Golpe de Estado na Bolívia derruba Evo Morales

BOLÍVIA Um golpe de Es­tado afastou o pre­si­dente Evo Mo­rales, que se en­contra asi­lado no Mé­xico. A oli­gar­quia bo­li­viana, apoiada pelos mi­li­tares, pro­clamou a até agora se­na­dora Je­a­nine Áñez como pre­si­dente in­te­rina.

«Con­tinua a luta, os povos têm todo o di­reito de li­bertar-se»

lusa


O líder po­lí­tico bo­li­viano Evo Mo­rales de­nun­ciou na terça-feira, 12, à noite, no Mé­xico, onde re­cebeu asilo po­lí­tico, que com a pro­cla­mação da se­na­dora Je­a­nine Áñez como pre­si­dente in­te­rina da Bo­lívia con­sumou-se o golpe de Es­tado no seu país.

Con­sumou-se «o golpe mais ne­fasto» da his­tória da Bo­lívia, es­creveu no Twitter. «Uma se­na­dora da di­reita gol­pista pro­clama-se pre­si­dente do Se­nado e a se­guir pre­si­dente in­te­rina da Bo­lívia, sem quórum le­gis­la­tivo», acusou. Acres­centou que o golpe con­sumou-se «sobre o sangue de ir­mãos as­sas­si­nados por forças po­li­ciais e mi­li­tares no golpe» e rei­terou que o acto de au­to­pro­cla­mação de uma se­na­dora como pre­si­dente viola a Cons­ti­tuição da Bo­lívia.

Em La Paz, Je­a­nine Áñez, se­gunda vice-pre­si­dente do Se­nado, rei­vin­dicou o di­reito de as­sumir in­te­ri­na­mente a chefia do Es­tado até à re­a­li­zação de novas elei­ções, dadas as de­mis­sões do vice-pre­si­dente da Re­pú­blica e dos pre­si­dentes e vice-pre­si­dentes do Se­nado e da Câ­mara dos De­pu­tados, su­pos­ta­mente re­fu­gi­ados na em­bai­xada do Mé­xico.

A ban­cada do Mo­vi­mento para o So­ci­a­lismo (MAS), de Evo Mo­rales, não pôde as­sistir à sessão do par­la­mento, apesar de ter so­li­ci­tado «ga­ran­tias», pe­rante as bar­ri­cadas nas ruas e a pre­sença mi­litar que cer­cava o edi­fício.

A mão de Washington

A crise po­lí­tica, ins­ti­tu­ci­onal e so­cial na Bo­lívia co­meçou a 20 de Ou­tubro, dia de elei­ções, quando a opo­sição de di­reita se re­cusou a aceitar os re­sul­tados das urnas, que davam a vi­tória a Evo Mo­rales logo à pri­meira volta. A pri­meira exi­gência dos opo­si­tores, que logo nessa noite pro­vo­caram actos vi­o­lentos em vá­rias ci­dades do país, foi a con­vo­cação de uma se­gunda volta elei­toral, entre Evo Mo­rales e o can­di­dato de di­reita Carlos Mesa.

Cinco dias de­pois, o Tri­bunal Su­premo Elei­toral con­firmou a vi­tória de Mo­rales, sem ne­ces­si­dade de uma se­gunda volta, e as ma­ni­fes­ta­ções vi­o­lentas in­ten­si­fi­caram-se.

O go­verno aceitou uma au­di­toria da Or­ga­ni­zação dos Es­tados Ame­ri­canos (OEA), que con­cluiu, sem apre­sentar provas, ter ha­vido «ir­re­gu­la­ri­dades no pro­cesso elei­toral», pelo que instou a re­petir as elei­ções. O pre­si­dente Evo Mo­rales acatou a re­co­men­dação da OEA – uma or­ga­ni­zação co­nhe­cida por estar ao ser­viço de Washington – e anun­ciou que con­vo­caria novas elei­ções. Con­tudo, a exi­gência dos opo­si­tores mudou e pas­saram então a exigir a re­núncia do chefe do Es­tado e novas elei­ções sem a par­ti­ci­pação de Mo­rales e do vice-pre­si­dente Álvaro García Li­nera.

Aos opo­si­tores jun­taram-se os chefes das forças ar­madas e da po­lícia da Bo­lívia, que «pe­diram» a Mo­rales para re­nun­ciar.

Horas de­pois, no dia 10, foi co­nhe­cida a re­núncia de Evo Mo­rales e de ou­tros di­ri­gentes do país. Ex­plicou que dei­xava o cargo para que Carlos Mesa e o chefe opo­sitor do Co­mité Cí­vico de Santa Cruz, Luís Fer­nando Ca­macho, de ex­trema-di­reita, ces­sassem a per­se­guição a di­ri­gentes po­lí­ticos sin­di­cais, dei­xassem de or­denar o in­cêndio de casas de fun­ci­o­ná­rios pú­blicos e pa­rassem de «se­ques­trar e mal­tratar» fa­mi­li­ares de lí­deres in­dí­genas.

Mo­rales no Mé­xico

No ae­ro­porto da Ci­dade do Mé­xico, na terça-feira, à tarde, o pre­si­dente de­posto da Bo­lívia, Evo Mo­rales, agra­deceu ao go­verno de An­drés López Obrador por «salvar-lhe a vida», ao ofe­recer-lhe asilo po­lí­tico.

«Estou muito agra­de­cido ao go­verno do Mé­xico porque me salvou a vida», disse Mo­rales aos jor­na­listas, após ter sido aco­lhido pelo mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros me­xi­cano, Mar­celo Ebrard. No Mé­xico, o po­lí­tico bo­li­viano go­zará de «li­ber­dade, se­gu­rança, in­te­gri­dade e pro­tecção da sua vida».

Acom­pa­nhado do seu vice-pre­si­dente, García Li­nera, e da mi­nistra da Saúde, Ga­briela Mon­taño, Mo­rales vi­ajou num avião mi­litar me­xi­cano, que o foi buscar à Bo­lívia.

«Obri­gado ao Mé­xico, às suas au­to­ri­dades. Quero dizer que en­quanto viver, con­ti­nu­amos na po­lí­tica, con­tinua a luta, os povos têm todo o di­reito de li­bertar-se. Pensei que tí­nhamos aca­bado com a opressão, a dis­cri­mi­nação, a hu­mi­lhação, mas surgem ou­tros grupos que não res­peitam a vida e menos a pá­tria», afirmou.

Os gol­pistas, ex­plicou, «quei­maram tri­bu­nais elei­to­rais, quei­maram sedes sin­di­cais, quei­maram casas das nossas au­to­ri­dades», assim como a de uma irmã e a sua, em Co­cha­bamba. Pelo que, «para que não haja mais sangue der­ra­mado, mais en­fren­ta­mentos, de­ci­dimos re­nun­ciar».

In­ter­venção dos EUA

Pre­si­dentes, lí­deres so­ciais, par­tidos de es­querda e or­ga­ni­za­ções pro­gres­sistas da Amé­rica La­tina e das Ca­raíbas, e de todo mundo, con­denam o golpe de Es­tado na Bo­lívia que afastou Evo Mo­rales. Os pre­si­dentes Mi­guel Díaz Canel, de Cuba, e Ni­colás Ma­duro, da Ve­ne­zuela, foram dos pri­meiros a re­a­firmar o apoio a Mo­rales e a apelar à de­fesa da in­te­gri­dade fí­sica do líder bo­li­viano.

Or­ga­ni­za­ções como o Con­selho Mun­dial da Paz e, em Por­tugal, o Con­selho Por­tu­guês para a Paz e Co­o­pe­ração, exigem o fim do golpe e o re­torno à cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade e ma­ni­festam so­li­da­ri­e­dade com o povo bo­li­viano.

Meios de co­mu­ni­cação la­tino-ame­ri­canos acom­pa­nham de perto a si­tu­ação na Bo­lívia.

O que ocorreu na Bo­lívia foi um golpe de Es­tado com o apoio da Agência Cen­tral de In­te­li­gência e do go­verno dos Es­tados unidos, es­creve o pe­rió­dico me­xi­cano La Jor­nada, num ar­tigo as­si­nado pelo cor­res­pon­dente em Nova Iorque, David Brooks.

O jor­na­lista cita no ar­tigo afir­ma­ções do pre­si­dente norte-ame­ri­cano Do­nald Trump e do se­cre­tário de Es­tado, Mike Pompeo, de que não foi um golpe mi­litar mas «uma ex­pressão da von­tade do povo» o que ocorreu na Bo­lívia. Trump, «ad­vertiu» que o ocor­rido na Bo­lívia é uma «men­sagem» para a Ni­ca­rágua e a Ve­ne­zuela.

La Jor­nada cita Mark Wei­brot, co-di­rector do Centro de Pes­quisa Eco­nó­mica e Po­lí­tica, co­men­tando que o que su­cedeu na Bo­lívia foi um golpe mi­litar que não po­deria ter avan­çado sem apoio de Washington e da OEA, acom­pa­nhado de uma nar­ra­tiva de fraude elei­toral «sem apre­sentar qual­quer prova».

PCP con­dena golpe

O Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês con­dena ve­e­men­te­mente o golpe de Es­tado que afastou o le­gí­timo Pre­si­dente do Es­tado Plu­ri­na­ci­onal da Bo­lívia, Evo Mo­rales.

Após des­res­pei­tarem a von­tade po­pular ex­pressa nas elei­ções re­a­li­zadas a 20 de Ou­tubro, que di­taram a re­e­leição de Evo Mo­rales como Pre­si­dente da Bo­lívia, as forças re­ac­ci­o­ná­rias e anti-de­mo­crá­ticas bo­li­vi­anas, com a cúm­plice acção das forças po­li­ciais e mi­li­tares e su­por­tadas por ina­cei­tá­veis pres­sões e in­ge­rên­cias ex­ternas, le­varam a cabo uma vi­o­lenta acção ter­ro­rista contra os mo­vi­mentos po­pu­lares bo­li­vi­anos, seus di­ri­gentes e res­pon­sá­veis es­ta­tais, apesar dos múl­ti­plos apelos ao diá­logo e ini­ci­a­tivas de so­lução po­lí­tica no marco de­mo­crá­tico e cons­ti­tu­ci­onal pro­ta­go­ni­zadas por Evo Mo­rales.

Res­pon­sa­bi­li­zando os sec­tores gol­pistas por qual­quer aten­tado contra a in­te­gri­dade fí­sica de mem­bros de forças po­lí­ticas, de es­tru­turas sin­di­cais e de mo­vi­mentos po­pu­lares, o PCP – em nota di­fun­dida na se­gunda-feira, 11 – con­dena e exige o fim da per­se­guição que é mo­vida contra estes.

O golpe de Es­tado agora con­su­mado na Bo­lívia nada tem que ver com uma pre­tensa de­fesa da de­mo­cracia, que vi­o­len­ta­mente des­res­peita, antes se in­sere na ofen­siva do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano na Amé­rica La­tina, tendo como real ob­jec­tivo der­rotar o pro­cesso de afir­mação so­be­rana, de pro­gresso eco­nó­mico e so­cial e de eman­ci­pação que tem vindo a ter lugar na Bo­lívia desde 2006.

O PCP con­si­dera que, no res­peito pela Cons­ti­tuição, é dever do Go­verno por­tu­guês ex­pressar uma inequí­voca re­jeição do golpe de Es­tado na Bo­lívia.

O PCP re­a­firma a so­li­da­ri­e­dade com as forças po­pu­lares, pro­gres­sistas e re­vo­lu­ci­o­ná­rias da Bo­lívia, com a re­sis­tência e luta dos tra­ba­lha­dores e do povo bo­li­viano contra a vi­o­lenta re­pressão gol­pista e em de­fesa da sua so­be­rania, da de­mo­cracia, do pro­gresso eco­nó­mico e so­cial, da paz, da co­o­pe­ração.




Mais artigos de: Internacional

Nações Unidas exigem fim do bloqueio a Cuba

ONU Uma vez mais, o go­verno dos Es­tados Unidos ficou iso­lado da co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal, que voltou a re­jeitar a sua po­lí­tica hostil a Cuba e exigiu na ONU o fim do blo­queio que mantém contra a ilha.

Lula libertado garante continuar luta no Brasil

GA­RANTIA Lula saiu da prisão, em Cu­ri­tiba, agra­deceu aos apoi­antes, cri­ticou o pre­si­dente Jair Bol­so­naro e o mi­nistro da Jus­tiça, Sérgio Moro, e ga­rantiu que vai con­ti­nuar a lutar pelo povo bra­si­leiro.

Greve geral no Chile exige nova Constituição

Concentrações e marchas em dezenas de cidades do Chile tiveram lugar na terça-feira, 12, em apoio à greve geral convocada pela Mesa de Unidade Social. Grevistas e manifestantes exigem uma nova Constituição, uma Assembleia Constituinte, aumentos de salários e pensões e a eliminação das...

Professores de Ontário aprovam greve

Mais de 80 mil professores das escolas públicas de Ontário, no Canadá, autorizaram o seu sindicato, a Federação dos Professores das Escolas Primárias de Ontário (ETFO, na sigla inglesa), a partir para a greve. Em causa está a decisão do governador conservador, Doug Ford, de cortar o orçamento do Ministério da Educação em...