Arquitectos, arquitectura

Manuel Augusto Araújo

É hoje muito di­fícil a si­tu­ação pro­fis­si­onal dos jo­vens ar­qui­tectos

A Ordem dos Ar­qui­tectos (OA), co­me­mo­rando os vinte anos de exis­tência, ho­me­na­geou os seus mem­bros que a par do seu tra­balho de­sen­vol­veram ac­ti­vi­dade as­so­ci­a­tiva nos úl­timos cin­quenta anos de­fen­dendo, es­ti­mu­lando, dig­ni­fi­cando a ar­qui­tec­tura por­tu­guesa. É uma ex­tensa lista (*) com nomes co­nhe­cidos como Siza Vi­eira, Silva Dias, Carlos Roxo, Alves da Costa, Bar­to­lomeu Costa Ca­bral, José Ra­fael Bo­telho, Ro­sário Ve­nade, Fran­cisco Keil do Amaral, nomes que se ali­nham sem outra in­tenção que não seja de os re­ferir para co­locar em re­levo os muitos ou­tros, al­guns quase ano­ni­ma­mente, que con­tri­buíram de­ci­si­va­mente para que a pro­fissão de ar­qui­tecto ad­qui­risse es­ta­tuto e com os seus pro­jectos al­te­rassem pro­fun­da­mente a sua pai­sagem por­tu­guesa.

Jus­tís­sima ho­me­nagem que se faz num mo­mento par­ti­cu­lar­nente dí­ficil para a pro­fissão de ar­qui­tecto em Por­tugal, so­bre­tudo para as ge­ra­ções mais novas, o que de­veria ser a pre­o­cu­pação pri­meira da OA.

A União Eu­ro­peia em nome da livre con­cor­rência des­re­gulou com­ple­ta­mente o mer­cado da ar­qui­tec­tura anu­lando as ta­belas de ho­no­rá­rios que nal­guns países vi­go­ravam. Em Por­tugal, uma das con­quistas dos ar­qui­tectos, a par do que acon­tecia nou­tros países, foi a Ta­bela dos Ho­no­rá­rios que re­co­nhecia a im­por­tância do ar­qui­tecto para um qua­li­fi­cado am­bi­ente cons­truído. Uma luta pelo re­co­nhe­ci­mento da pro­fissão de ar­qui­tecto mas também uma luta po­lí­tica e so­cial em que se em­pe­nharam os ar­qui­tectos agora ho­me­na­ge­ados e que, no con­texto po­lí­tico que então se vivia, con­se­guiram impor um con­trato so­cial sem, no en­tanto, obter o re­co­nhe­ci­mento da ex­clu­si­vi­dade dos ar­qui­tectos na au­toria dos pro­jectos ar­qui­tec­tó­nicos, si­tu­ação anó­mala que a As­sem­bleia da Re­pú­blica em 2009, com al­gumas con­di­ci­o­nantes, man­teve.

Com o fim da Ta­bela dos Ho­no­rá­rios em 1990, que já es­tava a ser sub­ver­tida, a des­re­gu­lação foi im­posta por en­ti­dades supra-na­ci­o­nais Or­ga­ni­zação Mun­dial do Co­mércio, Co­missão Eu­ro­peia, em nome da li­ber­dade de con­cor­rência. É a con­sequência do ca­pi­ta­lista ne­o­li­beral em que se vende a ideia de que a li­ber­dade do mer­cado seria mais igua­li­tária quando não há nada mais de­si­gual do que o tra­ta­mento igual entre de­si­guais, sub­ver­tendo o prin­cípio de os ser­viços de ar­qui­tec­tura terem por base a qua­li­dade e não o preço, mesmo que não só in­de­xados ao valor dos me­tros qua­drados cons­truídos porque os ar­qui­tectos têm saber e com­pe­tên­cias que não podem ser ex­clu­si­va­mente me­didos pelas vo­lu­me­trias.

A si­tu­ação em Por­tugal é par­ti­cu­lar­mente grave para as novas ge­ra­ções de ar­qui­tectos em que a mai­oria di­fi­cil­mente atinge os mil euros/​mês, tra­ba­lham em con­di­ções pre­cá­rias muitas vezes sobre-ex­plo­rados para so­bre­vi­verem. A isso não é alheio o fraco in­ves­ti­mento do Es­tado por­tu­guês em obras pú­blicas, na cauda da Eu­ropa muito aquém da média eu­ro­peia, de­mi­tindo-se de or­ga­nizar ou obrigar a or­ga­nizar con­cursos pú­blicos abertos, como é o caso da re­a­bi­li­tação e co­mer­ci­a­li­zação dos mo­nu­mentos na­ci­o­nais, para dar opor­tu­ni­dades a todos os ar­qui­tectos e dar-lhes es­paço para exer­cerem os seus co­nhe­ci­mentos nos es­paços ur­banos.

Uma si­tu­ação que de­veria estar na pri­meira linha das pre­o­cu­pa­ções da OA bem como a de­fi­nição de in­tro­duzir ou­tros pa­râ­me­tros de re­gu­lação nos ho­no­rá­rios, porque a ar­qui­tec­tura não se li­mita à cons­trução de edi­fí­cios, in­de­pen­den­te­mente do re­co­nhe­ci­mento da qua­li­dade dos in­ter­ve­ni­entes que, muitas vezes, cau­ciona a au­sência de dis­cussão dos pro­jectos no es­paço pú­blico, um ter­ri­tório de que a OA não pode nem se deve au­sentar.

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(*)https://​www.ar­qui­tectos.pt/​do­cu­mentos/​1562600573S0­qUO1yi5Qd49EB1.pdf



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