Anotações sobre os cem anos de luta do PCP pela paz e o desarmamento

PRINCÍPIOS A opo­sição à guerra im­pe­ri­a­lista e a de­fesa da paz e do de­sar­ma­mento acom­pa­nham todo o per­curso do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, que desde cedo se afirmou como prin­cipal im­pul­si­o­nador deste de­ci­sivo com­bate, in­se­rido na luta mais geral pela li­ber­dade, a de­mo­cracia e o so­ci­a­lismo.

A luta pela paz aponta ao cerne do im­pe­ri­a­lismo, sendo um as­pecto cen­tral da luta de classes

Lusa

A luta pela paz, contra o im­pe­ri­a­lismo e a guerra, é uma com­po­nente in­trín­seca da iden­ti­dade dos co­mu­nistas desde a origem do seu mo­vi­mento au­tó­nomo: a traição da II In­ter­na­ci­onal e da ge­ne­ra­li­dade dos seus des­ta­ca­mentos face ao de­fla­grar da Pri­meira Guerra Mun­dial (uma tí­pica guerra im­pe­ri­a­lista de ra­pina) con­sumou a di­visão que há muito se vinha agra­vando entre re­for­mistas e re­vo­lu­ci­o­ná­rios, entre o que daí por di­ante se­riam os mo­vi­mentos so­cial-de­mo­crata e co­mu­nista.

A cri­ação, nos pri­meiros anos do pós-guerra, de par­tidos co­mu­nistas em todo o mundo – e também em Por­tugal – teve, assim, na opo­sição à guerra im­pe­ra­lista um re­le­vante traço iden­ti­tário. Uma das cé­le­bres 21 con­di­ções de adesão à In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista es­tava re­la­ci­o­nada pre­ci­sa­mente com esta questão.

Pro­fun­da­mente li­gada à so­li­da­ri­e­dade com os povos que se batem pela so­be­rania, o pro­gresso, a li­ber­tação na­ci­onal e a eman­ci­pação so­cial, a luta pela paz aponta ao cerne do im­pe­ri­a­lismo, que tem na guerra um dos seus prin­ci­pais ins­tru­mentos de do­mi­nação: é, por isso, um dos as­pectos cen­trais da luta de classes na época con­tem­po­rânea.

No úl­timo sé­culo, e par­ti­cu­lar­mente após a Se­gunda Guerra Mun­dial e os bom­bar­de­a­mentos ató­micos norte-ame­ri­canos sobre Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui, po­de­rosas mo­vi­men­ta­ções de massas de ex­pressão mun­dial tra­varam o passo aos ím­petos mais be­li­cistas do im­pe­ri­a­lismo, im­pondo-lhe li­mites e mesmo der­rotas. Os co­mu­nistas as­sumem um papel de­ter­mi­nante nessas mo­vi­men­ta­ções.

Desde o pri­meiro dia

A de­fesa da paz e a re­cusa da guerra im­pe­ri­a­lista acom­pa­nham a acção do PCP desde o pri­meiro dia. Logo em 1925, O Co­mu­nista aler­tava para o «es­tado de paz ar­mada» que então se vivia, que se as­se­me­lhava «ex­tra­or­di­na­ri­a­mente à guerra de po­si­ções, de trin­cheiras». Desde o ar­mis­tício de 1918, acres­cen­tava, «ainda os ca­nhões não des­can­saram um mo­mento», quer em con­flitos (mais ou menos la­tentes) entre po­tên­cias im­pe­ri­a­listas quer entre estas e o des­pertar dos povos co­lo­ni­zados ou do­mi­nados, so­bre­tudo na Ásia. Os anos se­guintes com­pro­va­riam dra­ma­ti­ca­mente estas aná­lises dos co­mu­nistas por­tu­gueses, que pouco de­pois ve­riam o seu Par­tido proi­bido, a sua or­ga­ni­zação du­ra­mente ata­cada, as suas sedes e a sua im­prensa en­cer­radas.

Nos anos de chumbo da as­censão do fas­cismo, em Por­tugal como um pouco por todo o mundo, o PCP (ac­tu­ando já na clan­des­ti­ni­dade) mo­bi­liza-se e mo­bi­liza contra o golpe fas­cista em Es­panha, que pre­tendia afogar em sangue a Re­pú­blica. Em Ja­neiro de 1937, o Avante! ti­tu­lava «contra a guerra e o fas­cismo», re­a­fir­mando a so­li­da­ri­e­dade ao povo es­pa­nhol e de­nun­ci­ando a cum­pli­ci­dade do fas­cismo por­tu­guês com os mi­li­tares su­ble­vados de Franco, apoi­ados mi­li­tar­mente pela Ale­manha nazi e a Itália fas­cista.

A so­li­da­ri­e­dade do PCP aos an­ti­fas­cistas es­pa­nhóis (e, em pri­meiro lugar, aos co­mu­nistas) foi cons­tante e pro­longou-se para lá da vi­tória fran­quista, ex­pres­sando-se na acção pró­pria do Par­tido e igual­mente pela acção dos seus mi­li­tantes em or­ga­ni­za­ções uni­tá­rias, como a Secção Por­tu­guesa do So­corro Ver­melho In­ter­na­ci­onal, a Liga contra a Guerra e o Fas­cismo ou a As­so­ci­ação Fe­mi­nina Por­tu­guesa para a Paz. Não poucos co­mu­nistas por­tu­gueses com­ba­teram de armas na mão pela Re­pú­blica Es­pa­nhola.

Após a re­or­ga­ni­zação de 1940-41, e à me­dida que se afir­mava como uma grande força na­ci­onal e van­guarda da re­sis­tência an­ti­fas­cista, o PCP acom­pa­nhou os feitos he­róicos do Exér­cito Ver­melho e expôs a co­la­bo­ração efec­tiva do fas­cismo por­tu­guês com Hi­tler: «En­quanto o nazi Sa­lazar se en­costa à In­gla­terra, os gé­neros vão para a Ale­manha» (Avante!, Jun. 44). Con­su­mada a Vi­tória sobre o nazi-fas­cismo, em Maio, apela à luta para der­rubar a di­ta­dura – que, ga­rante, não cairia por si só – e as­sume um papel de­ter­mi­nante nas jor­nadas da vi­tória, que trazem mi­lhares para as ruas do País, com ban­deiras das na­ções ali­adas e paus nus sim­bo­li­zando o proi­bido es­tan­darte so­vié­tico.

Uma luta de­ci­siva

É so­bre­tudo no pós-guerra, e par­ti­cu­lar­mente a partir de 1950, que a luta pela paz ganha pre­pon­de­rância na acção do PCP. A ofen­siva lan­çada pelo im­pe­ri­a­lismo para travar e in­verter o im­pe­tuoso mo­vi­mento li­ber­tador que se se­guiu à der­rota do nazi-fas­cismo, ex­pressa na Guerra Fria, con­feriu-lhe uma es­pe­cial pre­mência. A Era Nu­clear, inau­gu­rada em Agosto de 1945 com os bom­bar­de­a­mentos norte-ame­ri­canos sobre as ci­dades ja­po­nesas de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui, acres­centou-lhe ur­gência.

A proi­bição das armas nu­cle­ares, a opo­sição à par­ti­ci­pação de Por­tugal na NATO e a de­núncia da guerra contra o povo da Co­reia (e pouco de­pois, da In­do­china) e os su­ces­sivos alertas contra a agressão à União So­vié­tica que es­taria a ser pre­pa­rada pelos cír­culos mais agres­sivos do im­pe­ri­a­lismo foram causas im­pul­si­o­na­doras de uma acção co­e­rente e com­ba­tiva pela paz, que en­volveu o PCP e di­versas or­ga­ni­za­ções semi-le­gais – como o Mo­vi­mento Na­ci­onal para a De­fesa da Paz, o MUD Ju­venil, o Mo­vi­mento Na­ci­onal De­mo­crá­tico ou a já re­fe­rida As­so­ci­ação Fe­mi­nina Por­tu­guesa para a Paz –, sobre as quais re­caiu uma feroz re­pressão.

A re­colha de as­si­na­turas para o Apelo de Es­to­colmo, contra as armas nu­cle­ares, e para o Apelo por um Pacto de Paz entre as Grandes Po­tên­cias, ambos lan­çados pelo mo­vi­mento mun­dial da paz criado nesses anos, ti­veram ex­pressão em Por­tugal graças ao em­penho dos co­mu­nistas e dos que ao seu lado lu­tavam.

Nos pri­meiros anos do pós-guerra, a luta pela paz as­sumia em Por­tugal uma im­por­tância adi­ci­onal. Com a der­rota dos seus ali­ados ide­o­ló­gicos na Se­gunda Guerra Mun­dial, o fas­cismo por­tu­guês pro­curou apoio in­ter­na­ci­onal nos EUA e no bloco an­ti­co­mu­nista por estes he­ge­mo­ni­zado, in­te­grando in­clu­si­va­mente o nú­cleo res­trito de fun­da­dores da NATO. A de­núncia da «po­lí­tica de guerra de Sa­lazar», que ca­na­li­zava cres­centes re­cursos do País para ar­ma­mento e com­pro­missos in­ter­na­ci­o­nais com a NATO, torna-se um ar­gu­mento su­ple­mentar para a luta an­ti­fas­cista. Em Julho de 1950, O Mi­li­tante apon­tava o ca­minho a tri­lhar pelos co­mu­nistas: «Co­or­denar a luta pelas rei­vin­di­ca­ções eco­nó­micas dos tra­ba­lha­dores e a de­fesa da paz é a ta­refa da hora pre­sente.»

Nas dé­cadas de 60 e 70, foi so­bre­tudo o de­sar­ma­mento e de­sa­nu­vi­a­mento in­ter­na­ci­onal, o Vi­et­name e a luta dos povos das co­ló­nias por­tu­guesas a mo­bi­lizar a acção do PCP em prol da paz. O apoio dos co­mu­nistas por­tu­gueses à luta li­ber­ta­dora dos pa­tri­otas afri­canos foi amplo e mul­ti­fa­ce­tado, indo da so­li­da­ri­e­dade po­lí­tica cons­tante ao apoio à cons­ti­tuição e im­plan­tação dos mo­vi­mentos de li­ber­tação. A Acção Re­vo­lu­ci­o­nária Ar­mada (ARA) di­rigia as suas ac­ções à má­quina de guerra fas­cista.

Em 1965, o Pro­grama do PCP para a Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal, que Abril cum­priria nas suas li­nhas fun­da­men­tais, ins­crevia como ob­jec­tivos fun­da­men­tais para essa etapa his­tó­rica «li­bertar Por­tugal do Im­pe­ri­a­lismo», «re­co­nhecer e as­se­gurar aos povos das co­ló­nias por­tu­guesas o di­reito à ime­diata in­de­pen­dência» e «se­guir uma po­lí­tica de paz e ami­zade com todos os povos».

A Re­vo­lução de Abril põe fim às ope­ra­ções mi­li­tares na guerra co­lo­nial, es­ta­be­lece-se a paz e avança o pro­cesso de des­co­lo­ni­zação.

Es­ta­be­le­ceram-se novas re­la­ções entre os povos de Por­tugal e das an­tigas co­ló­nias por­tu­guesas.

A Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa – a Cons­ti­tuição de Abril – viria a con­sa­grar no seu ar­tigo 7.º a paz, o de­sar­ma­mento e a dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­tares, prin­cí­pios que se mantêm mesmo de­pois de vá­rias re­vi­sões des­ca­rac­te­ri­za­doras.

Causa do pre­sente e do fu­turo

O de­sa­pa­re­ci­mento da União So­vié­tica e do campo so­ci­a­lista eu­ropeu, nos úl­timos anos do sé­culo XX, pro­vocou um sú­bito e acen­tuado de­se­qui­lí­brio na cor­re­lação de forças à es­cala mun­dial, em favor do im­pe­ri­a­lismo. A NATO, ao invés de de­sa­pa­recer, alargou o seu âm­bito ge­o­grá­fico e campo de ac­tu­ação. As guerras de agressão su­ce­deram-se: Iraque, 1990; Ju­gos­lávia, 1999; Afe­ga­nistão, 2001; Iraque, 2003; Líbia e Síria, 2011. Ao con­trário de ou­tros, que su­cum­bindo à pro­gra­ganda das guerras hu­ma­ni­tá­rias, da luta contra o ter­ro­rismo ou da de­fesa dos di­reitos hu­manos, o PCP não deixou nunca de de­nun­ciar o ca­rácter im­pe­ri­a­lista destas agres­sões e de mo­bi­lizar para a de­fesa da paz.

À en­trada da ter­ceira dé­cada do sé­culo XXI, o ca­pi­ta­lismo res­ponde à pro­funda crise sis­té­mica em que se en­contra en­re­dado, que afecta par­ti­cu­lar­mente o centro do sis­tema, com a fór­mula de sempre: o au­mento da ex­plo­ração e a ameaça do fas­cismo e da guerra. O im­pe­ri­a­lismo, par­ti­cu­lar­mente o norte-ame­ri­cano, ca­na­liza cres­centes re­cursos para ar­ma­mentos cada vez mais so­fis­ti­cados; ins­tala tropas, bases e ins­ta­la­ções mi­li­tares em todo o mundo, desde logo em redor da Fe­de­ração Russa e da Re­pú­blica Po­pular da China; mi­li­ta­riza as re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais, assim como o Cosmos e o ci­be­res­paço; de­ses­ta­bi­liza países e re­giões, im­pondo san­ções e blo­queios; aban­dona im­por­tantes tra­tados de con­trolo ar­ma­men­tista. Face a esta po­de­rosa e mul­ti­fa­ce­tada ofen­siva, os povos re­sistem, a he­ge­monia do im­pe­ri­a­lismo é de­sa­fiada e abrem-se con­tra­di­ções no pró­prio campo im­pe­ri­a­lista.

A luta pela paz, contra o fas­cismo, o im­pe­ri­a­lismo e a guerra, as­sume no­va­mente uma grande cen­tra­li­dade na acção do Par­tido, que co­loca uma po­lí­tica ex­terna de paz e co­o­pe­ração, res­pei­ta­dora Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­gesa e da Carta das Na­ções Unidas, como as­pecto cen­tral da de­mo­cracia avan­çada de na­tu­reza an­ti­mo­no­po­lista e anti-im­pe­ri­a­lista, que propõe ao povo por­tu­guês. No seu Pro­grama Uma De­mo­cracia Avan­çada – Os Va­lores de Abril no Fu­turo de Por­tugal de­fende, entre ou­tros im­por­tantes as­pectos, o «avanço do pro­cesso de de­sar­ma­mento, a dis­so­lução da NATO e a des­mi­li­ta­ri­zação da União Eu­ro­peia, a cri­ação de um sis­tema de se­gu­rança co­lec­tivo que res­peite e as­se­gure a so­be­rania dos Es­tados e a livre opção dos povos».