Entrevista a Jerónimo de Sousa,
Secretário-geral do PCP

«Temos a profunda convicção de que o futuro tem Partido»

Em en­tre­vista ao Avante!, o Se­cre­tário-geral do PCP fala da epi­demia e da de­fesa da saúde, do au­mento da ex­plo­ração e da luta que urge re­forçar, da vi­o­lenta ofen­siva ide­o­ló­gica e da ne­ces­sária pre­pa­ração do XXI Con­gresso. Je­ró­nimo de Sousa re­fere-se ainda a um Par­tido quase cen­te­nário, en­rai­zado nos tra­ba­lha­dores e no povo e firme na de­fesa dos seus ideais e pro­jecto.

Este é o Par­tido «que não trai, não ab­dica»

Na sua úl­tima reu­nião, o Co­mité Cen­tral do PCP afirmou que a epi­demia COVID-19 veio expor de forma par­ti­cular a na­tu­reza do ca­pi­ta­lismo. Em que me­dida isto su­cede?

Mos­trou logo a sua na­tu­reza de­su­mana na res­posta ao que faltou nos planos sa­ni­tário e clí­nico, dra­ma­ti­ca­mente vi­sível na prin­cipal po­tência ca­pi­ta­lista e com a va­lo­ração da vida re­me­tida, em geral, para um se­gundo plano. Com po­lí­ticas de saúde ori­en­tadas para a pro­moção do ne­gócio pri­vado da do­ença, nu­me­rosos países ca­pi­ta­listas fi­zeram a de­li­be­rada opção de deixar afundar e des­man­telar ser­viços pú­blicos de saúde para fa­vo­recer a sua mer­can­ti­li­zação, dei­xando mi­lhões de pes­soas en­tre­gues a si pró­prias, sem meios e con­di­ções de de­fender a sua saúde. Isso tem es­tado bem pa­tente em toda a evo­lução da epi­demia.

Mas tornou mais clara também a sua na­tu­reza ex­plo­ra­dora e pre­da­dora, quando a opção do­mi­nante foi agravar as de­si­gual­dades e as in­jus­tiças exis­tentes no plano de cada país e a nível mun­dial, in­ten­si­fi­cando a ex­plo­ração, em­pur­rando mi­lhões de pes­soas para a de­pen­dência do apoio ali­mentar e para a ex­trema po­breza, en­quanto os grandes in­te­resses mul­ti­mi­li­o­ná­rios e os grandes grupos eco­nó­micos pa­ra­sitam os erá­rios pú­blicos, ace­le­rando a cen­tra­li­zação e con­cen­tração do ca­pital. É esta a res­posta de um sis­tema que so­bre­vive à custa do Es­tado e do apro­fun­da­mento da ex­plo­ração.

Há algum tempo a esta parte que, pe­rante a des­me­su­rada acu­mu­lação da ri­queza de al­guns e o em­po­bre­ci­mento re­la­tivo do tra­balho de muitos, num acto de con­trição de falsos fi­lan­tropos, os pró­prios que acu­mulam mi­lhões, pas­saram a pro­meter um mundo novo. Anun­ciam-se em­pe­nhados em com­bater os ex­cessos do ca­pi­ta­lismo. Dizem que querem um ca­pi­ta­lismo mais pre­o­cu­pado com a so­ci­e­dade e menos ego­cên­trico. O surto e as suas pró­prias op­ções pe­rante ele, mos­tram que a na­tu­reza do ca­pi­ta­lismo não muda com la­va­gens de cara e ma­no­bras ide­o­ló­gicas.

 

Esta si­tu­ação deitou de­fi­ni­ti­va­mente por terra a so­li­da­ri­e­dade eu­ro­peia, pro­pa­lada pela UE e seus de­fen­sores?

A cha­mada so­li­da­ri­e­dade eu­ro­peia é uma ficção di­fun­dida pela União Eu­ro­peia para iludir a sua ver­da­deira na­tu­reza. In­fe­liz­mente, as op­ções que têm mar­cado a União Eu­ro­peia têm ser­vido so­bre­tudo para de­fender os in­te­resses das grandes po­tên­cias e do grande ca­pital e não os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e dos povos. Esta ou aquela de­cisão que não seja a que é de­ter­mi­nada pelos in­te­resses do di­rec­tório que a co­manda, quando existe, é sempre «ar­ran­cada a ferros» e para calar uma si­tu­ação de justa in­dig­nação. Nem nesta fase mais aguda do surto epi­dé­mico, os povos mais atin­gidos en­con­tram a res­posta que se im­punha.

 

A res­posta da UE tarda e não re­sol­verá grande coisa...

Em crise pro­funda, re­ce­osos das op­ções dos povos e te­mendo o pior, a Co­missão Eu­ro­peia, se­cun­dando o nú­cleo duro do di­rec­tório das grandes po­tên­cias, veio (a se­mana pas­sada) apre­sentar as pro­postas de um cha­mado «Fundo de Re­cu­pe­ração» e o Quadro Fi­nan­ceiro para os pró­ximos anos. Pro­postas su­jeitas ainda a de­bate e à apro­vação, no­me­a­da­mente pelo Con­selho Eu­ropeu. Pro­postas que ficam aquém do que foi con­si­de­rado ne­ces­sário por vá­rios países re­la­ti­va­mente aos mon­tantes, desde logo os do «Fundo de Re­cu­pe­ração», para acudir à si­tu­ação criada com a COVID-19, mas também por cla­ri­ficar em muitos de­ci­sivos as­pectos em re­lação aos con­di­ci­o­na­lismos macro-eco­nó­micos e po­lí­ticos que estão sub­ja­centes ao seu acesso e ao seu fu­turo pa­ga­mento por cada país, seja pela via de um já su­ge­rido au­mento das con­tri­bui­ções, seja pela via da cri­ação de «im­postos eu­ro­peus».

O mesmo se co­loca em re­lação ao Quadro Fi­nan­ceiro. A pro­posta agora apre­sen­tada é in­fe­rior à an­te­rior com cortes sig­ni­fi­ca­tivos das verbas des­ti­nadas à Co­esão e à Po­lí­tica Agrí­cola Comum. No fundo, a anun­ciada so­li­da­ri­e­dade é para ser paga mais tarde e sem a ga­rantia de que as verbas vão ser ca­na­li­zadas para aquilo que faz falta ao País: pro­dução na­ci­onal; in­ves­ti­mento pú­blico; ser­viços pú­blicos; va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios, pen­sões e con­di­ções de vida do Povo.

 

A si­tu­ação sa­ni­tária e so­cial nos EUA é grave, mas estes pros­se­guem e in­ten­si­ficam os seus ata­ques mul­ti­fa­ce­tados contra China, Cuba e Ve­ne­zuela...

É muito grave que os Es­tados Unidos e seus ali­ados pro­curem sa­cudir pres­sões e di­fi­cul­dades in­ternas para apertar o cerco e os blo­queios aos países re­fe­ridos, como fez re­cen­te­mente com Cuba e Ve­ne­zuela. Pre­o­cu­pante é o si­lêncio do Go­verno por­tu­guês pe­rante a vi­o­lação sis­te­má­tica do Di­reito In­ter­na­ci­onal, em par­ti­cular por parte do Es­tados Unidos da Amé­rica.


Podia e devia ter sido feito muito mais
para travar a epi­demia e a ex­plo­ração

Desde há muito que o PCP de­nuncia o de­sin­ves­ti­mento e des­va­lo­ri­zação do SNS, mas o que é certo é que a res­posta à COVID-19 até está a ser po­si­tiva, so­bre­tudo se com­pa­rada com a de países eu­ro­peus com eco­no­mias mais po­de­rosas. A que se deve isto?

Foi de­ter­mi­nante o papel de quem es­teve e está na linha da frente: mé­dicos, en­fer­meiros, téc­nicos, pes­soal ad­mi­nis­tra­tivo, as­sis­tentes ope­ra­ci­o­nais. Deram tudo o que ti­nham, cor­rendo riscos, por vezes indo para além dos li­mites, tra­ba­lhando até à exaustão.

 

A que ob­jec­tivos pre­tende res­ponder, então, o Plano de Emer­gência para o Re­forço do SNS, re­cen­te­mente apre­sen­tado pelo PCP?

O surto epi­dé­mico e a res­posta do SNS re­ve­laram que, apesar do sub­fi­nan­ci­a­mento cró­nico, da forma como têm sido tra­tados os pro­fis­si­o­nais de saúde nos seus sa­lá­rios, nas suas car­reiras, nos seus di­reitos, foi e é a fer­ra­menta in­dis­pen­sável e in­subs­ti­tuível para con­cre­tizar o ser­viço pú­blico uni­versal, geral e gra­tuito, efi­ci­ente e eficaz, atri­buindo ao sector so­cial e pri­vado um papel su­ple­tivo.

Avan­çámos com um plano de emer­gência para o SNS com me­didas con­cretas, vi­sando, no­me­a­da­mente: o re­forço dos re­cursos hu­manos e do fi­nan­ci­a­mento; o au­mento da ca­pa­ci­dade ins­ta­lada em 800 camas de agudos, e o re­forço do nú­mero de camas nos cui­dados in­ten­sivos, até atingir as 950, e de cui­dados con­ti­nu­ados e pa­li­a­tivos, na rede pú­blica, em 400 camas; res­postas es­pe­cí­ficas di­ri­gidas à saúde mental e ser­viços de me­di­cina do tra­balho; a con­cre­ti­zação de cri­ação do La­bo­ra­tório Na­ci­onal do Me­di­ca­mento e a cons­ti­tuição de uma re­serva es­tra­té­gica do me­di­ca­mento e dis­po­si­tivos.

 

Ao mesmo tempo, o Par­tido tem sido uma voz par­ti­cu­lar­mente ac­tiva na de­núncia dos abusos pa­tro­nais e das ten­ta­tivas de roubar di­reitos. Qual a di­mensão desta ofen­siva?

Sec­tores pa­tro­nais e, em par­ti­cular, grandes grupos eco­nó­micos, que têm lu­cros fa­bu­losos, apro­veitam para trans­formar as di­fi­cul­dades reais que re­sultam da epi­demia em opor­tu­ni­dade de lucro e au­mento da ex­plo­ração. Numa tre­menda cam­panha ide­o­ló­gica da ex­plo­ração do medo, de re­pe­tição até à exaustão da ideia que es­tamos todos no mesmo barco, eli­mi­naram mi­lhares de postos de tra­balho (atin­gindo par­ti­cu­lar­mente tra­ba­lha­dores com vín­culos pre­cá­rios), re­du­ziram sa­lá­rios, des­re­gu­laram ho­rá­rios de tra­balho, li­mi­taram di­reitos de ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade, ar­ras­tando mi­lhares de tra­ba­lha­dores por conta pró­pria e mi­lhares de micro, pe­quenas e mé­dias em­presas para a fa­lência e a in­sol­vência.

 

Tem-se fa­lado da mais que certa quebra do PIB ou do au­mento do de­sem­prego nos pró­ximos tempos. Também aqui, que ava­li­ação se faz da acção do Go­verno?

A pa­ragem tem­po­rária e par­cial das ac­ti­vi­dades eco­nó­micas teria de ter ine­vi­ta­vel­mente re­flexos ne­ga­tivos na evo­lução do PIB. A sua ex­pressão é que seria outra, menos grave, não fossem as de­bi­li­dades es­tru­tu­rais de base e as fra­gi­li­dades do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal, re­sul­tado de uma po­lí­tica de muitos anos, que tem se­cun­da­ri­zado os sec­tores pro­du­tivos na­ci­o­nais.

O que era e é pre­ciso é im­pedir que as de­bi­li­dades se possam tra­duzir em fa­lên­cias no fu­turo, par­ti­cu­lar­mente de micro, pe­quenas e mé­dias em­presas, que são as do­mi­nantes do te­cido eco­nó­mico na­ci­onal. E, para conter tal evo­lução, faltam por parte do Go­verno as me­didas ne­ces­sá­rias. As que até agora foram avan­çadas são in­su­fi­ci­entes.

É pos­sível e ne­ces­sário ga­rantir, no ime­diato, ou­tras me­didas, al­gumas das quais já avan­çadas pelo PCP, nos planos do acesso ao cré­dito com pe­ríodo de ca­rência e fortes bo­ni­fi­ca­ções de juros, a cri­ação de um Fundo Pú­blico e Apoio à Te­sou­raria, no do­mínio fiscal as­se­gu­rando que em 2020 não se pro­ceda ao Pa­ga­mento por Conta do IRC e ace­lerar o re­em­bolso do IVA, no do­mínio da an­te­ci­pação dos pa­ga­mentos das dí­vidas do Es­tado, entre ou­tras.

Mas ne­ga­tiva e pre­o­cu­pante foi a falta de res­posta eficaz do Go­verno para im­pedir a vaga de des­pe­di­mentos, para os in­ter­romper e proibir. Também aqui se po­de­riam mo­bi­lizar re­cursos para ga­rantir essa me­dida in­dis­pen­sável, no­me­a­da­mente com os re­cursos do lay-off que foram ga­ran­tidos às grandes em­presas, al­gumas das quais neste pe­ríodo dis­tri­buíram mi­lhões em di­vi­dendos.

 

O PCP sempre con­si­derou o es­tado de emer­gência des­ne­ces­sário e pre­ju­di­cial. A sua con­cre­ti­zação du­rante um mês e meio jus­ti­ficou as apre­en­sões do Par­tido?

Três as­pectos: foi uma de­cisão que se re­velou des­ne­ces­sária e des­pro­por­ci­onal no que com­porta de saúde pú­blica contra a epi­demia; a se­gunda, pelo facto de se pro­ceder pela ca­lada ao des­pe­di­mento de cen­tenas de mi­lhares de postos de tra­balho, acom­pa­nhados de abusos, ar­bi­tra­ri­e­dades e vi­o­la­ções dos seus di­reitos; a ter­ceira, uma ba­na­li­zação do es­tado de emer­gência. Há que su­bli­nhar que a Cons­ti­tuição e a Lei de Bases da Pro­tecção Civil e o Sis­tema de Vi­gi­lância em Saúde Pú­blica eram mais do que su­fi­ci­entes para adoptar me­didas de pre­venção e con­tenção de maior rigor.

As me­didas de con­tenção eram ne­ces­sá­rias. O es­tado de emer­gência para as impor é que não.

É ne­ces­sário tri­lhar novos ca­mi­nhos
com a luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos

O PCP tem afir­mado a co­e­xis­tência de riscos de re­tro­cesso so­cial e ci­vi­li­za­ci­onal e po­ten­ci­a­li­dades de avanço pro­gres­sista e re­vo­lu­ci­o­nário. A si­tu­ação pan­dé­mica e seus de­sen­vol­vi­mentos con­tra­riam esta tese ou tornam-na mais pre­mente?

São in­ques­ti­o­ná­veis os riscos e pe­rigos de re­tro­cesso so­cial e ci­vi­li­za­ci­onal que estão pre­sentes na ac­tual si­tu­ação, mas é também uma evi­dência que o surto epi­dé­mico veio expor tra­gi­ca­mente as con­sequên­cias de dé­cadas de po­lí­tica ao ser­viço do ca­pi­ta­lismo trans­na­ci­onal, de pri­va­ti­zação e des­man­te­la­mento de ser­viços pú­blicos, de ataque aos di­reitos la­bo­rais dos tra­ba­lha­dores, mas também de ataque à so­be­rania dos povos e de ali­e­nação dos ins­tru­mentos do Es­tado para as­se­gurar fun­ções so­ciais e a pro­dução de bens es­sen­ciais à vida e pro­tecção das po­pu­la­ções.

Uma re­a­li­dade que mostra aos olhos de largas massas a in­ca­pa­ci­dade do sis­tema de ex­plo­ração e da mai­oria dos Es­tados ca­pi­ta­listas em dar res­posta aos pro­blemas dos povos e que apelam e abrem es­paço a ini­ci­a­tivas de avanço pro­gres­sista e até re­vo­lu­ci­o­nário. De facto a re­a­li­dade que emerge da pan­demia, po­tencia e torna mais pre­mente a ne­ces­si­dade de en­cetar novos ca­mi­nhos, só pos­sí­veis de des­bravar com a luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos.

 

Re­la­ti­va­mente ao nosso País, que pe­rigos estão co­lo­cados no ime­diato e como se po­derá elevar essas po­ten­ci­a­li­dades?

É uma evi­dência que as forças da po­lí­tica de di­reita res­pon­sá­veis pelos atrasos no de­sen­vol­vi­mento do País e pela ofen­siva que con­duziu à de­gra­dação das con­di­ções de tra­balho e de vida dos por­tu­gueses es­preitam a opor­tu­ni­dade para re­cu­perar o es­paço per­dido e re­lançar a sua po­lí­tica, vi­sando novos e mais agra­vados pa­ta­mares de ex­plo­ração. Eles pre­tendem con­trapor a «de­fesa da eco­nomia» aos di­reitos de quem tra­balha, ou a de­fesa da saúde e atingir o pró­prio re­gime de­mo­crá­tico, a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica e a li­mi­tação de di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias fun­da­men­tais. Há por aí já quem de­fenda o re­gresso à po­lí­tica que ca­rac­te­rizou o tempo dos PEC e das troikas, afir­mando a sua ine­vi­ta­bi­li­dade.

Mas se assim é, também é ver­dade que há força para lhes fazer frente. Pre­ci­samos de de­sen­volver a luta e não per­mitir que a con­di­ci­onem com a chan­tagem e a es­tig­ma­ti­zação a que temos as­sis­tido. A po­ten­ci­ação de so­lu­ções que se tra­duzam em avanços pro­gres­sistas na vida do País, exige uma in­ter­venção de­ter­mi­nada de com­bate ao bran­que­a­mento da acção do PSD e CDS, e dos par­tidos seus su­ce­dâ­neos, e de de­núncia das op­ções do Go­verno PS, de con­fronto e com­bate com os pro­jectos e forças re­ac­ci­o­ná­rias, a sua agenda e es­tra­tégia an­ti­de­mo­crá­ticas, mas es­sen­ci­al­mente exige o re­forço da luta de massas.

 

Como ava­lias todo o ruído criado em torno das co­me­mo­ra­ções do 25 de Abril e do 1.º de Maio?

Pelo que re­pre­sentam para o re­gime de­mo­crá­tico. Co­me­morar a Re­vo­lução de Abril na As­sem­bleia da Re­pú­blica, órgão de so­be­rania que existe porque Abril venceu, porque ali se aprovou a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, isso sempre foi in­su­por­tável para as forças re­ac­ci­o­ná­rias. Mas trans­formar o 1.º de Maio numa jor­nada de luta, como fez a CGTP-IN, num tempo em que es­tava em curso esse pro­cesso de impor aos tra­ba­lha­dores a razia nos seus em­pregos, nos seus sa­lá­rios, nos seus di­reitos, tudo feito no si­lêncio e no exer­cício do medo, então res­surgiu o ódio de classe dis­far­çado de pre­o­cu­pa­ções sa­ni­tá­rias. A vida e o fu­turo de­mons­trarão a im­por­tância que teve para a luta dos tra­ba­lha­dores a re­a­li­zação da jor­nada do 1.º de Maio.

 

Que ba­lanço fazes dessas co­me­mo­ra­ções, apesar de tudo di­fe­rentes do ha­bi­tual?

Di­fe­rentes, sim. Mas de grande im­por­tância e dig­ni­dade no exer­cício da ci­da­dania e de dar con­fi­ança à luta em de­fesa dos di­reitos in­di­vi­duais e co­lec­tivos e na de­fesa do di­reito à saúde. Mar­caram um mo­mento e apon­taram um rumo.

 

De­pois do 25 de Abril e do 1.º de Maio, a Festa do Avante! pa­rece ser o pró­ximo alvo desta cam­panha...

É uma evi­dência que está tudo li­gado! As forças re­ac­ci­o­ná­rias não su­portam, como nunca su­por­taram, a re­a­li­zação da Festa do Avante! com tudo o que re­pre­senta a sua di­mensão po­lí­tica, cul­tural, de con­vívio fra­terno, de par­ti­ci­pação ju­venil, de so­li­da­ri­e­dade in­ter­na­ci­o­na­lista. Num quadro ainda im­pre­vi­sível da evo­lução do surto epi­dé­mico, tais forças pre­tendem cla­ra­mente que, a mais de três meses da sua re­a­li­zação, bai­xás­semos os braços.

Con­ti­nu­a­remos a criar as con­di­ções para res­ponder às cir­cuns­tân­cias ac­tuais que per­mitam a sua re­a­li­zação.

 

Já em 2019, antes do ciclo elei­toral, in­ten­si­ficou-se a cam­panha me­diá­tica contra o Par­tido. Es­tamos pe­rante um novo epi­sódio dessa cam­panha ou é algo mais pro­fundo?

A cam­panha tem co­nhe­cido ex­pres­sões di­versas ao longo do tempo e a sua re­gular per­sis­tência é ine­rente aos ob­jec­tivos, in­ter­venção e pro­jecto que o PCP pro­ta­go­niza, oposto aos dos grandes in­te­resses eco­nó­micos e fi­nan­ceiros e que apontam sem ro­deios para o fim do seu poder e do­mi­nação que sa­bemos con­ti­nuam a pre­va­lecer na so­ci­e­dade por­tu­guesa. Mas é ine­gável que a in­ten­si­fi­cação da ofen­siva an­ti­co­mu­nista é in­se­pa­rável da per­cepção dos cír­culos mais re­a­ci­o­ná­rios quer quanto a uma cres­cente in­fluência elei­toral que se vinha ve­ri­fi­cando nesta dé­cada quer quanto ao papel de­ci­sivo que o PCP as­sumiu na in­ter­rupção dos pro­jectos que o ca­pital mo­no­po­lista tinha como ine­lu­tá­veis pros­se­guir na di­nâ­mica do Pacto de Agressão e da acção do go­verno PSD/​CDS.

Uma ofen­siva as­sente na men­tira, na di­fa­mação e na ca­lúnia, a par da des­va­lo­ri­zação e si­len­ci­a­mento da acção do PCP. Nós sa­bemos bem o porquê desta cam­panha. Eles cons­ta­taram que es­tá­vamos a crescer e te­miam esse cres­ci­mento. Pas­saram a fazer tudo para o conter. Os grandes in­te­resses sabem que é aqui que está a força capaz de fazer frente aos seus pro­jectos e com­pro­meter no fu­turo a sua agenda de ex­plo­ração, em­po­bre­ci­mento e de­clínio na­ci­onal. Que é esta a força pro­pul­sora de uma ver­da­deira al­ter­na­tiva e de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva que urge con­cre­tizar, agora com mais pre­mência no quadro re­sul­tante do surto epi­dé­mico e isso acentua a vi­ru­lência da sua cam­panha contra o PCP.

Pre­parar o Con­gresso e re­forçar o Par­tido

Que pri­o­ri­dades de in­ter­venção, de­sig­na­da­mente em termos de ini­ci­a­tivas con­cretas a re­a­lizar, foram de­fi­nidas na úl­tima reu­nião do Co­mité Cen­tral?

Temos de pre­parar o XXI Con­gresso em mo­vi­mento. In­tegrá-lo no tra­balho geral do Par­tido, con­tri­buir para o seu re­forço, em par­ti­cular nas em­presas e lo­cais de tra­balho, re­forçar a uni­dade dos tra­ba­lha­dores, alargar a luta de massas e das vá­rias classes e ca­madas so­ciais anti-mo­no­po­listas, agir nas ins­ti­tui­ções com in­ter­venção, pro­posta e so­lu­ções para os pro­blemas dos tra­ba­lha­dores e do País, con­tri­buir para a uni­dade e acção dos de­mo­cratas e pa­tri­otas e afirmar o seu ideal e pro­jecto co­mu­nistas.

 

Re­la­ti­va­mente ao Con­gresso, a epi­demia pre­ju­dicou o de­bate par­ti­dário? Como re­cu­perar po­ten­ciais atrasos?

Se há ca­rac­te­rís­tica que marca a di­fe­rença em re­lação a ou­tros par­tidos é o en­ri­que­cedor de­bate que en­volve os mi­li­tantes e or­ga­ni­za­ções du­rante todas as fases pre­pa­ra­tó­rias do Con­gresso. Muitos ca­ma­radas não o pu­deram fazer face ao surto epi­dé­mico. Po­demos re­cu­perar o atraso, di­na­mi­zando o fun­ci­o­na­mento das or­ga­ni­za­ções, fazer acertos de pro­gra­mação. Eis uma ta­refa pri­o­ri­tária.

Nós temos con­fi­ança de que a todos ní­veis do nosso Par­tido, ha­ve­remos de en­con­trar es­paços para nos en­con­trarmos, mesmo com as li­mi­ta­ções do ac­tual con­texto epi­dé­mico, para de­bater e de­cidir as ori­en­ta­ções que hão-de nor­tear a nossa ac­ti­vi­dade nos pró­ximos quatro anos.

 

Há se­manas, o Par­tido di­vulgou o re­sul­tado da acção dos 5 mil con­tactos. Que sig­ni­fi­cado tem isto para a acção par­ti­dária?

A cam­panha dos 5 mil con­tactos, con­cre­ti­zada com êxito, os 1350 tra­ba­lha­dores que ade­riram ao Par­tido num tempo em que era de­sen­ca­deada uma cam­panha brutal contra o Par­tido e surgia o surto epi­dé­mico de­monstra as reais pos­si­bi­li­dades de re­forço do PCP. Foram assim cri­adas con­di­ções para, a partir de novos mi­li­tantes, criar novas cé­lulas nas em­presas e lo­cais de tra­balho.

Cem anos do lado certo

O PCP ini­ciou já as co­me­mo­ra­ções do seu cen­te­nário. Quais os ob­jec­tivos cen­trais das co­me­mo­ra­ções?

Em pri­meiro lugar, pôr em re­levo e dar co­nhecer à so­ci­e­dade e às novas ge­ra­ções, o papel deste Par­tido que tem uma his­tória hon­rosa e ímpar no quadro das forças par­ti­dá­rias por­tu­guesas em de­fesa dos in­te­resses e di­reitos da classe ope­rária e dos tra­ba­lha­dores, do nosso povo e da nossa pá­tria.

Es­tamos e vamos fazê-lo pres­tando ho­me­nagem aos nossos he­róis caídos na luta pela li­ber­dade e a de­mo­cracia e a todas as ge­ra­ções de co­mu­nistas que lu­taram, tantas vezes nas mais di­fí­ceis con­di­ções, para as­se­gurar essa ex­cep­ci­onal in­ter­venção do PCP na vida na­ci­onal, sem es­quecer e deixar de va­lo­rizar os que no pre­sente con­ti­nuam a lutar ab­ne­ga­da­mente por avanços e con­quistas a favor dos tra­ba­lha­dores e do povo, para as­se­gurar uma al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda, de de­sen­vol­vi­mento e pro­gresso para o País e man­tendo viva a pers­pec­tiva fun­da­dora e razão de ser deste Par­tido da re­a­li­zação de uma so­ci­e­dade sem ex­plo­ra­dores, nem ex­plo­rados, da qual sejam ba­nidas todas as de­si­gual­dades, in­jus­tiças e fla­gelos so­ciais – o so­ci­a­lismo.

 

Há ob­jec­tivos or­gâ­nicos as­so­ci­ados às co­me­mo­ra­ções...

Co­me­mo­ramos o cen­te­nário tendo pre­sente o grande ob­jec­tivo do seu re­forço po­lí­tico, ide­o­ló­gico e or­ga­ni­za­tivo, re­a­fir­mando e va­lo­ri­zando a va­li­dade e ac­tu­a­li­dade dos seus ideais e do seu pro­jecto eman­ci­pador, con­cre­ti­zando um con­junto de ini­ci­a­tivas nos pró­ximos meses. Neste plano da­remos uma par­ti­cular atenção ao re­forço or­gâ­nico que está em marcha, com des­taque para o que está di­ri­gido às em­presas e lo­cais de tra­balho, com a cri­ação de 100 cé­lulas neste do­mínio da nossa in­ter­venção, mas também de re­forço da sua in­de­pen­dência fi­nan­ceira, onde se in­clui a cam­panha na­ci­onal de fundos que de­cor­rerá até Maio de 2021.

Tornar o PCP mais forte para me­lhor de­fender os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo é o grande ob­jec­tivo que vamos tomar em mãos no de­correr das co­me­mo­ra­ções, certos de esta será também a me­lhor forma de honrar esta força ne­ces­sária e in­dis­pen­sável para a con­cre­ti­zação de um fu­turo de pro­gresso e de­sen­vol­vi­mento no nosso País.

 

Dos 100 anos, o PCP passou quase 50 clan­des­tino. O que é que este facto nos diz sobre este par­tido?

Diz-nos que es­tamos pe­rante um Par­tido que está pre­pa­rado e é capaz de en­frentar e ul­tra­passar os mais di­fí­ceis obs­tá­culos e as­sumir as mais altas res­pon­sa­bi­li­dades não só na con­dução da luta do nosso povo nas mais di­versas e crí­ticas cir­cuns­tân­cias, mas de as­sumir as mais altas res­pon­sa­bi­li­dades na vida do País. Fala-nos de um Par­tido em quem se pode con­fiar, que sempre e sempre buscou na sua li­gação aos tra­ba­lha­dores e ao povo a energia e a con­fi­ança para en­frentar as di­fi­cul­dades. Que não trai, não ab­dica, nem se en­trega, por isso foi o único que so­bre­viveu e se man­teve de pé, apon­tando e cons­truindo o ca­minho da vi­tória que se con­cre­tizou com a Re­vo­lução de Abril. Fala-nos de um Par­tido que não vive de ar­ti­fí­cios, que foi e é assim porque tem uma pro­funda li­gação aos tra­ba­lha­dores e ao povo e aos seus pro­blemas. Diz-nos de um Par­tido de ho­mens e mu­lheres e jo­vens que foram e são ca­pazes de co­locar os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo à frente de quais­quer ou­tros e ar­ros­tando os mai­ores sa­cri­fí­cios pes­soais. Diz-nos de um Par­tido que é assim porque es­teve e está firme na de­fesa dos seus ideais.

 

Para ter­minar, O fu­turo tem Par­tido?

Quando es­tamos no li­miar do cen­te­nário da exis­tência do nosso Par­tido, com um per­curso de avanços e re­cuos, de vi­tó­rias e der­rotas, mas sempre do lado certo, o dos ex­plo­rados e in­jus­ti­çados, li­gados à vida e à re­a­li­dade, sus­ten­tados num ideal e pro­jecto que dá tra­dução ma­te­rial ao sonho do ser hu­mano de se li­bertar da ex­plo­ração do homem por outro homem e ao di­reito ina­li­e­nável de ser feliz, então temos a pro­funda con­vicção de que o fu­turo tem Par­tido.

A nossa his­tória de­monstra que essa causa maior nunca morre en­quanto existir quem a de­fenda e por ela lute!