A ausência de Chicão
O seu nome não é Chicão, bem se sabe, mas sim Francisco Rodrigues dos Santos, sendo que a coincidência dos seus apelidos com os do funcionário da RTP que tem o especial mau gosto de nos piscar o olho decorre de mera coincidência: Chicão é o carinhoso diminutivo (ou aumentativo?) que familiares e amigos do novo líder do CDS-PP lhe dão. Ora acontece que Chicão, recentemente chegado às manchetes da imprensa escrita, falada ou audiovisual, nelas alcançou agora um peculiar destaque ao anunciar que não estará presente na sessão da Assembleia da República em que será evocado e naturalmente aplaudido o 25 de Abril de 74, isto é, o derrube da ditadura fascista e o final de todos os seus crimes. Tanto quanto parece depreender-se das declarações de Chicão, o motivo da sua ausência será o respeito pelos cuidados de distanciamento que o governo vem recomendando, e talvez muito se deva apreciar esta atitude de acatamento. Ainda assim, porém, não é de crer que os deputados que estarão presentes no hemiciclo sejam uns tendenciais rebeldes perante bons e prudentes conselhos em geral e, em especial, o do distanciamento preconizado em tempos de coronavírus. Ninguém saberá quantos dos que ali estejam irão sentir algum aperto de coração ao lembrarem-se de que o vírus poderá estar ali ao lado, a pouco mais de um metro de distância. Mas não espanta que um deputado deva ter uma boa dose de coragem em qualquer circunstância.
Mais contagiante
Há, porém, quem não atribua a ausência de Chicão e porventura de outros parlamentares a qualquer dose de temor, mas antes a um sentimento mais forte, o da aversão à data celebrada: o 25 de Abril cheira não apenas a cravo (vermelho!) mas também e sobretudo ao fim do lusofascismo que durante longuíssimo período mandou em Portugal. Assim, não é absurdo supor, porventura facilmente adivinhar, que a data tenha em muitas cabecinhas uma ressonância negativa: na altura em que as coisas pareciam ir tão bem, com Marcelo Caetano como ditador «soft» e os comunistas e similares continuando a ser adequadamente perseguidos e espancados nas prisões, Abril chegou estragando a primaveril «evolução na continuidade». Bem se entende, pois, que a muitos desagrade a incómoda formalidade de participar na celebração do 25, para mais na AR: Chicão não vai lá estar, e até podemos supô-lo fechado em casa, de janelas trancadas para que por elas não entre o barulho das ruas onde o povão aclamará Abril. Podemos até adivinhar que, mesmo com tais ou equiparáveis providências, o 25 será um dia incómodo para Chicão. Pior seria decerto se vivido na AR. Porque a alegria de lembrar Abril pode ser mais contagiante que o temido vírus, e mais amplamente partilhada. Até na Assembleia da República. Chicão não terá querido enfrentar esse incómodo.