Contributos dos comunistas para a construção do movimento sindical português
EVOCAÇÃO Desde a sua fundação, há quase cem anos, que o PCP é a força política mais destacada na construção, desenvolvimento e organização do movimento sindical português.
O PCP nasceu dos sectores mais combativos do movimento sindical português
Em 1919, o operariado olhava para Revolução de Outubro com expectativa e esperança. Um conjunto de sindicalistas revolucionários cria, neste ano, a Federação Maximalista e o seu jornal Bandeira Vermelha, onde defendem a revolução e divulgam as ideias vindas de Leste.
A precursora iniciativa, com raízes sindicais, traduziu-se, ao contrário do que aconteceu nos restantes países da Europa (onde os partidos comunistas se constituíram a partir de cisões nos partidos sociais-democratas), na fundação do PCP em 1921, por militantes quase todos oriundos das fileiras do sindicalismo revolucionário. Esta originalidade não terá deixado de se fazer sentir numa cultura política que, ao longo do tempo, tem dado especial atenção à organização e acção do movimento sindical.
A primeira reunião da comissão organizadora do PCP realizou-se na sede do Sindicato dos Caixeiros de Lisboa e a que aprovou as suas bases orgânicas provisórias no Sindicato dos Escritórios.
Na década de 1920 coexistem na CGT correntes político-ideológicas revolucionárias, anarquistas e os comunistas em formação. A partir da criação da III Internacional, em 1919, os defensores da Revolução de Outubro vão ganhando influência nos sindicatos. Após o aparecimento do PCP e da Internacional Sindical Vermelha (ISV), em 1921, surgem núcleos de comunistas nos sindicatos. Entre os activistas operários cresce a percepção das diferenças ideológicas e das práticas entre o marxismo-leninismo e o anarquismo e também as divergências e a conflitualidade. A resistência operária ao golpe fascista de 1926 foi fraca.
Reorganização política e sindical
A reorganização do PCP em 1929 impulsionou uma reorganização do movimento sindical, cujos resultados de maior êxito foram a formação de uma federação unitária dos transportes marítimos e terrestres, do forte sindicato dos operários vidreiros, com sede na Marinha Grande.
A 6 de Março de 1930, um grupo de sindicatos recusa-se a integrar os primeiros organismos de natureza corporativa criados por Salazar, as comissões tripartidas para conciliar a conflitualidade gerada com as lutas pelo cumprimento da lei das oito horas de trabalho, de 1919. Numa assembleia realizada no Sindicato do Arsenal da Marinha é formalizada a CIS-Comissão Inter-sindical.
Esta comissão, destinada a coordenar a acção dos sindicatos que defendiam que a luta pelo cumprimento do horário de trabalho devia ser travada nas empresas e não em comissões de conciliação, ganhou força: a CIS adquiriu assim a configuração de central sindical e quando da primeira grande acção de resistência do movimento operário ao fascismo, a greve geral de 18 de Janeiro de 1934, era já mais representativa que a CGT.
Assim que são divulgados os projectos de lei que visavam liquidar os sindicatos, dia 7 de Agosto de 1933, a CIS envia a «toda a organização sindical operária» uma carta a propor uma greve geral contra a lei sindical fascista. A Frente Sindical Única veio a ser formada pela CGT, CIS, FAO e Comissão de Trabalhadores do Estado. A discussão de objectivos, formas de direcção, data e a preparação da greve arrastam a sua realização para o dia 18 de Janeiro de 1934.
A repressão foi de enorme violência. Os grevistas da função pública foram despedidos e os patrões do sector privado receberam ordens do governo para fazerem o mesmo: foram presos de Norte a Sul do País 696 activistas sindicais, 76 antes da greve, 599 no próprio dia e 21 posteriormente. Destes, muitos foram enviados para a Fortaleza de Angra do Heroísmo e, posteriormente, para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde morreram, em 1940 e 1942, Mário Castelhano e Bento Gonçalves, secretários-gerais da CGT e do PCP.
Estar onde estão as massas
Em 1935, estava instalada uma forte controvérsia sobre os caminhos a seguir: trabalhar nos sindicatos corporativos, para que estes defendessem os trabalhadores, ou intervir em sindicatos clandestinos. No PCP, Bento Gonçalves defendia a primeira hipótese e José de Sousa a segunda. A solução do dilema viria a ter o peso da orientação da III Internacional, que, em 1935, sob proposta de Dimitrov, aprova a criação de «frentes populares» entre comunistas e sociais-democratas e «frentes comuns» entre as organizações sindicais para enfrentar o perigo nazi-fascista.
Mesmo assim, a controvérsia continuou. Só a partir da década de 40, em simultâneo com a reorganização do PCP, de 1941/42, o dilema fica resolvido favoravelmente à orientação do Partido: «estar onde estão as massas!» Começam então a surgir os primeiros frutos nos domínios da organização e das lutas reivindicativas.
O PCP desenvolve complexos mecanismos organizativos em que se inserem as suas próprias células nas empresas. Promove e apoia a constituição de Comissões de Unidade nas fábricas e de Comissões de Praça de Jorna nos campos, para organizarem lutas reivindicativas nos locais de trabalho, e Comissões Sindicais nos sindicatos corporativos, com o objectivo de os pressionarem a defender os interesses dos trabalhadores. Organizam-se ainda listas unitárias, aproveitando-se as parcas possibilidades legais.
De forma ilegal, clandestina ou semi-legal e semi-clandestina, todas estas formas unitárias de organização, sob a influência directa ou indirecta do PCP, possibilitam lutas laborais objectivamente inseridas na luta política antifascista e constituem o lastro sobre o qual se desenvolve o movimento sindical unitário.
As grandes manifestações que por todo o País festejam a vitória sobre o nazi-fascismo provocam um abanão na ditadura, que possibilita aos trabalhadores a conquista de cerca 50 direcções da sua confiança, nas eleições sindicais de 1945.
José Vitoriano (que viria a ser um destacado dirigente do PCP), eleito na altura presidente da direcção do Sindicato dos Corticeiros do Algarve, deixa-nos este testemunho: «As eleições sindicais de 1945 marcaram assim uma nova etapa no movimento sindical português. (...) a partir de então podemos dizer que existe um movimento sindical unitário com base nos sindicatos fascistas, movimento esse que viria a sofrer um novo e grande impulso a partir de 1969.»1
Nasce a Intersindical
Com altos e baixos, esta linha organizativa e de acção manteve-se até que um novo e importante surto de greves na década de 60 foi o terreno em que cresceu um segundo grande movimento de conquista de sindicatos corporativos pelos trabalhadores. É ainda no governo de Salazar, em 1966, que uma lista da oposição antifascista ganha as eleições no Sindicato dos Bancários do Porto; em Março de 1968, os trabalhadores elegem direcções democráticas no sindicato dos Bancários de Lisboa.
Em Setembro de 1968, Marcelo Caetano substitui Salazar na chefia do governo e começa a designada primavera marcelista. Seguem-se a vitória da lista unitária no Sindicato da Propaganda Médica e a recusa pelo governo da lista apresentada pelos trabalhadores nos têxteis do Porto, ao mesmo tempo que impõe naquele sindicato uma Comissão Administrativa.
No início de 1969, são eleitas direcções unitárias nos Sindicatos dos Metalúrgicos do Porto e de Braga. Estas conquistas tiveram importância estratégica, dado que foram decisivas para ainfluência da Federação Nacional dos Metalúrgicos com sede em Lisboa e dos três sindicatos dos bancários existentes. São sucessivamente ganhas as direcções dos Caixeiros de Lisboa, dos Lanifícios de Castanheira de Pera, Covilhã, Gouveia e outros. Neste surto de vitórias participaram, agora de modo activo e influente, militantes das organizações sociais da Igreja, ao lado dos comunistas e de trabalhadores sem partido. As comissões de unidade não deixaram de reivindicar salários e direitos nas empresas e, nos sindicatos, criaram-se condições para a realização das grandes assembleias gerais de massas em torno da discussão dos contratos colectivos.
No IV Congresso do PCP, de 1946, José Gregório, no relatório sobre o trabalho sindical apontara a necessidade de no plano sindical se «criar um amplo movimento unificado à escala nacional»2. A resolução para o trabalho sindical aponta as medidas e o caminho para a concretização desse objectivo. Caminho longo, cujo culminar em novo salto na evolução do movimento sindical chegou 24 anos depois.
A primeira reunião intersindical nacional, da iniciativa de quatro sindicatos de Lisboa (Caixeiros, Lanifícios, Metalúrgicos e Bancários) foi feita por convocatória de 1 de Outubro de 1970, enviada a cerca de 30 sindicatos com direcções da confiança dos trabalhadores, para se realizar a 11 do mesmo mês: 1 de Outubro de 1970 fica para história como data da fundação da Intersindical, actual CGTP-Intersindical Nacional, que comemora este ano o seu 50.º aniversário. A ordem de trabalhos desta reunião é significativa: horário de trabalho, contratação colectiva, liberdade de reunião e censura.
Tal como Salazar em 1945, também Marcelo Caetano quis encenar no dealbar da década de 70 um simulacro de democracia. Todavia, mesmo as tímidas medidas «para inglês ver» foram bruscamente interrompidas e substituídas por uma brutal repressão, em Junho de 1971. Vários dirigentes sindicais foram presos, a maioria militantes do PCP, alguns dos sindicatos foram encerrados, a Intersindical foi proibida. Mas a actividade sindical antifascista sindical organizada e coordenada a nível nacional continuou e intensificou-se. A uma semana do 25 de Abril, a Intersindical reunia para preparar o 1 de Maio de 1974.
Revolução e democracia
Através de um comunicado de 26 de Abril, a Inter apoiou o MFA, apresentou ao novo poder e ao patronato as reivindicações dos trabalhadores, levou a cabo acções de massas para as obter, assumiu-se como parte integrante da aliança Povo-MFA e teve papel importante na luta contra a sabotagem económica e na defesa e aprofundamento da democracia.
Sob a sua direcção, os sindicatos corporativos foram todos democratizados em três semanas e criaram-se sindicatos onde o fascismo os proibira: na Administração Pública, Enfermeiros, Correios e Telecomunicações, Agricultura e Pescas.
Face ao aparecimento de múltiplas concepções para a reorganização dos sindicatos, incluindo as que preconizam sindicatos de base religiosa ou partidária e sindicatos nacionais únicos, é mais uma vez o PCP que formula a orientação: «um engodo estruturalista que sacrificasse à reestruturação [sindical] o trabalho de massas teria efeitos profundamente negativos para os trabalhadores e para o movimento sindical.»3 E José Vitoriano, no VII Congresso Extraordinário do PCP, de 1974, volta a alertar […] «É também necessário não se cair na ideia extrema de que tudo está mal. Muitas das estruturas existentes estão em condições de servir a defesa dos interesses dos trabalhadores se por estes bem dirigidos.»
Perante um movimento sindical de classe forte e unido, onde era visível a influência predominante dos comunistas, PS, PSD e CDS iniciaram as primeiras tentativas de divisionismo em 1975, durante a discussão da Lei Sindical, opondo-se aos que defendiam a consagração da central sindical única na lei.
Uma ampla discussão democrática em defesa da unidade e de combate ao divisionismo durante a preparação do Congresso de Todos os Sindicatos, de Janeiro de 1977, reforçou a unidade sindical. Neste congresso participaram 272 sindicatos, empenhando-se na sua concretização as mesmas forças políticas e sociais fundadores da Intersindical, a que se juntaram importantes dirigentes sindicais do PS e de outras forças de esquerda.
O Congresso assumiu a Constituição de 1976 como projecto para Portugal. Alargou a representatividade e consolidou a CGTP-IN, como a grande central sindical dos trabalhadores portugueses, como a designava Álvaro Cunhal.
A divisão sindical provocada por forças estrangeiras e, no plano interno, por PS, PSD e CDS apenas veio a arrastar quatro sindicatos de serviços representativos, que passaram para a UGT, criada artificialmente em 1979.
A matriz sindical estratégica definida no Congresso da Unidade, como também ficou conhecido, com os equilíbrios político-sindicais então estabelecidos, e adaptações às alterações de contexto provocados pela recuperação capitalista, a integração de Portugal na CEE e o impacto do desmoronamento da URSS, continua válida e consistente por ocasião do 50.º aniversário da CGTP-IN.
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1 Vértice nº 68, Setembro/Outubro de 1995 II série
2 O PCP e a Luta Sindical, Edições Avante, Lisboa 1975 p. 75
3 O PCP e a Luta Sindical (II) Edições Avante! Agosto de 2012 p. 33