Sobre o englobamento obrigatório do rendimento das famílias (IRS)

José Lourenço

Este é um pri­meiro passo rumo a uma maior jus­tiça fiscal

Ao con­trário do que diz a nossa Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, en­quanto sobre os ren­di­mentos do tra­balho (sa­lá­rios) e pen­sões que as fa­mí­lias re­cebem in­cidem taxas de IRS pro­gres­sivas, já sobre os ren­di­mentos de ca­pital (juros dos de­pó­sitos a prazo ou di­vi­dendos) os ren­di­mentos pre­diais (ar­ren­da­mento de casas) e ou­tros ren­di­mentos (he­ranças, mais va­lias de vendas de imó­veis ou ou­tras) das fa­mí­lias, in­cidem taxas au­tó­nomas de IRS, também de­sig­nadas como taxas li­be­ra­tó­rias, com um valor que é fixo.

Desta forma, en­quanto os sa­lá­rios e pen­sões são ta­xados com taxas cres­centes, po­dendo atingir essas taxas os 48% para sa­lá­rios su­pe­ri­ores a 80 mil euros, já as taxas au­tó­nomas são por norma de 28%. Ou seja, se no caso dos sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores e das pen­sões dos re­for­mados a taxa de IRS cresce com os sa­lá­rios e pen­sões, já sobre os ren­di­mentos dos juros dos de­pó­sitos, dos di­vi­dendos, do valor das rendas re­ce­bidas pelas fa­mí­lias a taxa que in­cide é única, sendo in­di­fe­rente se este ren­di­mento re­ce­bido é de um euro ou de um mi­lhão de euros.

Como se vê, em termos fis­cais os ren­di­mentos do tra­balho e as pen­sões estão su­jeitos a um tra­ta­mento muito mais des­fa­vo­rável do que os ou­tros ren­di­mentos que as fa­mí­lias podem ter.

Este traço de classe iden­ti­fi­cador do nosso sis­tema fiscal que faz com que os ren­di­mentos do tra­balho e pen­sões sejam tra­tados de forma in­justa, com­pa­ra­ti­va­mente com todos os ou­tros ren­di­mentos das fa­mí­lias, apro­funda-se quando a com­pa­ração que se pre­tende es­ta­be­lecer é entre a fis­ca­li­dade sobre as fa­mí­lias (IRS) e as em­presas (IRC).

En­quanto a taxa média efec­tiva do IRC varia entre 20,1% para um vo­lume de ne­gó­cios até 150 mil euros e os 24,5% para um vo­lume de ne­gó­cios su­pe­ri­ores a 250 mi­lhões de euros, a taxa de tri­bu­tação do IRS, quase na sua to­ta­li­dade re­sul­tante dos ren­di­mentos do tra­balho e pen­sões, é pro­gres­siva e por isso varia entre os 14,5% para ren­di­mentos até cerca de 7 mil euros e os 48% para ren­di­mentos su­pe­ri­ores a 80 mil euros.

Nas úl­timas se­manas e porque o PS, é certo que de forma tí­mida, no seu pro­grama elei­toral afirma o pro­pó­sito de «ca­mi­nhar no sen­tido do en­glo­ba­mento dos di­versos tipos de ren­di­mentos em sede de IRS, eli­mi­nando as di­fe­renças entre taxas», fi­guras da di­reita por­tu­guesa e as­so­ci­a­ções de pro­pri­e­tá­rios de imó­veis, no de­bate de apre­sen­tação do pro­grama do Go­verno e em en­tre­vistas à co­mu­ni­cação so­cial, pro­cu­raram criar alar­mismo entre os por­tu­gueses sobre o im­pacto deste en­glo­ba­mento obri­ga­tório.

Mas não vale a pena lançar po­eira sobre os nossos olhos: o não en­glo­ba­mento de todos os ren­di­mentos das fa­mí­lias para de­ter­mi­nação da taxa de IRS serve apenas os in­te­resses da­queles que sabem que a taxa fixa de 28% que hoje pagam sobre esses ren­di­mentos (de ca­pital, pre­diais e ou­tros) é in­fe­rior à taxa que pa­ga­riam com esse en­glo­ba­mento obri­ga­tório. É tão sim­ples quanto isso.

Mais ainda, e para aqueles que sempre gostam de in­vocar os exem­plos que vêm do es­tran­geiro, vale a pena lem­brar que os ren­di­mentos pre­diais são obri­ga­to­ri­a­mente en­glo­bados na Ale­manha, em Es­panha, em França, na Itália e no Reino Unido.

Desde sempre o PCP tem de­nun­ciado toda esta si­tu­ação, e uma vez mais consta do nosso pro­grama elei­toral às elei­ções le­gis­la­tivas do pas­sado mês de Ou­tubro, a exi­gência da su­bida da taxa de im­posto que in­cide sobre os lu­cros das grandes em­presas e a exi­gência do en­glo­ba­mento obri­ga­tório de todos os ren­di­mentos das fa­mí­lias, sendo que de ime­diato bater-nos-emos na As­sem­bleia da Re­pú­blica para que no pró­ximo Or­ça­mento de Es­tado o im­posto sobre os lu­cros grandes das em­presas (IRC) seja no mí­nimo de 25% e o en­glo­ba­mento de todos os ren­di­mentos das fa­mí­lias seja obri­ga­tório, sempre que o so­ma­tório desses ren­di­mentos seja su­pe­rior a cem mil euros.

Este será o pri­meiro passo rumo a uma maior jus­tiça fiscal no nosso país.




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