31 de Janeiro de 2020

João Ferreira

Sexta-feira, dia 31 de Ja­neiro, (na au­sência de uma im­pro­vável sur­presa de úl­tima hora) o Reino Unido sairá da União Eu­ro­peia.

Este é um acon­te­ci­mento his­tó­rico, de um enorme sig­ni­fi­cado po­lí­tico. Pela pri­meira vez, nos mais de se­tenta anos que leva o pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu, um Es­tado-Membro sai da União Eu­ro­peia. Fá-lo de­pois de uma con­sulta ao seu povo, que re­gistou a mais ele­vada afluência às urnas de sempre.

Muito se es­creveu e muito se disse sobre os sen­ti­mentos e mo­ti­va­ções que di­taram este des­fecho. Cer­ta­mente que terão con­fluído neste re­sul­tado mo­ti­va­ções e sen­ti­mentos di­versos, até con­tra­di­tó­rios. Mas será se­guro afirmar que, mesmo com mo­ti­va­ções con­tra­di­tó­rias, esta saída re­sulta de um de­sejo de rup­tura, que su­cede a uma pro­funda in­sa­tis­fação.

Ao sen­ti­mento di­fuso de que os povos foram es­po­li­ados de ins­tru­mentos es­sen­ciais para de­ter­minar os seus des­tinos, so­bre­veio a von­tade de re­cu­perar o con­trolo sobre tais ins­tru­mentos e sobre de­ci­sões fun­da­men­tais que afetam as suas vidas.

As re­per­cus­sões são po­ten­ci­al­mente tre­mendas, mor­mente num quadro de crise per­sis­tente da in­te­gração ca­pi­ta­lista. Por essa razão, os que mandam na União Eu­ro­peia tentam lavar-lhe a cara, dar-lhe a apa­rência de­mo­crá­tica que a sua es­sência lhe nega; pro­curam con­ferir-lhe uma le­gi­ti­mi­dade que a von­tade dos povos não au­to­riza. O pro­cesso em torno da cha­mada «con­fe­rência sobre o fu­turo da Eu­ropa» é disso exemplo.

En­tre­tanto, as con­tra­di­ções no campo dos que pro­mo­veram a saída e, par­ti­cu­lar­mente, a ac­tual re­lação de forças so­ciais e po­lí­ticas no Reino Unido, jus­ti­ficam um prog­nós­tico re­ser­vado quanto aos tempos que se avi­zi­nham. Foi esta re­lação de forças que de­ter­minou o con­teúdo do acordo de saída e que irá de­ter­minar, em parte, o quadro de re­la­ções fu­turas entre o Reino Unido e a UE. Um e outro podem li­mitar o al­cance da de­cisão de saída. Podem con­tri­buir para frus­trar ex­pec­ta­tivas, per­mi­tindo que a saída seja uti­li­zada não a favor dos in­te­resses do povo, avan­çando por ca­mi­nhos que os tra­tados e a le­gis­lação da UE cons­trangem, mas sim a favor da classe do­mi­nante bri­tâ­nica (ou de certos se­tores da classe do­mi­nante), apro­vei­tando o novo quadro de re­lação com a UE, mais aber­ta­mente con­cor­ren­cial, para forçar me­didas agra­vadas de des­re­gu­la­men­tação, no plano so­cial e la­boral, e agravar a ex­plo­ração.

A si­tu­ação atual, com­pre­en­si­vel­mente, in­quieta não apenas mi­lhões de tra­ba­lha­dores bri­tâ­nicos, mas igual­mente a ex­tensa co­mu­ni­dade imi­grante no país, entre a qual se contam cerca de 400 mil por­tu­gueses.

O acordo de saída, pre­vendo a apli­cação tran­si­tória da le­gis­lação da UE no que res­peita aos di­reitos dos ci­da­dãos dos Es­tados-Mem­bros que vivem, tra­ba­lham e es­tudam no Reino Unido, não ga­rante a in­te­gra­li­dade dos di­reitos so­ciais e la­bo­rais de que estes ci­da­dãos de­ve­riam gozar. O acervo da UE é in­su­fi­ci­ente. Mi­ni­ma­lista. Torna-se ne­ces­sário que, no plano das ne­go­ci­a­ções que pros­se­guem, e so­bre­tudo no plano das re­la­ções bi­la­te­rais entre Por­tugal e o Reino Unido, se criem con­di­ções para apro­fundar a sal­va­guarda dos di­reitos da co­mu­ni­dade emi­grante por­tu­guesa.




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