Nos 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança

Crianças com direitos, Portugal com futuro!

Margarida Botelho

INFÂNCIA Entre as pri­meiras ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas que o PCP en­tregou na As­sem­bleia da Re­pú­blica nesta nova le­gis­la­tura contam-se duas im­por­tantes me­didas para re­forçar os di­reitos das cri­anças: cre­ches gra­tuitas e abono de fa­mília para todas as cri­anças.

As cri­anças e as fa­mí­lias em Por­tugal ca­recem ur­gen­te­mente da cri­ação duma rede pú­blica de cre­ches, ou so­lu­ções equi­pa­radas (no­me­a­da­mente cre­ches fa­mi­li­ares ou amas), que deve co­brir todo o ter­ri­tório na­ci­onal.

As cre­ches devem ter como função con­jugar as ne­ces­si­dades es­sen­ciais das cri­anças, ga­ran­tindo se­gu­rança aos pais, mas as­su­mindo igual­mente uma função pe­da­gó­gica, que vise o cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento in­te­gral da cri­ança, em com­ple­men­ta­ri­dade com o papel das fa­mí­lias. Para que seja um ser­viço pú­blico efec­ti­va­mente aces­sível a todas as cri­anças e fa­mí­lias que dele queiram be­ne­fi­ciar, é in­dis­pen­sável ga­rantir a gra­tui­ti­dade.

Na ac­tu­a­li­dade, a va­lência de creche abrange as cri­anças dos quatro meses aos três anos, é da tu­tela da Se­gu­rança So­cial e é con­si­de­rada res­posta so­ci­o­e­du­ca­tiva. Existem cre­ches da rede so­li­dária (IPSS) e pri­vadas, bem como amas, quer da Se­gu­rança So­cial, quer li­gadas a IPSS (caso das cre­ches fa­mi­li­ares).

As vagas exis­tentes, mesmo con­si­de­rando todas de todos os sis­temas, co­brem menos de me­tade das ne­ces­si­dades. Em 2017 fre­quen­tavam uma creche cerca de 100 mil cri­anças.

Além da di­fi­cul­dade em con­se­guir uma vaga, muitos pais, em par­ti­cular nos grandes cen­tros ur­banos, não con­se­guem su­portar os custos as­so­ci­ados à frequência de cre­ches pri­vadas ou de amas, ou fazem-no com grande sa­cri­fício. É in­cal­cu­lável o nú­mero de so­lu­ções in­for­mais e ile­gais a que os pais se vêem obri­gados a re­correr.

O peso da men­sa­li­dade da creche, a di­fi­cul­dade de en­con­trar vaga, são fac­tores que pesam no mo­mento de de­cidir ter fi­lhos. Por­tugal tem um grave dé­fice de­mo­grá­fico. A baixa na­ta­li­dade é acom­pa­nhada de uma enorme con­tra­dição entre esta re­a­li­dade e o que todos os es­tudos re­velam: que os por­tu­gueses em idade fértil gos­ta­riam de ter mais fi­lhos e não os têm por falta de con­di­ções.

Va­lo­ri­zando a ini­ci­a­tiva e res­posta das or­ga­ni­za­ções e es­tru­turas so­ciais, é ne­ces­sário re­co­nhecer que a trans­fe­rência de res­pon­sa­bi­li­dades do Es­tado para as IPSS é cla­ra­mente in­su­fi­ci­ente para fazer face aos custos reais, para ga­rantir a va­lo­ri­zação do es­ta­tuto so­ci­o­pro­fis­si­onal dos tra­ba­lha­dores, pelo ele­vado peso da com­par­ti­ci­pação das fa­mí­lias. A res­posta que é dada pela rede so­li­dária é ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­ente, sendo fun­da­mental su­prir estas ca­rên­cias por via de uma rede pú­blica de acesso uni­versal e gra­tuito.

O pro­jecto de re­so­lução do PCP propõe:

1. Criar uma rede pú­blica de cre­ches, pla­neada para as­se­gurar co­ber­tura em todo o País, de forma a ga­rantir creche gra­tuita, ou so­lu­ções equi­pa­radas, no­me­a­da­mente amas e cre­ches fa­mi­li­ares, a todas as cri­anças desde o final da li­cença de pa­ren­ta­li­dade até aos 3 anos;

2. Ga­rantir o in­ves­ti­mento pú­blico cor­res­pon­dente à cri­ação de, pelo menos, 100 mil vagas em creche ou so­lução equi­pa­rada no sector pú­blico, até ao final da pre­sente le­gis­la­tura, con­si­de­rando, além do fi­nan­ci­a­mento via Or­ça­mento do Es­tado, o re­curso a fundos co­mu­ni­tá­rios e ex­cluindo este in­ves­ti­mento da con­si­de­ração para efeitos de con­ta­bi­li­zação do dé­fice or­ça­mental;

3. Pro­mover as so­lu­ções tran­si­tó­rias que ga­rantam, a partir de 2020, a gra­tui­ti­dade de frequência das cri­anças dos 0 aos três anos, pri­vi­le­gi­ando a ar­ti­cu­lação com as ins­ti­tui­ções do sector so­cial e co­o­pe­ra­tivo.

Abono, di­reito da cri­ança

Para o PCP, o di­reito ao abono de fa­mília cons­titui um di­reito da cri­ança, mo­tivo pelo qual con­si­de­ramos que a atri­buição do abono de fa­mília não deve de­pender dos ren­di­mentos do agre­gado fa­mi­liar. Este é um dever do Es­tado e uma ex­pressão con­creta da so­li­da­ri­e­dade de toda a so­ci­e­dade para com os di­reitos das cri­anças.

Su­ces­sivas al­te­ra­ções de Go­vernos PS e PSD foram dando ma­cha­dadas na uni­ver­sa­li­dade do abono de fa­mília. Pri­meiro em 2003, com um Go­verno PSD, com o corte no acesso ao abono para as cri­anças do 6.º es­calão. De­pois entre 2010 e 2011, num go­verno PS, com o corte no 4.º e 5.º es­ca­lões, em que 444 mil cri­anças per­deram o acesso ao abono.

Com o con­tri­buto do PCP foram dados passos po­si­tivos na me­lhoria desta pres­tação so­cial nos Or­ça­mento do Es­tado desde 2016.

Como as cri­anças não têm ren­di­mentos, a po­breza in­fantil re­sulta sempre da po­breza dos pais. Baixos sa­lá­rios, de­sem­prego e pre­ca­ri­e­dade, que afectam par­ti­cu­lar­mente as ge­ra­ções de tra­ba­lha­dores em idade de ter fi­lhos a cargo, são as prin­ci­pais ra­zões para a po­breza in­fantil. A emer­gência do au­mento dos sa­lá­rios, em par­ti­cular do sa­lário mí­nimo na­ci­onal, é o prin­cipal con­tri­buto para com­bater a po­breza in­fantil.

No en­tanto, o im­pacto dos avanços nos abonos de fa­mília e pré-natal fica ex­presso no facto de o INE apontar os agre­gados fa­mi­li­ares com cri­anças como aqueles que di­mi­nuíram mais o risco de po­breza entre 2014 e 2017, pas­sando de 19,7% para 18,1%, factor in­dis­so­ciável do au­mento, ainda que aquém do ne­ces­sário, dos abonos de fa­mília.

O pro­jecto lei que o PCP en­tregou repõe os es­ca­lões do abono de fa­mília, com vista à sua uni­ver­sa­li­dade:

1. Repõe o pa­ga­mento do 4.º es­calão do abono de fa­mília para cri­anças e jo­vens além dos 36 meses de idade;

2. Repõe ainda o 5.º e 6.º es­calão.

O País pre­cisa, o PCP propõe. Cada par­tido com as­sento par­la­mentar deve cla­ri­ficar e as­sumir as suas po­si­ções sobre estas me­didas, de­ci­sivas para o cum­pri­mento dos di­reitos das cri­anças em Por­tugal. A luta e a in­ter­venção de todos os que de­fendem a uni­ver­sa­li­dade dos di­reitos das cri­anças serão de­ter­mi­nantes para trans­formar estas pro­postas nas res­postas ne­ces­sá­rias.