Estudantes em luta por um Ensino Superior Público, Gratuito, Democrático e de Qualidade

LUTA No pas­sado dia 27, cen­tenas de es­tu­dantes do En­sino Su­pe­rior es­ti­veram em luta nas ruas de Lisboa. A ma­ni­fes­tação foi o re­sul­tado de uma cam­panha lan­çada um mês pela As­so­ci­ação de Es­tu­dantes da Fa­cul­dade de Ci­ên­cias So­ciais e Hu­manas (AEFCSH) da Uni­ver­si­dade Nova de Lisboa.

«Os es­tu­dantes são a prin­cipal linha de de­fesa do En­sino Su­pe­rior que al­me­jamos»

Ao início da tarde, os es­tu­dantes das vá­rias ins­ti­tui­ções de En­sino Su­pe­rior da ca­pital co­me­çaram por afluir à Praça do Duque de Sal­danha, local mar­cado para o início do pro­testo. Em breve as pa­la­vras de ordem co­me­ça­riam a soar nas ruas da ci­dade e as faixas eram es­ten­didas, re­ve­lando as vá­rias rei­vin­di­ca­ções dos es­tu­dantes que es­ti­veram na origem da con­vo­cação da marcha.

«FCSH – Mais Re­si­dên­cias, Mais In­ves­ti­mento, Mais Alo­ja­mento»; «Es­tu­dantes em Luta, Mais Casas de Banho, Mais Acção So­cial Es­colar, Prato So­cial»; «Fim das Pro­pinas – Por um En­sino Su­pe­rior Pú­blico, De­mo­crá­tico e de Qua­li­dade»; «O ca­len­dário Per­pétuo obriga-me a fazer praia na FLUL [Fa­cul­dade de Le­tras da Uni­ver­si­dade de Lisboa]» – eram al­gumas das pa­la­vras ins­critas nas faixas.

Como elas pró­prias dei­xavam per­ceber, o repto de luta lan­çado pela AEFCSH não se cingiu apenas aos muitos pro­blemas es­tru­tu­rais do En­sino Su­pe­rior. Ao mesmo tempo essas ques­tões eram abor­dadas com o des­taque que me­recem. Os es­tu­dantes e as suas es­tru­turas re­pre­sen­ta­tivas foram in­cen­ti­vados a trazer à dis­cussão os pro­blemas es­pe­cí­ficos sen­tidos em todas e cada uma das ins­ti­tui­ções de en­sino.

A ma­ni­fes­tação saiu da praça e se­guiu o seu per­curso até à Di­recção-geral do En­sino Su­pe­rior (DGES), não muito longe dali. «Mais, mais, mais con­di­ções ma­te­riais»; «Go­verno es­cuta, es­tu­dantes estão em luta»; «Não é, não é, não é só um caso, são mi­lhares de es­tu­dantes com as bolsas em atraso»; «Para a banca vão mi­lhões, para o en­sino só tos­tões», foram ainda al­guns dos motes en­to­ados ao longo do per­curso e na con­cen­tração junto àquela ins­ti­tuição pú­blica.

Uni­dade para re­solver
pro­blemas es­tru­tu­rais

À che­gada à Ave­nida Duque de Ávila, onde está se­diada a DGES, o clamor es­tu­dantil subiu de tom. De­pois de vá­rios mi­nutos de pro­testo em frente àquela en­ti­dade, João Car­valho, di­ri­gente as­so­ci­a­tivo da AEFCSH, leu ao me­ga­fone o co­mu­ni­cado que, um mês antes, con­vocou a acção re­a­li­zada fez ontem uma se­mana.

«O ano lec­tivo 2019/​2020 ini­ciou-se com novos ele­mentos em con­so­nância com al­gumas das rei­vin­di­ca­ções dos es­tu­dantes e da sua luta», afirmou João Car­valho, re­fe­rindo-se à «re­dução do valor da pro­pina no 1.º ciclo para 872 euros, a cri­ação de um plano na­ci­onal de alo­ja­mento e o re­forço do com­ple­mento de alo­ja­mento». Con­tudo, e apesar de estas serem «al­te­ra­ções po­si­tivas», a AEFCSH também re­co­nhece «as suas li­mi­ta­ções face às de­fi­ci­ên­cias es­tru­tu­rais do en­sino». Li­mi­ta­ções estas que não podem ser dis­so­ci­adas do «sub­fi­nan­ci­a­mento cró­nico do En­sino Su­pe­rior por parte do Es­tado», que se tem vindo «a des­res­pon­sa­bi­lizar do seu de­sígnio cons­ti­tu­ci­onal».

Para além do que se rei­vin­di­cava do Go­verno, foi dei­xada uma men­sagem aos es­tu­dantes e aos seus re­pre­sen­tantes no mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo: «a única ga­rantia de uma evo­lução po­si­tiva no que con­cerne a todas a estas ques­tões re­side na nossa [es­tu­dantes] acção». «Sa­li­en­tamos que so­mente a força do mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo e a sua uni­dade pode ser a prin­cipal linha de de­fesa do En­sino Su­pe­rior e ape­lamos a que as de­mais es­tru­turas as­so­ci­a­tivas se unam nesta frente», fi­na­lizou o di­ri­gente as­so­ci­a­tivo.

Pro­testos em todo o País

A ma­ni­fes­tação da úl­tima se­mana não se res­tringiu a Lisboa. Em con­so­nância com o repto de luta lan­çado pela AEFCSH, que ape­lava a que «entre o dia 25 de No­vembro e dia 5 de De­zembro» os es­tu­dantes ti­vessem uma voz e um papel ac­tivo neste pro­cesso, foram vá­rias as res­postas que sur­giram e con­ti­nuam a surgir.

Logo no dia 18 de No­vembro, os es­tu­dantes da Fa­cul­dade de Le­tras da Uni­ver­si­dade de Lisboa (FLUL) con­cen­traram-se à porta da ins­ti­tuição contra o «ca­len­dário per­pétuo» que im­plica a exis­tência de um ter­ceiro «se­mestre», por ano, no pe­ríodo do Verâo. No pas­sado dia 20, os es­tu­dantes da FCSH re­a­li­zaram uma tri­buna pú­blica para es­cla­re­ci­mento dos es­tu­dantes em re­lação à trans­fe­rência das suas ins­ta­la­ções para o pólo de Cam­po­lide.

Para além de todos os abaixo-as­si­nados, cartas-abertas e mo­mentos de luta que se foram re­a­li­zando por todo o País, os es­tu­dantes do En­sino Su­pe­rior do Porto pro­movem hoje às 18 horas uma con­cen­tração no Polo da As­prela. Em Évora, os es­tu­dantes irão en­tregar um abaixo-as­si­nado re­fe­rente às con­di­ções ma­te­riais das suas ins­ta­la­ções.

Uma luta que não vem de agora

Esta não foi a pri­meira vez que os es­tu­dantes, res­pon­dendo aos apelos da AEFCSH e da AE­FLUL, saíram à rua nos tempos mais re­centes. Só nos úl­timos dois anos, entre os vá­rios pro­testos iso­lados, foram vá­rios os mo­mentos de rei­vin­di­cação dos es­tu­dantes do En­sino Su­pe­rior.

Desde logo, a 22 de Março de 2018 e em ce­le­bração do dia Na­ci­onal do Es­tu­dante (24 de Março), data que ce­lebra e re­lembra a forte re­sis­tência dos es­tu­dantes por­tu­gueses contra o fas­cismo. No mesmo ano, a cam­panha do Alo(Já)mento, a 11 de Ou­tubro, também re­sultou em ac­ções de massas nas ruas do País. Por fim, o mês de No­vembro de 2018 ficou mar­cado pela ma­ni­fes­tação «O Fu­turo tem a Corda ao Pes­coço».

Já no ano de 2019, o Dia Na­ci­onal do Es­tu­dante foi no­va­mente ce­le­brado com uma ma­ni­fes­tação na­ci­onal de es­tu­dantes no dia 26 de Março.

Estes foram apenas al­guns dos mo­mentos mais re­centes em que os es­tu­dantes fi­zeram ouvir as suas exi­gên­cias de um me­lhor e mais justo En­sino Su­pe­rior. Nessas oca­siões, como nou­tras, re­cla­maram um maior fi­nan­ci­a­mento do en­sino, da acção so­cial di­recta e in­di­recta; exi­giram a cons­trução de novas re­si­dên­cias e a im­ple­men­tação de po­lí­ticas de alo­ja­mento que atendam às ne­ces­si­dades dos es­tu­dantes; rei­vin­di­caram mais bolsas, cri­té­rios de atri­buição de bolsas mais justos e pro­cessos de atri­buição menos bu­ro­crá­ticos e, con­se­quen­te­mente, mais rá­pidos.

Ao mesmo tempo, ba­teram-se por me­lhores con­di­ções ma­te­riais nas ins­ti­tui­ções de En­sino Su­pe­rior e nas re­si­dên­cias já exis­tentes; pela re­vo­gação da pro­pina; pela re­visão do Re­gime Ju­rí­dico das Ins­ti­tui­ções do En­sino Su­pe­rior; pela fi­xação e re­dução do preço da re­feição so­cial; e por muitas ou­tras ma­té­rias es­sen­ciais ao En­sino Su­pe­rior que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica con­sagra e que urge ga­rantir aos jo­vens por­tu­gueses.

En­sino Su­pe­rior é uma pri­o­ri­dade para o PCP

No Pro­grama Elei­toral que apre­sentou nas Le­gis­la­tivas deste ano, o PCP apre­sentou um con­junto de pro­postas para va­lo­rizar o En­sino Su­pe­rior (ES), «um di­reito de todos que é pre­ciso con­cre­tizar», afir­mava.

No do­cu­mento, aponta-se o dedo à «po­lí­tica de di­reita» – pros­se­guida nos úl­timos anos por PS, PSD e CDS – que «lesou o ca­rácter pú­blico do ES, com­pro­me­tendo a sua qua­li­dade, uni­ver­sa­li­dade, pro­dução ci­en­tí­fica e aca­dé­mica». As crí­ticas es­tendem-se à in­ca­pa­ci­dade do an­te­rior go­verno, do PS, em re­solver efi­caz­mente o pro­blema do «es­tran­gu­la­mento fi­nan­ceiro» deste nível de en­sino, dando como exemplo a Lei do Fi­nan­ci­a­mento, a li­mi­tada Acção So­cial Es­colar, o re­gime fun­da­ci­onal, a ine­xis­tência de uma ver­da­deira gestão de­mo­crá­tica das ins­ti­tui­ções de ES e a cla­mo­rosa pre­ca­ri­e­dade que afecta os tra­ba­lha­dores.

«O Pro­grama de Re­gu­la­ri­zação Ex­tra­or­di­nária de Vín­culos Pre­cá­rios na Ad­mi­nis­tração Pú­blica (PREVPAP) en­frenta blo­queios que têm im­pe­dido a sua con­cre­ti­zação nos do­centes, in­ves­ti­ga­dores e tra­ba­lha­dores não do­centes», re­corda-se no Pro­grama Elei­toral, que, sem es­quecer os «passos dados», de­fende: «Só a gra­tui­ti­dade e o de­vido re­forço da Acção So­cial Es­colar e do in­ves­ti­mento podem ga­rantir o acesso e frequência de todos aos mais ele­vados graus de en­sino».

Pro­postas con­cretas

São pro­postas do PCP:

«In­verter o ciclo de sub­fi­nan­ci­a­mento do En­sino Su­pe­rior pú­blico, através de nova Lei do Fi­nan­ci­a­mento, ga­ran­tindo às ins­ti­tui­ções de en­sino e in­ves­ti­gação o or­ça­mento ne­ces­sário ao de­sen­vol­vi­mento das suas ac­ti­vi­dades», «con­sa­grar o fim do pa­ga­mento de pro­pinas para todos os graus aca­dé­micos» e «as­se­gurar, si­mul­ta­ne­a­mente, a exis­tência das con­di­ções ma­te­riais e hu­manas ade­quadas ao fun­ci­o­na­mento das ins­ti­tui­ções», são pro­postas do PCP.

Si­mul­ta­ne­a­mente, afirma-se a ne­ces­si­dade de «de­fender o ca­rácter uni­tário do Sis­tema de ES Pú­blico com so­lu­ções or­ga­ni­za­tivas di­fe­ren­ci­adas e âm­bitos de in­ter­venção pe­da­gó­gica di­versos, sem pre­juízo das di­fe­rentes mis­sões do Uni­ver­si­tário e Po­li­téc­nico», «re­vogar o Re­gime Ju­rí­dico das Ins­ti­tui­ções do ES (RJIES)», «ga­rantir um quadro legal que va­lo­rize o papel do ES Pú­blico no de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, so­cial» e «re­vogar o Re­gime Fun­da­ci­onal nas Ins­ti­tui­ções de ES».

No Pro­grama Elei­toral do Par­tido re­clama-se, também, a con­sa­gração de «uma ver­da­deira gestão de­mo­crá­tica das ins­ti­tui­ções de ES Pú­blico», ga­ran­tindo a sua «par­ti­ci­pação» de acordo com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica e «en­vol­vendo do­centes, in­ves­ti­ga­dores, es­tu­dantes e fun­ci­o­ná­rios».

Com os es­tu­dantes e os tra­ba­lha­dores

Ou­tras das me­didas avan­çadas passam por com­bater «todas as formas de pre­ca­ri­e­dade, pro­ce­dendo à in­te­gração de todos os tra­ba­lha­dores que su­prem ne­ces­si­dades per­ma­nentes, mas mantém vín­culo la­boral pre­cário, ou sim­ples­mente bolsa» e «as­se­gurar o res­peito pelas car­reiras dos tra­ba­lha­dores das ins­ti­tui­ções de ES, de­sig­na­da­mente do di­reito à pro­gressão».

Des­taque ainda para o «re­forço da Acção So­cial Es­colar di­recta, através do au­mento do valor das bolsas de es­tudo e no nú­mero de es­tu­dantes ele­gí­veis», bem como da «Acção So­cial in­di­recta, com a trans­fe­rência do fi­nan­ci­a­mento pú­blico ade­quado às uni­ver­si­dades e po­li­téc­nicos para as­se­gurar ser­viços de ali­men­tação, alo­ja­mento, trans­portes e apoio mé­dico de qua­li­dade». Apoios ade­quados a es­tu­dantes com ne­ces­si­dades edu­ca­tivas es­pe­ciais é outra das exi­gên­cias.

Por fim, o PCP propõe «pro­mover um amplo de­bate na­ci­onal sobre a dis­tri­buição ge­o­grá­fica das ins­ti­tui­ções de ES Pú­blico, com ofertas for­ma­tivas di­ver­si­fi­cadas, pri­vi­le­gi­ando uma efec­tiva rede pú­blica, as­se­gu­rando que ne­nhuma ins­ti­tuição pú­blica seja en­cer­rada» e «re­forçar a rede de cen­tros de in­ves­ti­gação, cri­ando as con­di­ções para a plena in­te­gração dos ins­ti­tutos po­li­téc­nicos no sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal».




Mais artigos de: Em Foco

Valorização dos salários para um País justo e desenvolvido

TRA­BALHO O au­mento geral dos sa­lá­rios, e do sa­lário mí­nimo na­ci­onal para 850 euros, cons­titui para o PCP uma «emer­gência na­ci­onal» para com­bater a ex­plo­ração, a po­breza e as de­si­gual­dades e di­na­mizar a eco­nomia. A luta dos tra­ba­lha­dores e a ini­ci­a­tiva do PCP são a chave para a sua con­cre­ti­zação.