O trabalho

Filipe Diniz

Os media estão cheios das duas crises: a cau­sada pela pan­demia e a crise eco­nó­mica que esta ace­lera. Tem sido su­bli­nhada a apa­rente cam­ba­lhota de muitos ne­o­li­be­rais: de re­pente o «mer­cado» não re­solve tudo; o «Es­tado» (o dito «so­cial», porque com ou­tras fun­ções do Es­tado nunca se sen­tiram mal) tem de se chegar à frente; as “na­ci­o­na­li­za­ções” podem fazer sen­tido (tran­si­to­ri­a­mente, para so­ci­a­lizar pre­juízos).

O que não muda é a busca ca­pi­ta­lista da ma­xi­mi­zação do lucro, que des­locou a pri­o­ri­dade da eco­nomia real para a es­pe­cu­lação, no­me­a­da­mente a bol­sista. Se há sec­tores in­teiros a ca­minho do co­lapso, a in­dús­tria far­ma­cêu­tica es­frega as mãos. Um alerta re­cente (https://​www.the-sci­en­tist.com/​news-opi­nion/​opi­nion-stop-pri­vate-spe­cu­la­tion-in-covid-19-re­se­arch-67309) apon­tava que «há em­presas pri­vadas que todos os dias anun­ciam a imi­nência de des­co­berta da va­cina e que dessa forma vêem ex­plodir o valor das suas ac­ções. Há ou­tras em­presas que dis­põem já de co­nhe­ci­mento que seria útil no com­bate à pan­demia, mas estão à es­pera de o dis­po­ni­bi­lizar a quem dê mais». O ca­pital lucra sobre a he­ca­tombe.

Outra coisa também não muda, e está agora tão vi­sível que bas­tará apenas dar-lhe nome. O pro­blema eco­nó­mico real é o da sus­pensão mas­siva do tra­balho hu­mano, cri­ador de toda a ri­queza. O que Marx des­creve em O Ca­pital como «[…] dom na­tural da força de tra­balho ac­tu­ante, do tra­balho vivo, con­servar valor ao acres­centar valor, um dom na­tural que nada custa ao ope­rário, mas que muito traz ao ca­pi­ta­lista […]». A pan­demia deu um novo des­taque à cen­tra­li­dade do tra­balho na so­ci­e­dade hu­mana. O tra­balho de todos os que com­batem a do­ença e mantêm o nível de so­bre­vi­vência da ac­ti­vi­dade so­cial. O tra­balho de todos os que pro­duzem, sem o qual não ha­verá saída. De pre­fe­rência, sem a es­pe­cu­lação nem o ca­pital.




Mais artigos de: Opinião

O Covid 19 e os herdeiros de Malthus

No plano ideológico e político, persistem aqui e agora, relativamente à epidemia de Covid 19, teses que são herdeiras das que, já no Século XVIII, expressavam os interesses mais retrógrados das classes dominantes. Malthus, economista e clérigo anglicano, deu corpo em 1798 à tese de que um mundo «inevitavelmente» famélico...

315 mil

O Público titula hoje, 31 de Março, a sua primeira página com a afirmação de que «há 315 mil recibos verdes em risco de ficar sem apoio em Abril». O Público, referindo-se, e bem, a uma parte da precariedade em Portugal, mostra a habilidadezinha do Governo, de disponibilizar os formulários para as candidaturas a apoios...

Aos que virão a nascer

O dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht escreveu nas primeiras décadas do século XX um poema intitulado Aos que virão a nascer,no qual se dirigia aos que, um dia, viveriam (viverão!!) numa sociedade em que o homem possa ajudar o homem. Contando-lhes os tempos sombrios de guerra, opressão e miséria, mas também de...

Há décadas em que nada acontece e semanas em que décadas acontecem

Em De­zembro nin­guém co­nhecia a COVID-19. Já o mesmo não se pode dizer da pos­si­bi­li­dade de sur­gi­mento de uma nova pan­demia e da ne­ces­si­dade de tomar me­didas pre­ven­tivas no plano mun­dial. Os alertas da co­mu­ni­dade ci­en­tí­fica, re­pe­tidos du­rante dé­cadas, en­car­re­garam-se disso. Como al­guém disse, há dé­cadas em que nada acon­tece e se­manas em que dé­cadas acon­tecem.

Não, não há tréguas

Ao contrário do que pretendem certas linhas da ideologia dominante, o combate ao surto de COVID-19 não se faz abdicando de direitos e liberdades fundamentais, nem põe entre parênteses a luta de classes. Isto é verdade tanto no plano nacional (nomeadamente com a vaga de despedimentos que o PCP não se cansa de denunciar),...