Líbano

Pedro Guerreiro

Povo li­banês pre­cisa de so­li­da­ri­e­dade, não de pres­sões e chan­ta­gens

A brutal ex­plosão ocor­rida no porto de Bei­rute – cujas cir­cuns­tân­cias não estão ainda to­tal­mente es­cla­re­cidas – e as suas dra­má­ticas e pro­fundas con­sequên­cias aba­laram o Lí­bano num mo­mento em que este país se de­bate com uma pre­o­cu­pante e per­sis­tente crise eco­nó­mica, à qual se acresce o im­pacto do surto de COVID-19.

A des­truição cau­sada pela ex­plosão e os am­plos pro­blemas que criou e que exigem ur­gente re­so­lução estão a ser uti­li­zados, em es­pe­cial, pelos EUA e pela França – an­tiga po­tência co­lo­nial – para in­cre­men­tarem a sua po­lí­tica de in­ge­rência contra o Lí­bano, com a ac­tiva cum­pli­ci­dade de sec­tores e forças po­lí­ticas li­ba­nesas, sendo uns e ou­tros, afinal, os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pelos graves pro­blemas com que o povo li­banês se tem con­fron­tado ao longo de dé­cadas.

O Lí­bano está na en­cru­zi­lhada do Médio Ori­ente, so­frendo di­recta e in­di­rec­ta­mente a acção do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano e dos seus ali­ados, par­ti­cu­lar­mente de Is­rael, nesta re­gião. Re­corde-se que o Lí­bano so­freu di­versas in­ter­ven­ções mi­li­tares dos EUA e de Is­rael – que chegou a ocupar mi­li­tar­mente o Sul do Lí­bano (1982-2000) –, imis­cuindo-se na sua si­tu­ação in­terna, in­cluindo du­rante o longo pe­ríodo de guerra civil (1975-1990) que mar­ti­rizou aquele país. Ac­tu­al­mente, em re­sul­tado da agressão e ocu­pação dos ter­ri­tó­rios pa­les­ti­ni­anos por Is­rael e da agressão dos EUA e seus ali­ados à Síria, estão re­gis­tados cerca de 475 mil re­fu­gi­ados pa­les­ti­ni­anos no Lí­bano e es­tima-se que este país acolha cerca de 1 mi­lhão de re­fu­gi­ados sí­rios.

O im­pe­ri­a­lismo não perdoa o po­si­ci­o­na­mento so­be­rano de au­to­ri­dades e forças pa­trió­ticas do Lí­bano e a per­se­ve­rante so­li­da­ri­e­dade de forças po­lí­ticas li­ba­nesas para com a re­sis­tência do povo pa­les­ti­niano e do povo sírio face à agressão e ocu­pação.

Os EUA têm de­sen­vol­vido, com a cum­pli­ci­dade da França, uma des­ca­rada acção de in­ge­rência e chan­tagem, in­cluindo com a im­po­sição de san­ções, atin­gindo gra­ve­mente o sis­tema fi­nan­ceiro e a eco­nomia do Lí­bano, ten­tando assim de­ter­minar a po­lí­tica do País dos Ce­dros, in­cluindo com a exi­gência do fim da par­ti­ci­pação do Hez­bollah no Go­verno li­banês – força po­lí­tica que teve um papel de­ter­mi­nante na der­rota da agressão is­ra­e­lita contra o Lí­bano, em 2006, e que apoia ac­ti­va­mente e no ter­reno a Síria face à agressão.

De forma cí­nica, os prin­ci­pais res­pon­sá­veis (in­ternos e ex­ternos) pela grave si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial no Lí­bano, pro­curam uti­lizar o drama vi­vido pelo povo li­banês e ins­tru­men­ta­lizar le­gí­timas rei­vin­di­ca­ções e an­seios po­pu­lares – no­me­a­da­mente quanto à me­lhoria das con­di­ções de vida, ao com­bate à cor­rupção sis­té­mica e ao fim do ana­cró­nico sis­tema con­fes­si­onal li­banês –, jul­gando es­tarem cri­adas as con­di­ções para le­varem ainda mais longe a sua agenda con­trária aos di­reitos e in­te­resses do povo li­banês. Se os EUA efec­ti­va­mente de­se­jassem apoiar o Lí­bano, bas­taria que le­van­tassem as san­ções fi­nan­ceiras que im­pu­seram contra este país, por este se re­cusar a romper os seus laços com a Síria.

So­li­da­ri­e­dade não é in­ge­rência. O povo li­banês ne­ces­sita de so­li­da­ri­e­dade face à sua di­fícil si­tu­ação, não de pres­sões e chan­ta­gens. São com­plexos e pro­fundos os pro­blemas com que o povo li­banês se con­fronta, a sua su­pe­ração exige o res­peito pela sua so­be­rania e pelo seu di­reito ao de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e pro­gresso so­cial.




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