Criminoso bloqueio

Pedro Guerreiro

A «pressão má­xima» para mudar o go­verno da Ve­ne­zuela viola o prin­cípio da igual­dade so­be­rana dos Es­tados

Pelo seu con­teúdo, os «re­sul­tados pre­li­mi­nares da vi­sita à Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela» (re­a­li­zada de 1 a 12 de Fe­ve­reiro), apre­sen­tados pela «re­la­tora es­pe­cial da ONU sobre o im­pacto das me­didas co­er­civas uni­la­te­rais no exer­cício dos di­reitos hu­manos», re­pre­sentam uma im­por­tante de­núncia do crime contra o povo ve­ne­zu­e­lano que cons­titui o con­junto de me­didas e san­ções im­postas pelos EUA contra a Ve­ne­zuela.

Adop­tadas na sua mai­oria pela Ad­mi­nis­tração Trump – e ver­go­nho­sa­mente se­guidas pela União Eu­ro­peia e al­guns go­vernos, in­cluindo pelo Go­verno por­tu­guês –, as san­ções norte-ame­ri­canas con­fi­guram um de­su­mano blo­queio co­mer­cial, eco­nó­mico e fi­nan­ceiro que, de forma pre­me­di­tada, visa atingir o povo ve­ne­zu­e­lano, pro­mo­vendo me­to­di­ca­mente a de­gra­dação das suas con­di­ções de vida, pro­cu­rando im­pos­si­bi­litar a exis­tência das con­di­ções que possam as­se­gurar o cum­pri­mento dos seus di­reitos.

Re­corde-se o co­lossal saque de ac­tivos do Es­tado ve­ne­zu­e­lano, no valor de mi­lhares de mi­lhões de dó­lares, par­ti­cu­lar­mente dos 1,2 mil mi­lhões de dó­lares do Banco Cen­tral da Ve­ne­zuela re­tidos em Por­tugal. Meios fi­nan­ceiros que, face ao cruel blo­queio im­posto pelos EUA, o Go­verno ve­ne­zu­e­lano pro­cura uti­lizar para dar res­posta às ne­ces­si­dades mais es­sen­ciais do povo ve­ne­zu­e­lano, in­cluindo ali­men­tares e de saúde – tão mais ur­gentes no con­texto da pan­demia de COVID-19 –, e que são ina­cei­ta­vel­mente re­tidos pelo Novo Banco, pe­rante a con­des­cen­dência do Go­verno por­tu­guês.

É sig­ni­fi­ca­tivo que a re­la­tora da ONU en­fa­tize que as san­ções uni­la­te­rais cons­ti­tuem uma vi­o­lação do di­reito in­ter­na­ci­onal e que «o pro­pó­sito anun­ciado da cam­panha de “pressão má­xima” – para mudar o Go­verno da Ve­ne­zuela – viola o prin­cípio da igual­dade so­be­rana dos Es­tados e cons­titui uma in­ter­venção nos as­suntos in­ternos da Ve­ne­zuela»; e que su­blinhe que «o con­ge­la­mento do pa­tri­mónio do Banco Cen­tral da Ve­ne­zuela […] viola os di­reitos so­be­ranos do país e im­pede o seu go­verno efec­tivo de exercer o dever de ga­rantir as ne­ces­si­dades da po­pu­lação».

Re­cor­dando a obri­gação dos Es­tados pe­rante os prin­cí­pios e normas da Carta das Na­ções Unidas e do di­reito in­ter­na­ci­onal – como a não in­ter­venção nos as­suntos in­ternos dos Es­tados –, a re­la­tora da ONU res­salta a inad­mis­si­bi­li­dade de aplicar san­ções ex­tra­ter­ri­to­ri­al­mente e, entre ou­tras im­por­tantes re­co­men­da­ções, «insta o Go­verno dos Es­tados Unidos a pôr fim à emer­gência na­ci­onal em re­lação à Ve­ne­zuela, rever e sus­pender as san­ções contra o sector pú­blico da Ve­ne­zuela, rever e le­vantar san­ções contra ter­ceiros Es­tados e abster-se de impor san­ções ao for­ne­ci­mento de óleo di­esel que pro­vo­quem uma crise hu­ma­ni­tária de pro­por­ções sem pre­ce­dentes»; assim como «insta os Go­vernos do Reino Unido, Por­tugal e dos Es­tados Unidos e os bancos cor­res­pon­dentes a des­con­gelar os ac­tivos do Banco Cen­tral da Ve­ne­zuela».

Face ao su­bli­nhado pela re­la­tora da ONU, vai o Go­verno por­tu­guês con­ti­nuar a ali­nhar com a po­lí­tica adop­tada pela Ad­mi­nis­tração Trump contra a Ve­ne­zuela? Vai o Go­verno por­tu­guês con­ti­nuar a ali­nhar com o cruel blo­queio e saque de ac­tivos, que tão dra­má­ticas con­sequên­cias têm im­posto ao povo ve­ne­zu­e­lano, assim como à co­mu­ni­dade por­tu­guesa que vive na­quele país la­tino-ame­ri­cano?




Mais artigos de: Opinião

Crimes sem castigo

A 30 de Janeiro começou em França o julgamento de várias multinacionais da indústria química (entre elas a Bayer-Monsanto e a Dow Chemical) que venderam aos EUA o Agente Laranja utilizado massivamente como desfolhante na agressão militar ao Vietname: estima-se que entre 1961 e 1971 tenham sido despejados sobre as...

Comemorar o Centenário do PCP garantindo uma melhor intervenção

No pró­ximo dia 6 de Março, o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês faz 100 anos. Marco his­tó­rico na vida do Par­tido e na luta da classe ope­rária, dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês, são 100 anos de acção e de luta, sempre com os tra­ba­lha­dores e o povo, pela Li­ber­dade, a De­mo­cracia e o So­ci­a­lismo.

São precisas respostas abrangentes

São múltiplos os efeitos da epidemia COVID-19 na saúde (física e mental), mas muito grande é também o seu impacto na situação económica, social e cultural do País: desde os despedimentos, aos cortes nos salários, à desregulação dos horários de trabalho, ao teletrabalho, ao ensino à distância, à grave situação que...

Ai aguenta, aguenta – parte 2

«É preciso relativizar o confinamento. ‘Mal estão os que morrem e os que estão nos cuidados intensivos’. Para os restantes ‘é uma experiência’, que vai passar e que pode não deixar tantas marcas negras como vaticinam os mais pessimistas» - quem escreveu a pérola foi Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, no...

O Império e a Independência Nacional

Foram recentemente destacadas publicamente umas declarações onde Ramalho Eanes afirmava «Sem Império dificilmente teríamos mantido a independência em certas épocas. Seríamos uma Catalunha “menos”». Estas declarações foram enquadradas na campanha reaccionária em curso, provavelmente mais do que o próprio autor o...