Pescas: do abandono que temos ao desenvolvimento que queremos
ECONOMIA Portugal, com 943 quilómetros de costa continental, possui uma situação geográfica que potencia um forte desenvolvimento do sector da pesca. Sendo o terceiro país do mundo que mais peixe per capita consome, uma parte significativa do consumo resulta de importações, face a uma redução nas capturas de quase 25 por cento desde 2008. O défice da balança comercial de produtos da pesca é superior a 1082 milhões de euros, tendo crescido quase 55 por cento na última década.
O sector da pesca é fundamental para assegurar a soberania alimentar do País
Contrariamente ao desejado, o que se assiste é a um declínio do sector, com o abandono do seu exercício por muitos dos profissionais, com uma redução de cerca de 730 embarcações da frota de pesca (8,5 por cento) na última década. Para esta situação convergem diversos condicionamentos, com uma parte significativa a resultar da subalternização aceite por sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP nas negociações no âmbito da Política Comum de Pescas e pela sua falta de vontade política em investir neste importante sector.
Este «abandono» também fica patente ao analisar-se o histórico da actividade da Docapesca no que se refere a investimentos nas infra-estruturas que lhe estão acometidas. Se, em 2008, o valor de investimento concretizado atingiu mais de cinco milhões de euros, já em 2018, de quase 7,7 milhões de euros orçamentados, apenas foram executados cerca de 3,3 milhões de euros. Num cenário em que é necessário e urgente proceder a intervenções em múltiplas infra-estruturas de portos e lotas nacionais, de que são exemplo Olhão, Peniche e Esposende, para já não falar das obras de menor alcance necessárias em muitos postos de vendagem de pescado, este quadro mostra bem as más opções postas em prática.
Ainda ao nível das intervenções destaca-se a necessidade de realizar um conjunto de obras de dragagem para garantir a segurança da navegabilidade das barras, em que o caso de Esposende é dos mais gravosos. Os governos referidos tardam em resolver este problema, continuando em falta criar uma verdadeira política de dragagens e, sobretudo, uma planificação das mesmas, que previna a degradação de portos e barras.
O PCP apresentou já por diversas vezes, em Orçamento do Estado, a proposta de criação de uma Empresa Nacional de Dragagens que poderia responder às necessidades identificadas, mas PS, PSD e CDS-PP sempre rejeitaram. É urgente e necessário que o Orçamento do Estado preveja verbas suficientes para dar resposta a estas intervenções.
Falta de apoios
contribui para o abandono
Falta investimento nas infra-estruturas e, uma vez mais, numa atitude de completa subserviência em relação à UE, faltam os apoios à modernização da frota de pesca. Com a idade média das embarcações a cifrar-se em mais de 30 anos, é vital que se invista na sua revitalização, melhorando a eficiência energética, a segurança e condições de trabalho dos profissionais e as condições de manutenção do pescado a bordo. Também nesta matéria muitas são as desculpas do Governo para não apoiar o sector, não acompanhando as propostas que o PCP tem apresentado na Assembleia da República, com vista à renovação da frota de pesca.
Não menos condicionantes são as determinações aceites no âmbito da gestão dos recursos piscatórios, com destaque para as dificuldades que têm vivido os pescadores do cerco, mercê das restrições impostas quanto à possibilidade de captura do recurso sardinha, indo em contra-ciclo com as conclusões resultantes dos cruzeiros científicos para avaliação do estado dos recursos marinhos e com as evidências verificadas pelos profissionais da pesca.
A posição que o Governo Português tem tomado quanto à sardinha, aceitando as exigências determinadas pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM), demonstra bem a submissão à UE. Prefere prejudicar os pescadores nacionais, mesmo numa questão em que tem a última palavra.
A regulamentação da possibilidade de captura de sardinha em 2019 traduziu-se na paragem da sua pesca por 7,5 meses durante 2019, permitindo a actividade em apenas 4,5 meses por ano, com as dificuldades que um regime com estas características impõe aos profissionais do cerco, pondo em causa a sua sobrevivência e das suas famílias, já que não são garantidos os apoios devidos.
Precariedade e segurança
A intermitência do exercício da actividade não acompanhada pelos apoios no âmbito da salvaguarda de rendimentos e a vigência de regimes de protecção social insuficientes e desadaptados à realidade do sector da pesca promovem o abandono da actividade, dificultam a captação de novos efectivos que venham determinar novas dinâmicas e favorecem o perpetuar da precariedade laboral. E, neste âmbito, não se pode deixar de referir que o novo Regime Jurídico da Actividade Profissional dos Marítimos, que em contra-ciclo ao disposto para o conjunto de marinhagem, elimina todas as categorias referentes a marinheiros de 2.ª, criando a categoria de «marinheiro» praticante. A criação desta categoria será mais uma forma de introdução e manutenção da precariedade laboral para os trabalhadores da pesca, colocando também questões sérias de segurança quer para os próprios quer para os restantes trabalhadores embarcados.
Sendo muitos os constrangimentos sentidos neste sector, e sendo longo o caminho que será necessário percorrer para dignificar a pesca, será certo que o PCP não deixará de continuar a intervir e a defender estes profissionais e o direito de Portugal à sua soberania alimentar.