Apontamentos sobre a Efacec

ECO­NOMIA O Go­verno anun­ciou, em si­mul­tâneo, a sua de­cisão de avançar com a na­ci­o­na­li­zação e re­pri­va­ti­zação da Efacec, uma em­presa sin­gular em Por­tugal, de in­dis­cu­tível im­por­tância es­tra­té­gica para o País e a eco­nomia na­ci­onal, face ao quadro único do seu por­to­folio de bens e ser­viços.

A Efacec deve ser co­lo­cada ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento do País, man­tendo-se na es­fera pú­blica

A his­tória das úl­timas dé­cadas da in­dús­tria trans­for­ma­dora em Por­tugal é mar­cada pelo pro­gres­sivo de­sa­pa­re­ci­mento de in­dús­trias trans­for­ma­doras es­tra­té­gicas no nosso País, in­se­pa­rável de op­ções de su­ces­sivos go­vernos, que le­varam a uma cres­cente de­pen­dência ex­terna, à perda de em­prego e com­pe­ti­ti­vi­dade da eco­nomia por­tu­guesa. Quando pe­rante os im­pactos do surto epi­dé­mico COVID-19 al­guns pa­recem acordar de uma longa ilusão – a de que os países se podem de­sen­volver e res­ponder às ne­ces­si­dades das suas po­pu­la­ções sem in­dús­tria – eis uma opor­tu­ni­dade para passar das in­ten­ções aos actos: re­cu­perar o con­trolo pú­blico da Efacec, salvar a em­presa, co­locá-la ao ser­viço da eco­nomia na­ci­onal.

Mas, pe­rante uma em­presa ímpar no pa­no­rama in­dus­trial por­tu­guês, que foi ad­qui­rindo sa­beres e com­pe­tên­cias únicos, o Go­verno PS re­cusa uma de­cisão de de­fesa do in­te­resse na­ci­onal e em­purra a Efacec para o re­gaço de um qual­quer grupo eco­nó­mico.

A his­tória da Efacec
A Efacec é uma em­presa de re­levo no plano na­ci­onal. Fun­dada em 1905 com o nome A Mo­derna: So­ci­e­dade de Ser­ração Me­câ­nica, teve ao longo da pri­meira me­tade do sé­culo pas­sado trans­for­ma­ções e evo­lu­ções que lhe re­for­çaram a ca­pa­ci­dade téc­nica e de pro­dução, bem como o seu peso es­tra­té­gico.

Ao longo da sua his­tória teve um en­vol­vi­mento de­ter­mi­nante de um grupo eco­nó­mico belga, com im­por­tantes po­si­ções no sector, a ACEC, e da CUF, que chegou a ter 45% do ca­pital da em­presa. No final dos anos 80 do sé­culo pas­sado, a Efacec apro­fundou a sua mo­der­ni­zação tec­no­ló­gica e a sua in­ter­na­ci­o­na­li­zação.

Hoje, o grupo eco­nó­mico (com a de­sig­nação Efacec Power So­luc­tions desde 2014), con­grega 17 em­presas, tem pre­sença em vá­rios países, reu­nindo todos os meios e com­pe­tên­cias (co­nhe­ci­mento, pro­dução, tec­no­logia e re­cursos hu­manos) nas áreas da energia, en­ge­nharia, am­bi­ente, trans­portes e mo­bi­li­dade eléc­trica. Tem tido um vo­lume de ne­gó­cios anual su­pe­rior a 500 mi­lhões de euros e conta com cerca de 2500 tra­ba­lha­dores ao seu ser­viço, cons­ti­tuindo-se como uma das mais im­por­tantes em­presas in­dus­triais do País.

De facto, a Efacec é a úl­tima grande em­presa de me­ta­lo­me­câ­nica e ele­tro­me­câ­nica que, apesar da po­lí­tica de di­reita e das suas op­ções de des­va­lo­ri­zação da pro­dução na­ci­onal, re­sistiu no nosso país, as­su­mindo uma im­por­tância es­tra­té­gica para a eco­nomia na­ci­onal in­dis­cu­tível.

Luta e avanços
Tal como a his­tória da Efacec, também a luta dos tra­ba­lha­dores em de­fesa dos seus di­reitos e sa­lá­rios tem dé­cadas. Desde os tempos do fas­cismo que os tra­ba­lha­dores da Efacec en­con­traram formas de se or­ga­nizar e lutar.

No ano de 2015 teve par­ti­cular re­levo um pro­cesso de luta, com greves muito par­ti­ci­padas em vá­rios dias, que cul­minou em au­mentos sa­la­riais de pelo menos 50 euros e a ga­rantia, entre ou­tras coisas, da in­te­gração nos qua­dros de vá­rios tra­ba­lha­dores que ti­nham vín­culos pre­cá­rios.

Com papel des­ta­cado do Mo­vi­mento Sin­dical Uni­tário, num pro­cesso onde con­ver­giram as co­mis­sões de tra­ba­lha­dores, o de­sen­vol­vi­mento da luta per­mitiu que, entre 2015 e 2017, os tra­ba­lha­dores ti­vessem au­mentos de, pelo menos, 130 euros, para lá de ou­tros di­reitos que con­se­guiram as­se­gurar.

Per­se­guição, di­visão e ataque aos tra­ba­lha­dores
É neste quadro de con­so­li­dação in­ter­na­ci­onal da em­presa e de avanços nos sa­lá­rios e di­reitos con­se­guidos pela uni­dade e a luta dos tra­ba­lha­dores que se dá a al­te­ração da es­tru­tura ac­ci­o­nista.

Em Ou­tubro de 2015, a so­ci­e­dade Win­ter­fell In­dus­tries (Isabel dos Santos) ad­quiriu a mai­oria do ca­pital da Efacec. Os an­te­ri­ores ac­ci­o­nistas, grupos José de Mello e Têxtil Ma­nuel Gon­çalves, pas­saram a deter uma po­sição mi­no­ri­tária no ca­pital da em­presa.

A nova ad­mi­nis­tração, re­sul­tante das al­te­ra­ções da es­tru­tura ac­ci­o­nista, as­sumiu (e ver­ba­lizou) o ob­jec­tivo de que­brar a uni­dade dos tra­ba­lha­dores e «ar­rumar» com os tra­ba­lha­dores mais com­ba­tivos que se des­ta­caram no pro­cesso.

No plano da gestão dos re­cursos hu­manos evi­den­ciou-se ainda uma outra opção, a pro­moção de cen­tenas de res­ci­sões (cerca de 500 até ao mo­mento), subs­ti­tuindo esses (com co­nhe­ci­mento e ex­pe­ri­ência) por novos tra­ba­lha­dores com vín­culos pre­cá­rios e ven­ci­mentos in­fe­ri­ores. Vá­rios téc­nicos e qua­dros su­pe­ri­ores que saíram estão hoje em em­presas con­cor­rentes.

As res­ci­sões con­taram com a per­missão do Go­verno, que au­to­rizou o re­curso a este ex­pe­di­ente para lá do li­mite legal, acei­tando o ar­gu­mento do pro­cesso de re­es­tru­tu­ração da em­presa.

O pro­cesso foi apro­vei­tado para pres­si­onar muitos dos tra­ba­lha­dores que se ha­viam des­ta­cado nos pro­cessos de luta. Os que re­sis­tiram e não acei­taram foram in­te­grados num lote de 19 que foram alvo de um pro­cesso de des­pe­di­mento co­lec­tivo.

Como todos estes tra­ba­lha­dores eram ne­ces­sá­rios ao fun­ci­o­na­mento da em­presa, têm vindo a ser subs­ti­tuídos por ou­tros tra­ba­lha­dores de em­presas ex­ternas.

Acres­cente-se ainda que, ao longo destes quase quatro anos, a ad­mi­nis­tração pro­curou ainda in­ter­ferir no pro­cesso de elei­ções para as co­mis­sões de tra­ba­lha­dores, pro­mo­vendo a di­visão dos tra­ba­lha­dores, além de ter re­cor­rido a di­versos pro­cessos dis­ci­pli­nares, tendo mesmo ad­mi­tido em reu­nião com o sin­di­cato, o SITE-Norte, que não tendo di­nheiro para pagar in­dem­ni­za­ções seria pelo re­curso aos pro­cessos dis­ci­pli­nares que se ten­taria «li­vrar» dos tra­ba­lha­dores que re­sis­tissem.

De­sen­vol­vi­mentos re­centes e a in­ter­venção do Go­verno
A evo­lução mais re­cente, quer do cha­mado caso Lu­anda leaks, quer as con­sequên­cias de­cor­rentes do de­sen­vol­vi­mento do surto epi­dé­mico, apenas vem an­te­cipar um fim que se vinha anun­ci­ando a partir da es­tra­tégia e das op­ções de gestão.

A per­se­guição aos tra­ba­lha­dores, a fuga de al­guns dos tra­ba­lha­dores mais qua­li­fi­cados para em­presas con­cor­rentes e as dí­vidas a for­ne­ce­dores nada tem a ver com o caso Lu­anda leaks, nem com o surto epi­dé­mico. De­correm de op­ções de gestão que foram tendo res­paldo do Go­verno e até de au­tarcas da re­gião.

Só que a Win­ter­fell In­dus­tries (Isabel dos Santos) ad­quire a mai­oria ac­ci­o­nista na Efacec usando o fi­nan­ci­a­mento da banca (Novo Banco, CBP, CGD, Mon­tepio, BPI e BIC).

Como o ca­pi­ta­lismo até pode ver afundar um ca­pi­ta­lista, mas en­con­trará sempre forma de salvar os in­te­resses da banca, entra em acção o Go­verno PS, que as­sume in­tervir, mas só de forma tran­si­tória, ou seja, para criar con­di­ções para sal­va­guardar os in­te­resses da banca, em vez de sal­va­guardar os in­te­resses na­ci­o­nais.

O Go­verno do PS, após ter ad­mi­tido pu­bli­ca­mente a pos­si­bi­li­dade de as­sumir o con­trolo pú­blico da Efacec, na­ci­o­na­li­zando a em­presa no ime­diato para a en­tregar no­va­mente no fu­turo ao ca­pital pri­vado, con­tinua a agir des­va­lo­ri­zando o papel es­tra­té­gico que esta tem para a in­dús­tria, para as ex­por­ta­ções, para o de­sen­vol­vi­mento ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico, para o em­prego, para a so­be­rania na­ci­onal.

Na ver­dade, o que o Go­verno do PS está a fazer é criar todas as con­di­ções, ob­jec­tivas e sub­jec­tivas, para que, seja por acção, seja por omissão, a em­presa, à se­me­lhança de muitas ou­tras no pas­sado, seja en­tregue a um grupo eco­nó­mico es­tran­geiro, com os riscos da sua des­ca­rac­te­ri­zação ou mesmo des­truição como se ve­ri­ficou com ou­tras de que é exemplo a So­re­fame (fá­brica de pro­dução de ma­te­rial cir­cu­lante lo­ca­li­zada na Ama­dora que foi pri­va­ti­zada e de­pois en­cer­rada pelos novos pro­pri­e­tá­rios). É esta lição que nos en­si­naram de­zenas de anos em que a regra foi sempre esta, fossem go­vernos do PS, fossem go­vernos do PSD/​CDS.

A co­ni­vência do Pre­si­dente da Re­pú­blica
Na Pre­si­dência da Re­pú­blica es­pera-se en­con­trar quem de­fenda, acima de tudo, o in­te­resse na­ci­onal. Neste caso, o in­te­resse na­ci­onal re­side em as­se­gurar que o País fica com uma em­presa es­tra­té­gica, única do ponto de vista de pro­dução e ca­pa­ci­dade de con­tri­buir para a mo­der­ni­zação e de­sen­vol­vi­mento de im­por­tantes es­feras da vida na­ci­onal.

Es­perar-se-ia que, se o Go­verno não acau­tela o in­te­resse na­ci­onal, o faça o Pre­si­dente da Re­pú­blica.

Mas não foi isso que acon­teceu. O Go­verno opta por uma ope­ração «tran­si­tória» para sal­va­guardar o in­te­resse da banca e do grande ca­pital, re­ce­bendo o apoio do Pre­si­dente da Re­pú­blica, que emite um co­mu­ni­cado per­fei­ta­mente es­cla­re­cedor, ga­ran­tindo dá o seu acordo a esta es­tra­tégia do go­verno porque ela tem «o acordo dos res­tantes ac­ci­o­nistas pri­vados» e alerta «que não se pode nem deve en­tender este passo como na­ci­o­na­li­zação du­ra­doura, antes como so­lução in­dis­pen­sável de pas­sagem entre so­lu­ções du­ra­douras de mer­cado». Os tais mer­cados, uma vez mais, como móbil da po­lí­tica de di­reita.

Na ver­dade, as op­ções do Go­verno PS, o papel do PR e até a pas­si­vi­dade do PSD não sur­pre­endem. A si­tu­ação a que che­gámos não é obra do acaso, mas re­sul­tado de um pro­cesso em que os go­vernos PSD/​CDS não ficam im­punes.

O que o PCP de­fende
Para o PCP, a so­lução para a Efacec também não passa por trans­ferir para os bancos a parte do ca­pital, ab­so­lu­ta­mente de­ter­mi­nante para o con­trolo e fu­turo da em­presa, de­tida por Isabel dos Santos, através da em­presa Win­ter­fell In­dus­tries. Tal opção, pode re­solver os pro­blemas da banca, mas não res­ponde nem às ne­ces­si­dades da em­presa, nem às ne­ces­si­dades do País.

Para o PCP, mais do que re­solver o pro­blema dos bancos que têm cré­ditos da Efacec como pre­tende o Go­verno, o que é pre­ciso é salvar a Efacec, ga­ran­tindo-lhe li­quidez para cum­prir os seus com­pro­missos – tra­ba­lha­dores, for­ne­ce­dores, in­ves­ti­mento – e co­locá-la ao ser­viço do País.

Con­si­de­rando este ce­nário a so­lução mais ade­quada, efi­ci­ente e so­bre­tudo se­gura, pois que acau­tela o ul­te­rior de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal, é a do efec­tivo con­trolo da em­presa pelo Es­tado por­tu­guês, não só em termos da ti­tu­la­ri­dade dos seus ac­tivos, como também, e não é questão menor, a da sua gestão, nos planos es­tra­té­gico, tá­cito e mesmo ope­ra­ci­onal.

O tra­balho de­sen­vol­vido pela Efacec as­sume-se de enorme im­por­tância na pro­dução na­ci­onal, par­ti­cu­lar­mente no norte do País, está in­ter­li­gada com de­zenas de MPME que tra­ba­lham para ela sendo evi­dente que têm que ser to­madas todas as me­didas para ga­rantir a con­ti­nui­dade da ac­ti­vi­dade da em­presa, as­se­gurar todos os postos de tra­balho e co­locar a pro­dução da Efacec ao ser­viço das ne­ces­si­dades de de­sen­vol­vi­mento da re­gião Norte e do País. Foi com estes ob­jec­tivos que o Grupo Par­la­mentar do PCP apre­sentou já um pe­dido de Apre­ci­ação Par­la­mentar do de­creto do Go­verno, pro­pondo a in­te­gração efec­tiva e de­fi­ni­tiva no âm­bito das em­presas pú­blicas.

Para o PCP, aquilo que se impõe é uma es­tra­tégia do País que de­fenda a Efacec, os postos de tra­balho e a eco­nomia na­ci­onal. O ob­jec­tivo tem de ser o de as­se­gurar a con­ti­nui­dade da em­presa. Mas não só: a Efacec não pode cair em mão es­tran­geiras, de­sig­na­da­mente da con­cor­rência, que a tor­na­riam ir­re­le­vante, no má­ximo uma sua mera sub­si­diária. Os exem­plos não faltam da Qui­monda à So­re­fame, Mague, Cimpor, etc. É fun­da­mental evitar que seja ven­dida ao ca­pital es­tran­geiro, que pode ser um «fundo abutre» para de­pois fazer dos seus ac­tivos o que mais lucro lhe pro­por­ci­onar, por exemplo vender se­pa­ra­da­mente partes da em­presa, re­ti­rando-lhe a ac­tual di­nâ­mica e si­ner­gias, ou a uma em­presa con­cor­rente sendo co­lo­cada ao ser­viço dos in­te­resses glo­bais dessa em­presa e não do in­te­resse na­ci­onal.

Para o PCP deve ser con­si­de­rada a pos­si­bi­li­dade de uma in­ter­venção do Es­tado, vi­sando a re­cu­pe­ração do con­trolo pú­blico desta im­por­tante em­presa da in­dús­tria na­ci­onal, de­fen­dendo os postos de tra­balho, res­pon­dendo às ne­ces­si­dades mais ime­di­atas de te­sou­raria, pro­jec­tando a sua in­te­gração e de­sen­vol­vi­mento no quadro do Sector Em­pre­sa­rial do Es­tado, co­lo­cando a Efacec ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico da re­gião e do País.