O Chega que está chegando

Correia da Fonseca

No prin­cípio era apenas um te­le­co­men­tador des­por­tivo que vinha dos ar­re­dores de Lisboa, de gra­vata en­car­nada has­teada, para al­guns da­queles fra­go­rosos em­bates ver­bais que talvez apai­xonem muitos te­les­pec­ta­dores e talvez fas­ti­diem muitos ou­tros. De sú­bito, porém, a gra­vata trans­mutou-se de sinal de opção des­por­tiva para afir­mação po­lí­tica, e assim nasceu mais um par­tido que logo teve pre­sença par­la­mentar. A pre­sença era a mí­nima, mas esse dado quan­ti­ta­tivo não deve levar nin­guém a su­bes­timar o fe­nó­meno: há neste mundo muita coisa que não é de medir aos palmos, e até po­demos citar um exemplo que in­fe­liz­mente está muito na moda: o co­ro­na­vírus é pe­que­nís­simo e con­tudo está a dar pre­o­cu­pa­ções enormes. Não de­morou muito tempo até que o Chega, ou mais exac­ta­mente o seu in­ventor e pro­pri­e­tário, vi­esse ex­plicar ao país e ao mundo os seus gostos e não-gostos: o Chega não gosta desta Re­pú­blica, desta De­mo­cracia, desta Cons­ti­tuição, e ainda que su­ma­ri­a­mente até se aplicou a ex­plicar os seus gostos. Não houve sur­presas: o Chega tre­sanda a 1926 e 1933, não se po­dendo dizer que esses são aromas mo­dernos.

Iden­ti­ficar o vírus

De então para cá, e sem que te­nhamos a pre­sunção de uma con­tagem me­tó­dica e ri­go­rosa, é pos­sível ar­riscar a afir­mação de que o Chega tem tido cres­cente nú­mero de pre­senças te­le­vi­sivas quer por sim­ples re­fe­rên­cias in­for­ma­tivas que por apon­ta­mentos de re­por­tagem co­lhidos em plena AR, e é claro que esse facto é um im­por­tante apoio pro­mo­ci­onal. Será pos­sível pon­derar que a pró­pria fi­gura de Ven­tura tem uma dose de ri­dí­culo que pode des­va­lo­rizá-lo, mas não con­fi­emos muito nisso: ri­dí­culo era o Adolfo de bi­gode pa­tusco a beber cer­veja numa cer­ve­jaria de Mu­nique e deu no que deu, com perdão da com­pa­ração ex­ces­siva. Para além disso, a mesma te­le­visão e os “media” em geral cul­tivam in­ten­sa­mente a in­for­mação as­sus­ta­dora quando não alar­mante, abundam nas des­graças que atraem aten­ções, e por essa via apelam ta­ci­ta­mente à che­gada de al­guém «que ponha as coisas na ordem». É o clima que qual­quer Ven­tura de gra­vata ade­qua­da­mente co­lo­rida pode de­sejar. Não va­lerá a pena temer, mas va­lerá sempre a pena iden­ti­ficar o vírus.




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