Lições que a luta nos dá

João Frazão

Os tra­ba­lha­dores re­sis­tiram co­ra­jo­sa­mente à ten­ta­tiva de alar­ga­mento do ho­rário de tra­balho

O Avante! já nos trouxe a no­tícia da luta desses bravos ope­rá­rios do Grupo Fre­de­rico For­tu­nato, Lda, com fá­bricas em Gui­ma­rães e Pa­redes de Coura, que pro­duzem, entre ou­tras, as marcas de cal­çado Kyaia e Fo­reva.

A em­presa onde, ao longo de dé­cadas, os tra­ba­lha­dores fa­ziam uma pe­quena pausa junto à sua má­quina para comer um lanche a meio da manhã e da tarde de­cidiu, uni­la­te­ral­mente, impor duas pausas de 10 mi­nutos, des­li­gando a energia eléc­trica nesses pe­ríodos, alar­gando ao mesmo tempo o ho­rário de tra­balho ao fim do dia, em 20 mi­nutos diá­rios, mu­dando o ho­rário de saída das 17h00 para as 17h20 e das 17h30 para as 17h50.

À ten­ta­tiva de im­po­sição re­a­giram os tra­ba­lha­dores, sob a di­recção do seu sin­di­cato de classe e da Fe­de­ração do Sector, a FE­SETE, de­ci­dindo re­cusar este au­mento do ho­rário do tra­balho, con­ti­nu­ando a cum­prir o ho­rário que ti­nham, al­guns, há dé­cadas.

Trata-se de uma de­cisão co­ra­josa. Às 10h00, e também da parte da tarde, ainda que a ad­mi­nis­tração des­ligue as má­quinas, ainda que des­ligue as luzes, mesmo que as che­fias se po­si­ci­onem na linha de mon­tagem in­sis­tindo para que os tra­ba­lha­dores saiam do seu posto de tra­balho, os tra­ba­lha­dores mantém-se ali e, às 17h00, em Gui­ma­rães, e às 17h30, em Pa­redes de Coura, largam o seu tra­balho.

Luta que os tra­ba­lha­dores es­ten­deram à rua com ma­ni­fes­ta­ções na­quelas duas lo­ca­li­dades.

Li­ções a reter

Este exemplo deixa-nos cinco li­ções fun­da­men­tais que que­remos des­tacar aqui.

1. O ca­pital não tem li­mites na sua gula.

A sua na­tu­reza ex­plo­ra­dora não tem fim. Num sector com sa­lá­rios muito baixos (a es­ma­ga­dora mai­oria dos tra­ba­lha­dores re­cebe apenas al­guns euros acima do sa­lário mí­nimo na­ci­onal, em grande me­dida por res­pon­sa­bi­li­dade do pa­trão deste grupo que teve fortes res­pon­sa­bi­li­dades na as­so­ci­ação pa­tronal do sector), com ritmos de tra­balho muito ele­vados, pro­du­zindo hoje, com me­tade dos tra­ba­lha­dores, o mesmo que há uma de­zena de anos, o pa­tro­nato pro­cura sempre agravar a ex­plo­ração, neste caso por via do au­mento do ho­rário de tra­balho.

2. A luta nunca morre.

Es­tamos a falar de tra­ba­lha­dores in­se­ridos num sector, o Têxtil, Ves­tuário e Cal­çado, com fortes tra­di­ções de luta, de­sig­na­da­mente pelo ho­rário má­ximo se­manal de 40 horas. A partir de ata­ques aos seus di­reitos con­cretos, a ques­tões que sentem di­rec­ta­mente, tal como acon­teceu na ten­ta­tiva de re­tirar o fe­riado de car­naval e ou­tros di­reitos aos tra­ba­lha­dores têx­teis, de novo os tra­ba­lha­dores se le­van­taram, se uniram e estão na luta.

3. A luta de classes está bem viva.

De­pois de dé­cadas a ou­virmos dizer que a luta de classes deixou de fazer sen­tido, aqui nos apa­rece mais um epi­sódio, par­ti­cu­lar­mente vi­o­lento, dessa mesma luta, opondo os dois pólos an­ta­gó­nicos em torno de in­te­resses que são in­con­ci­liá­veis.

4. Mo­vi­mento sin­dical de classe e de con­fi­ança.

Neste pro­cesso ficou claro que o Mo­vi­mento Sin­dical Uni­tário con­tinua a ser o ponto de apoio se­guro para os tra­ba­lha­dores na de­fesa dos seus di­reitos e uma vez mais o MSU res­pondeu, di­na­mi­zando a luta.

5. Li­gação às massas é es­sen­cial.

No nosso tra­balho pre­ci­samos de ter uma atenção muito fina aos sen­ti­mentos dos tra­ba­lha­dores e à sua dis­po­ni­bi­li­dade para lutar. Face à dura re­a­li­dade em que con­vergem baixos sa­lá­rios, ritmos de tra­balho in­tensos e re­pressão pa­tronal, podem estar la­tentes sen­ti­mentos de re­volta e de dis­po­ni­bi­li­dade para a luta que é in­dis­pen­sável po­ten­ciar.

A questão, como sempre, é a de, a partir da acção das or­ga­ni­za­ções do Par­tido e do Mo­vi­mento Sin­dical Uni­tário, apre­en­dermos o sen­ti­mento e po­ten­ciar a acção rei­vin­di­ca­tiva.




Mais artigos de: Argumentos

O levantamento operário de 18 de Janeiro de 1934

A primeira metade dos anos 30 do século XX foi, em Portugal, um tempo de chumbo. A ditadura militar instaurada com o golpe de 28 de Maio de 1926 cedo começou a dar lugar ao fascismo. À supressão das liberdades e direitos fundamentais – associação, reunião, manifestação, greve, imprensa, etc. –...

Eles, isto é, nós

O mais recente «Fronteiras XXI» aplicou-se a falar dos velhos, e como seria de esperar, foi um programa cheio de bons sentimentos e de excelentes palavras para com os que já viveram um punhado de anos e em princípio já estão à espera de que essa sua experiência termine. Ainda assim, porém, porque até nas circunstâncias...