África, pandemia e desafios actuais

Carlos Lopes Pereira

De quase todo o mundo chegam nú­meros avas­sa­la­dores. No plano sa­ni­tário, a pan­demia de COVID-19 pro­vocou já quatro mi­lhões e du­zentos mil in­fec­tados e quase 300 mil mortos em 195 países e ter­ri­tó­rios, ha­vendo cerca de um mi­lhão e meio de pes­soas con­si­de­radas re­cu­pe­radas da do­ença.

A Or­ga­ni­zação Mun­dial da Saúde e re­pu­tados es­pe­ci­a­listas alertam que ainda não há tra­ta­mento eficaz e que a des­co­berta de uma va­cina vai de­morar, pelo que in­sistem em cau­telas na fase de «des­con­fi­na­mento» ini­ciada em países da Ásia, da Eu­ropa, da Amé­rica, apesar de al­guns deles con­ti­nu­arem a ser du­ra­mente fla­ge­lados pela pan­demia.

A nível eco­nó­mico, anuncia-se uma re­cessão pro­funda e, desde já, nos países mais ricos, há mi­lhões de novos de­sem­pre­gados, ma­no­bras para fazer re­gredir di­reitos dos tra­ba­lha­dores, au­mento da po­breza e, a par disso, in­di­ca­dores que os mais ricos do pla­neta en­ri­que­ceram nestes úl­timos meses. Sinal de que a COVID-19 é «as­si­mé­trica» e pro­voca, se nada for feito em con­trário, mai­ores de­si­gual­dades.

Em África, onde a pan­demia ainda não atingiu o seu pico e os países mais atin­gidos são África do Sul, Egipto, Ar­gélia e Mar­rocos, foram re­gis­tados quase 70 mil casos, com cerca de 2400 mortes e 24 mil do­entes re­cu­pe­rados.

Mas há grandes pre­o­cu­pa­ções: os sis­temas pú­blicos de saúde são frá­geis, sub­sistem ou­tras do­enças como a SIDA, tu­ber­cu­lose ou ma­lária que podem agravar a emer­gência sa­ni­tária, pros­se­guem ou in­ten­si­ficam-se con­flitos ar­mados em di­fe­rentes zonas do con­ti­nente (do Sahel à So­mália, da Líbia à Ni­géria). Em sen­tido con­trário, são apon­tadas como po­si­tivas em África a sua «de­mo­grafia única no mundo», com uma média de idades à volta dos 19 anos, a «re­si­li­ência na­tural» dos seus ha­bi­tantes e as con­di­ções cli­má­ticas.

Na eco­nomia con­ti­nental, já se fazem sentir as con­sequên­cias da pan­demia. A Co­missão Eco­nó­mica das Na­ções Unidas para África (Uneca) anun­ciou em Adis Abeba que o acordo de livre co­mércio, cuja en­trada em vigor es­tava pre­vista para Julho, foi adiado para Ja­neiro de 2021. Tra­tava-se «apenas» de criar o maior mer­cado do mundo, com um PIB acu­mu­lado de cerca de dois bi­liões de euros, se­gundo es­ti­ma­tivas an­te­ri­ores ao ac­tual surto pan­dé­mico.

E emerge a questão da dí­vida pú­blica dos países afri­canos, aliás im­pa­gável – um pro­blema an­tigo que li­mita a so­be­rania na­ci­onal, im­pede o de­sen­vol­vi­mento e au­menta a de­pen­dência –, que voltou à agenda pela ne­ces­si­dade óbvia de os Es­tados li­ber­tarem mais re­cursos para o com­bate à COVID-19.

Hoje pro­fessor da Uni­ver­si­dade da Ci­dade do Cabo, na África do Sul, Carlos Lopes, que foi alto fun­ci­o­nário das Na­ções Unidas e che­fiou a Uneca, mostra-se pes­si­mista em re­lação à gra­vi­dade da anun­ciada re­cessão eco­nó­mica, a pri­meira em 25 anos a atingir a África. Con­si­dera, tal como a Uneca, e ao con­trário da União Afri­cana, que a quebra do PIB será de pelo menos 2,5%, pro­va­vel­mente mais.

O eco­no­mista gui­ne­ense es­tima que a África «tem cerca de 600 mil mi­lhões de dó­lares de dí­vida, em vá­rias ca­te­go­rias». Pelo que é fun­da­mental não adiar mais o pro­blema com mo­ra­tó­rias de juros e per­dões par­ciais e sim­bó­licos, como pre­co­nizam «so­lu­ções» pro­postas pelo Fundo Mun­dial In­ter­na­ci­onal e Banco Mun­dial: «Isto é adiar o pro­blema, porque na al­tura do re­lan­ça­mento eco­nó­mico, os países não só vão ter de con­ti­nuar a pagar o ca­pital, mas também vão ter de pagar os juros atra­sados que não pa­garam du­rante dois anos».




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