A corrida às vacinas e a «solidariedade europeia»

João Ferreira

Não passou muito tempo desde o ar­ranque da va­ci­nação anti-Covid nos Es­tados-Mem­bros da UE. A oca­sião serviu para uma in­tensa pro­pa­ganda, que pre­tendeu fazer es­quecer a imagem do «cada-um-por-si» dei­xada aquando da ir­rupção da pan­demia. Agora, com as va­cinas, ga­ran­tiram-nos, se veria como a UE é ver­da­dei­ra­mente es­sen­cial e so­li­dária. Sem ela, afi­an­çaram-nos, ja­mais te­ríamos acesso tão rá­pido às va­cinas.

Nos úl­timos dias, porém, fi­cámos a saber que, afinal, as mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas que a UE fi­nan­ciou, para a pro­dução de va­cinas, se estão a atrasar nos com­pro­missos de en­trega que ha­viam as­su­mido. Estão em causa, por en­quanto, a Pfizer e a As­tra­Ze­neca.

Até agora, os res­pon­sá­veis da Co­missão Eu­ro­peia não re­ve­laram pu­bli­ca­mente a quan­ti­dade de doses em falta, mas se­gundo al­gumas no­tí­cias, as en­tregas serão re­du­zidas para 31 mi­lhões de doses, o que re­pre­senta um corte de 60 por cento, só no pri­meiro tri­mestre deste ano.

Cinco Es­tados-Mem­bros, numa de­cla­ração con­junta, vi­eram já afirmar que estes atrasos são ina­cei­tá­veis e que «minam a cre­di­bi­li­dade da UE», es­tando a adiar a va­ci­nação de grupos de risco e a atrasar a va­ci­nação da po­pu­lação em geral.

Um facto a que não aludem agora os co­men­ta­dores que, por cá, te­ceram loas à UE e à pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, Von der Leyen, aquando do ar­ranque da va­ci­nação, há cerca de um mês, é que os Es­tados-Mem­bros da UE estão a ficar para trás, com­pa­ra­ti­va­mente com ou­tros países, na imu­ni­zação das res­pec­tivas po­pu­la­ções.

Pairam dú­vidas sobre as reais ra­zões do atraso e as de­cla­ra­ções de res­pon­sá­veis da UE não as dis­sipam, pelo con­trário: há quem in­sinue que a pro­dução está a ser des­viada para ou­tros países, mais adi­an­tados no pro­cesso de va­ci­nação (casos do Reino Unido, EUA, Emi­ratos Árabes Unidos, Is­rael). O pre­si­dente do Con­selho Eu­ropeu, Charles Mi­chel, pede «trans­pa­rência» às mul­ti­na­ci­o­nais, na ex­pli­cação deste atraso. En­quanto que res­pon­sá­veis da Co­missão Eu­ro­peia afirmam que «o novo cro­no­grama de en­tregas é ina­cei­tável. A UE quer saber quantas doses foram pro­du­zidas, onde e a quem foram en­tre­gues. As res­postas não têm sido sa­tis­fa­tó­rias até agora». Von der Leyen, porém, con­tinua a de­fender o mo­delo de par­ceria pú­blico-pri­vado criado com as far­ma­cêu­ticas. E vai re­pe­tindo que a va­ci­nação deve ser co­or­de­nada pela Co­missão Eu­ro­peia, su­ge­rindo que os Es­tados-Mem­bros se devem abster de ac­ções uni­la­te­rais, isto ao mesmo tempo que o go­verno do seu país, a Ale­manha, que já tinha fu­rado o plano de ar­ranque con­junto da va­ci­nação, anuncia a compra uni­la­teral de va­cinas à Mo­derna, ou­tras das far­ma­cêu­ticas com as quais a Co­missão Eu­ro­peia ce­le­brou um acordo de fi­nan­ci­a­mento e aqui­sição. Mas a Ale­manha não é caso único.

Pe­rante este quadro, ganha cada vez mais força a ne­ces­si­dade de Por­tugal as­sumir a opção so­be­rana de di­ver­si­ficar a compra de va­cinas au­to­ri­zadas pela Or­ga­ni­zação Mun­dial de Saúde a ou­tras far­ma­cêu­ticas e países, bem como de con­si­derar a pos­si­bi­li­dade de acordos que passem pela pro­dução na­ci­onal dessas va­cinas. Re­corde-se que, a nível mun­dial, foram já de­sen­vol­vidas, ou estão em fase adi­an­tada de de­sen­vol­vi­mento, mais de 270 va­cinas.




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