceiros, ins­ta­la­ções e equi­pa­mentos.

À conta do que de­signam como a «in­sus­ten­ta­bi­li­dade do SNS», efec­ti­varam: a con­tenção de novos pro­fis­si­o­nais de saúde através de nu­merus clausus e ou­tros es­quemas; a con­tenção de sa­lá­rios e re­mu­ne­ra­ções e a de­gra­dação das re­la­ções con­tra­tuais dos pro­fis­si­o­nais do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, com a in­tro­dução do re­gime de con­trato in­di­vi­dual de tra­balho, tendo em vista a di­visão dos tra­ba­lha­dores, a re­dução da sua co­esão e ca­pa­ci­dade de luta e a sua ca­na­li­zação a baixo preço para o «con­cor­rente» pri­vado; a in­tro­dução pro­gres­siva de custos no acesso a cui­dados no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, por via, entre ou­tros, do pa­ga­mento de taxas mo­de­ra­doras, do pa­ga­mento de trans­portes e do pa­ga­mento par­ti­lhado de Cui­dados Con­ti­nu­ados, con­tri­buindo para au­mentar a ca­pa­ci­dade de atração do «con­cor­rente» pri­vado; a de­sor­ça­men­tação, o de­sin­ves­ti­mento e o blo­queio da gestão pú­blica das uni­dades de saúde no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, a par de me­didas nor­ma­tivas de «em­pre­se­re­a­li­zação» (SA ou EPE) das uni­dades de saúde, fa­ci­li­ta­doras da des­re­gu­lação das re­la­ções la­bo­rais e da aqui­sição de ser­viços de saúde ao «con­cor­rente» pri­vado, a pre­texto da in­ca­pa­ci­dade do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde em ad­quirir, uti­lizar ou gerir os seus pró­prios re­cursos; a cri­ação de re­la­ções de de­pen­dência es­tra­té­gica do SNS em re­lação ao «con­cor­rente» pri­vado em ma­té­rias es­sen­ciais, onde se in­cluem os grandes equi­pa­mentos e ins­ta­la­ções, as novas tec­no­lo­gias, os pro­fis­si­o­nais e os me­di­ca­mentos.

A mão que em­bala o berço

O PS tem sido, também na área da Saúde, ao longo dos anos, a mão que em­bala o berço onde o ca­pital acu­mula. O PS foi, no go­verno, cum­pridor da lei­tura feita pelo PSD e o CDS, tanto da Lei de Bases de 1990 como da re­visão desta pela Lei 27/​2002, que ins­titui a con­tra­tação in­di­vi­dual de tra­balho e a em­pre­se­re­a­li­zação das uni­dades de saúde do SNS.

Com ele foram ne­go­ci­adas e er­guidas as Par­ce­rias Pú­blico-Pri­vado, foi exe­cu­tado o novo re­gime con­tra­tual dos pro­fis­si­o­nais de saúde, foram en­cer­rados blocos de partos e ser­viços de aten­di­mento per­ma­nente. Com ele se man­teve aberta a pos­si­bi­li­dade de cri­ação de Uni­dades de Saúde Fa­mi­liar Pri­vadas (Tipo C). Ao ins­ti­tuir os Hos­pi­tais Em­presa Pú­blica como eco dos hos­pi­tais So­ci­e­dade Anó­nima que o go­verno PSD/​CDS tinha ins­ti­tuído, o mi­nistro Cor­reia de Campos, do PS, afirmou: «Não ex­cluo a par­ti­ci­pação de ca­pital pri­vado nas EPE, e mais não digo» (Diário Eco­nó­mico, de 8 de Abril de 2005).

O re­sul­tado desta con­ver­gência de po­lí­ticas de di­reita na Saúde tem sido o cres­ci­mento ex­po­nen­cial do sector pri­vado na saúde e a con­cen­tração deste nas mãos de um cada vez mais re­du­zido nú­mero de en­ti­dades (quatro grandes grupos em­pre­sa­riais no in­ter­na­mento, 17 em­presas no am­bu­la­tório e 20 em­presas nos cui­dados de en­fer­magem e aná­lises clí­nicas).

A par disto, a des­pesa pú­blica com saúde por ha­bi­tante é das mais baixas entre os países com nível se­me­lhante ao nosso e aquilo que cada pessoa paga di­re­ta­mente do seu bolso para ter acesso a cui­dados atinge, em Por­tugal, dos va­lores mais altos (27,5%) entre o mesmo grupo de países.

Quase 700 mil pes­soas não têm mé­dicos de fa­mília, um ele­vado nú­mero de ins­ta­la­ções de cui­dados de saúde pri­má­rios e hos­pi­tais estão de­sa­de­quadas, quase 250 mil pes­soas aguardam ci­rur­gias, das quais cerca de 60% para além do tempo cli­ni­ca­mente acei­tável, e as listas de es­pera para con­sultas em al­gumas es­pe­ci­a­li­dades são in­de­co­rosas. A in­ca­pa­ci­dade de res­posta do SNS leva a que este, com um or­ça­mento anual a rondar os 10 mil mi­lhões de euros, pague anu­al­mente mais de 3,7 mil mi­lhões a en­ti­dades pri­vadas para que estas as­se­gurem cui­dados e ser­viços que o SNS de­veria estar em con­di­ções de prestar com re­cursos pró­prios.

Entre 2010 e 2017, foi re­ti­rada à des­pesa pú­blica com saúde um mon­tante acu­mu­lado de 10,5 mil mi­lhões de euros, dos quais 7,23 mil mi­lhões ao SNS. Às re­mu­ne­ra­ções dos pro­fis­si­o­nais do SNS foi re­ti­rado, no mesmo pe­ríodo, um valor acu­mu­lado de cerca de 2,8 mil mi­lhões de euros. Verbas que per­mi­ti­riam fazer muitos dos in­ves­ti­mentos em falta, au­mentar o nú­mero e re­mu­nerar com jus­tiça os pro­fis­si­o­nais de saúde e as­se­gurar mais e me­lhores cui­dados aos do­entes.

In­versão de rumo? Só com mais CDU

A nova Lei de Bases da Saúde, agora apro­vada, aponta para afir­mação da res­pon­sa­bi­li­dade do Es­tado em ga­rantir o di­reito à saúde, rom­pendo com quase 30 anos de pa­ra­si­tação e des­na­tação do SNS pelos in­te­resses ca­pi­ta­listas ins­ta­lados no sector e re­a­pro­xi­mando-o da missão que lhe foi de­fi­nida em 1976, pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica.

Mas para que esse ca­minho tenha início e con­ti­nui­dade é ne­ces­sário que a 6 de Ou­tubro os elei­tores votem na CDU. Esse voto é a ga­rantia efec­tiva de que esta nova Lei vai ser cum­prida.

O PCP tem tido uma po­sição de ab­so­luta co­e­rência na de­fesa do di­reito à saúde e do SNS. O Pro­grama Elei­toral do PCP in­tegra um vasto con­junto de pro­postas que está ao nosso al­cance con­cre­tizar com tra­balho, com luta, or­ga­ni­zação, de­ter­mi­nação e co­ragem.

Nele o PCP de­fende:

  • odesen­vol­vi­mento do SNS como ser­viço pú­blico, uni­versal, geral e gra­tuito;

  • o ade­quado fi­nan­ci­a­mento do SNS e o fim das taxas mo­de­ra­doras, o trans­porte gra­tuito de do­entes não ur­gentes e a dis­pensa gra­tuita de me­di­ca­mentos para do­entes cró­nicos, para as fa­mí­lias em si­tu­ação de ca­rência eco­nó­mica e a do­entes com mais de 65 anos;

  • a ca­pa­ci­tação dos ser­viços de ur­gência;

  • a atri­buição de mé­dico e en­fer­meiro de fa­mília a todos os utentes;

  • a re­a­li­zação de con­sultas nos Cen­tros de Saúde por mé­dicos de vá­rias es­pe­ci­a­li­dades;

  • a cri­ação de uma rede de Cui­dados Con­ti­nu­ados e Pa­li­a­tivos com co­ber­tura na­ci­onal sem custos para os do­entes;

  • a adopção de me­didas para eli­minar as listas de es­pera para cirurgia, con­sultas, exames com­ple­men­tares e téc­nicas es­pe­ci­a­li­zadas de te­ra­pêu­tica;

  • a eli­mi­nação das Par­ce­rias Pú­blico-Privado e a re­or­ga­ni­zação da rede hos­pi­talar com cons­trução de novos hos­pi­tais;

  • o au­mento da do­tação fi­nan­ceira para a saúde mental;

  • a reacti­vação, re­forço e di­na­mi­zação da res­posta aos pro­blemas da to­xi­co­de­pen­dência e do al­co­o­lismo no âm­bito de uma po­lí­tica de pre­venção e tra­ta­mento de com­por­ta­mentos adi­tivos e de­pen­dên­cias;

  • o cum­pri­mento da le­gis­lação que obriga a que sejam ga­ran­tidas as con­di­ções de se­gu­rança e saúde no tra­balho;

  • o acesso dos do­entes à in­for­mação sobre o seu es­tado de saúde;

  • a ga­rantia dos di­reitos dos be­ne­fi­ciá­rios da ADSE, ADM, SAD/​PSP; SAD/​GNR.

O PCP de­fende a va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores da saúde com a re­gu­la­ri­zação da si­tu­ação con­tra­tual dos pro­fis­si­o­nais, as­se­gu­rando o vín­culo pú­blico de no­me­ação de­fi­ni­tiva, a sua va­lo­ri­zação pro­fis­si­onal, a pro­gressão nas car­reiras e o au­mento sig­ni­fi­ca­tivo dos seus sa­lá­rios com re­po­sição do que lhes foi re­ti­rado.

Avançar é pre­ciso! Pela sua saúde, vote CDU!




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