Enquadramento Orçamental – mais um exemplo da convergência PS-PSD

Duarte Alves

São vá­rios os si­nais da con­ver­gência entre PS e PSD para con­di­ci­onar o de­bate po­lí­tico

Na úl­tima se­mana de tra­ba­lhos par­la­men­tares, foi vo­tada uma pro­posta de lei do Go­verno que al­tera a Lei de En­qua­dra­mento Or­ça­mental (LEO), di­ploma que en­quadra as re­gras da dis­cussão e exe­cução do Or­ça­mento do Es­tado (OE).

À bo­leia do ajuste de prazos para a im­ple­men­tação da LEO de 20151, o Go­verno co­locou na pro­posta de lei di­versos as­pectos que con­si­de­ramos ina­cei­tá­veis.

A prin­cipal crí­tica apre­sen­tada pelo PCP prende-se com a in­tenção do Go­verno de con­di­ci­onar a dis­cussão or­ça­mental na As­sem­bleia da Re­pú­blica (AR). Por exemplo, a pro­posta previa que as pro­postas apre­sen­tadas em sede de Or­ça­mento do Es­tado, com po­ten­cial im­pacto su­pe­rior a 0,01% da des­pesa (9 mi­lhões de euros) pas­savam a ser pre­ce­didas de um es­tudo téc­nico, ela­bo­rado pela UTAO2, que “ins­trui a to­mada de de­cisão” e que in­cluía a in­di­cação da cor­res­pon­dente re­ceita, “num quadro de neu­tra­li­dade or­ça­mental3.

Além disso, a pro­posta re­for­çava as atri­bui­ções do Con­selho de Fi­nanças Pú­blicas (CFP), or­ga­nismo criado pelo Go­verno PSD/​CDS para jus­ti­ficar a sua po­lí­tica de terra quei­mada pa­tro­ci­nada pela troika, e que a co­berto de uma su­posta in­de­pen­dência, tem ser­vido para dar co­ber­tura a op­ções de fundo da po­lí­tica de di­reita que os go­vernos do PS pros­se­guiram.

A im­po­sição do «es­tudo téc­nico», pela UTAO, e o re­forço das atri­bui­ções do CFP, vão no sen­tido de afastar o de­bate or­ça­mental da sua di­mensão po­lí­tica e torná-lo cada vez mais um de­bate téc­nico, as­sente em pa­re­ceres e es­tudos de en­ti­dades que não têm a le­gi­ti­mi­dade de­mo­crá­tica con­fe­rida pelo voto. Sa­bemos que tem sido essa a linha ori­en­ta­dora das po­lí­ticas neo-li­be­rais: em vez de op­ções po­lí­ticas, apre­senta-se os cortes nos sa­lá­rios, o baixo in­ves­ti­mento pú­blico, a ob­sessão pelo dé­fice, etc. como ine­vi­ta­bi­li­dades tec­no­crá­ticas das mentes bri­lhantes de al­guns eco­no­mistas e das fa­mosas fo­lhas de Excel (nem sempre fiá­veis)4.

O PS e o PSD ali­nharam-se na dis­cussão, em es­pe­ci­a­li­dade, da LEO. Por pro­posta do PSD, apro­vada pelo PS, saiu da Lei o “es­tudo prévio” a todas as pro­postas… mas o que ficou não deixa de ser pre­o­cu­pante. Cada par­tido passa a poder pedir à UTAO es­tudos sobre o im­pacto das pro­postas or­ça­men­tais de ou­tros par­tidos, com um li­mite que varia con­so­ante o nú­mero de de­pu­tados (be­ne­fi­ci­ando assim PS e PSD em de­tri­mento de todos os ou­tros). Com este novo ex­pe­di­ente, pre­tende-se mais uma vez as­sentar o de­bate or­ça­mental nos es­tudos de uma uni­dade téc­nica que – me­re­cendo o nosso res­peito – não deve passar a ser o centro do de­bate po­lí­tico, em sede de OE.

É im­por­tante não es­quecer que estas al­te­ra­ções surgem num mo­mento em que já se vinha re­gis­tando ten­ta­tivas de con­di­ci­onar a ini­ci­a­tiva dos par­tidos, no­me­a­da­mente no quadro do Or­ça­mento Su­ple­mentar para 2020, em que o Go­verno e o PS ten­taram (ma­lo­gra­da­mente, por en­quanto) con­di­ci­onar as pro­postas dos par­tidos à cha­mada «lei-travão».

São vá­rios os si­nais da con­ver­gência entre PS e PSD para con­di­ci­onar o de­bate po­lí­tico, em par­ti­cular do OE, com a im­por­tância que este do­cu­mento tem. Es­te­jamos atentos aos pró­ximos de­sen­vol­vi­mentos, já no OE 2021.

___________

1 “nova LEO” foi criada em 2015. Na al­tura, o Go­verno PSD/​CDS co­locou três anos como prazo para cum­prir as al­te­ra­ções, o que era ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­ente. Por isso, em 2018 e agora em 2020 foram feitas novas al­te­ra­ções à LEO, pro­lon­gando o prazo para a sua apli­cação, desta feita até 2023.

2 UTAO – Uni­dade Téc­nica de Apoio Or­ça­mental, or­ga­nismo que fun­ciona junto da AR

3 Pro­posta de Lei n.º 37/​XIV/​1.ª (GOV) – Al­tera a Lei de En­qua­dra­mento Or­ça­mental

4PÚBLICO, 18/​04/​2013 – “Vítor Gaspar e Carlos Costa ci­taram es­tudo com erro no Excel para de­fender corte na dí­vida"




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