O direito a criar e a fruir da cultura, uma luta de agora e de sempre

APOIAR O PCP es­teve reu­nido no dia 15, com pro­du­tores, re­a­li­za­dores e téc­nicos de ci­nema para dis­cutir a si­tu­ação geral do ci­nema em Por­tugal e os pro­blemas dos seus tra­ba­lha­dores e afirmar so­lu­ções e pro­postas para o sector e seus pro­fis­si­o­nais.

«O Go­verno não acom­panha uma visão mais avan­çada da im­por­tância do ci­nema em Por­tugal»

A cul­tura é um dos pi­lares do re­gime de­mo­crá­tido do País, ins­crito na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa. No en­tanto, dé­cadas de po­lí­tica de di­reita des­vir­tu­aram este ob­jec­tivo: o ce­nário do sector cul­tural em Por­tugal, onde também se en­quadra o ci­nema, foi mar­cado pela falta de in­ves­ti­mento e de apoios e pela ins­ta­bi­li­dade, pre­ca­ri­e­dade e in­cer­teza para quem nele la­bora e faz a sua vida.

Como re­alçou Je­ró­nimo de Sousa, um dos pro­pó­sitos da­quela sessão foi co­nhecer me­lhor a re­a­li­dade que se vive na­quela área cul­tural, mas também di­vulgar e de­bater a acção do PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica (AR), em torno da arte do ci­nema e das suas es­pe­ci­fi­ci­dades, mas também da cul­tura no seu geral. No en­contro, par­ti­ci­param também Jorge Pires, da Co­missão Po­lí­tica, e Mi­guel So­ares, do Co­mité Cen­tral.

O Se­cre­tário-geral, na sua in­ter­venção, co­meçou por la­mentar o do­mínio mo­no­po­lista dos grandes grupos eco­nó­micos pri­vados na dis­tri­buição ci­ne­ma­to­grá­fica. «Acen­tuou-se o es­tran­gu­la­mento da dis­tri­buição», afirmou, acres­cen­tando que apenas um o grupo eco­nó­mico detém quase a to­ta­li­dade das salas de ci­nema do País, es­pe­ci­al­mente nos grandes cen­tros ur­banos. Desta forma, a grande dis­tri­buição do ci­nema, que é as­se­gu­rada «por um dos mai­ores ope­ra­dores de te­le­visão por cabo», ex­clui «uma parte sig­ni­fi­ca­tiva do País, con­fi­gura e pro­move o con­sumo mas­sivo de pro­dutos norte-ame­ri­canos, mar­gi­na­li­zando ou­tras ori­gens, lin­gua­gens e es­té­ticas».

A par desta dis­tri­buição ci­ne­ma­to­grá­fica de­fi­ci­ente e da au­sência e en­fra­que­ci­mento de po­lí­ticas pú­blicas, para o PCP existe também uma «gri­tante in­su­fi­ci­ência» de verbas e re­cursos hu­manos no Ins­ti­tuto do Ci­nema Au­di­o­vi­sual, na Ci­ne­ma­teca e no Ar­quivo Na­ci­onal da Imagem em Mo­vi­mento.

Assim, o acesso ao ci­nema por­tu­guês, que é re­co­nhe­cido in­ter­na­ci­o­nal­mente em vá­rios fes­ti­vais e com­pe­ti­ções, em Por­tugal acaba por ser «pra­ti­ca­mente im­pos­sível».

O con­junto de con­di­ções que li­mitam a cir­cu­lação do ci­nema por­tu­guês não ter­minam aqui. Se­gundo Je­ró­nimo de Sousa, também as di­rec­tivas e im­po­si­ções da União Eu­ro­peia (UE) têm in­fluência nesta questão. Para o PCP, as li­nhas po­lí­ticas de sub­missão de­sen­vol­vidas pela UE au­xi­liam o pro­cesso de perda de so­be­rania do País e da cul­tura na­ci­onal.

Para os co­mu­nistas, é fun­da­mental de­fender a pro­dução na­ci­onal, o que in­clui, de igual forma, a pro­dução cul­tural e ci­ne­ma­to­grá­fica.

Pan­demia agravou si­tu­ação

«A si­tu­ação la­boral e so­cial de ar­tistas e tra­ba­lha­dores da cul­tura re­flecte duas li­nhas ori­en­ta­doras da po­lí­tica se­guida ao longo de dé­cadas», co­meçou o di­ri­gente co­mu­nista por afirmar quando voltou a sua atenção para o ce­nário la­boral ne­ga­tivo das vá­rias pro­fis­sões e ocu­pa­ções na área do ci­nema.

«As me­didas que foram to­madas pelo Go­verno para des­man­telar a ad­mi­nis­tração pú­blica teve re­flexos sig­ni­fi­ca­tivos num sector que dis­punha já de re­cursos muito li­mi­tados», acres­centou ainda.

Se, na es­tru­tura do Es­tado, os tra­ba­lha­dores e os vá­rios or­ga­nismos vivem o dia-a-dia com di­versas li­mi­ta­ções, no sector pri­vado o quadro não é mais po­si­tivo. «A si­tu­ação la­boral [no sector pri­vado] é mar­cada pela pre­ca­ri­e­dade, pela in­cer­teza quanto ao fu­turo, por ho­rá­rios longos e des­re­gu­lados, por sa­lá­rios que não va­lo­rizam as pro­du­ções ar­tís­ticas e as suas es­pe­ci­fi­ci­dades e pela pers­pec­tiva da si­tu­ação de mi­séria para al­guns quando ter­minam a sua car­reira ar­tís­tica». Je­ró­nimo de Sousa acres­centou ainda que uma grande parte destes tra­ba­lha­dores «estão su­jeitos a re­cibos verdes».

Se­gundo o di­ri­gente co­mu­nista, a pan­demia apenas tornou mais clara a re­a­li­dade destes tra­ba­lha­dores. A sus­pensão, a pa­ragem, o adi­a­mento e con­se­quente não pa­ga­mento dos sa­lá­rios con­denou cen­tenas de tra­ba­lha­dores do sector a «si­tu­a­ções so­ciais dra­má­ticas».

Visão avan­çada

No final do mo­mento de dis­cussão, Je­ró­nimo de Sousa voltou a in­tervir para re­a­lizar um ponto de si­tu­ação da pro­fícua troca de im­pres­sões que ali tomou lugar (ver caixa). Para o Se­cre­tário-geral, o Go­verno do PS não acom­panha uma visão mais avan­çada da im­por­tância do ci­nema e e da cul­tura em Por­tugal. «Não se nota na­quele Go­verno von­tade de con­cre­tizar aquilo que andam a pro­clamar», afirmou.

O di­ri­gente co­mu­nista va­lo­rizou também a luta tra­vada pelos muitos tra­ba­lha­dores da cul­tura que per­mitiu «pe­quenos acrés­cimos or­ça­men­tais», o que, para ele, pode ser con­si­de­rado «uma ex­pe­ri­ência, uma lição e um en­si­na­mento».

«Po­demos afirmar que a cul­tura tem sido trans­for­mada num pa­rente pobre do nosso re­gime de­mo­crá­tico, apesar de estar con­sa­grado como ver­tente fun­da­mental desse mesmo re­gime», afirmou, antes de con­cluir.

Os pro­blemas na cul­tura
e no ci­nema estão iden­ti­fi­cados

De­pois de al­gumas notas in­tro­du­tó­rias por Je­ró­nimo de Sousa, os tra­ba­lha­dores, pro­du­tores e téc­nicos do sector do ci­nema que par­ti­ci­param na­quela sessão, ti­veram a opor­tu­ni­dade de dar a co­nhecer os seus pro­blemas e as suas pro­postas para aquela área.

«O Ins­ti­tuto do Ci­nema e do Au­di­o­vi­sual diz que tem pouca gente, mas de­pois faz um con­curso com a Net­flix» – Marta Ma­teus, re­a­li­za­dora

«O Ins­ti­tuto do Ci­nema e do Au­di­o­vi­sual está de­pen­dente dos seus re­cursos e os seus re­cursos são os das grandes em­presas» – Fer­nando Ven­drell, ci­ne­asta

«A As­so­ci­ação Por­tu­guesa de Re­a­li­za­dores não se iden­ti­fica com uma po­lí­tica cujas obri­ga­ções fis­cais da Net­flix, HBO ou Amazon servem para fi­nan­ciar as suas pró­prias pro­du­ções» – João Ni­colau, re­a­li­zador, As­so­ci­ação Por­tu­guesa de Re­a­li­za­dores

«As salas de ci­nema foram muito afec­tadas pela pan­demia. Após o COVID só abriu logo uma sala em Lisboa e outra no Porto. As grandes salas não qui­seram abrir porque es­tavam a contar com os filmes ame­ri­canos e não os ti­nham» – Pedro Borges, pro­dutor

«É pre­ciso dis­cutir o Plano Na­ci­onal de Ci­nema» – Te­resa Garcia, ci­ne­asta

«Não há ne­nhum plano para a di­gi­ta­li­zação do ci­nema por­tu­guês» – Rui Ma­chado, sub-di­rector da Ci­ne­ma­teca




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