Do lado certo

Gustavo Carneiro

Do imenso ar­senal ide­o­ló­gico di­a­ri­a­mente mo­bi­li­zado contra o PCP, so­bres­saem as ques­tões re­la­ci­o­nadas com o seu po­si­ci­o­na­mento in­ter­na­ci­onal, pre­sente ou pas­sado. Na mai­oria dos casos, quem a elas re­corre não está in­te­res­sado em con­tex­tu­a­lizar ou ana­lisar qual­quer po­sição po­lí­tica nem é mo­vido por uma ge­nuína von­tade de en­con­trar ele­mentos que per­mitam novas vi­sões sobre a His­tória e o mundo. Os seus pro­pó­sitos são nor­mal­mente bem mais pro­saicos.

Há quem pre­tenda, tão so­mente, le­gi­timar op­ções e per­cursos pró­prios, muitas vezes pouco dig­ni­fi­cantes, mas a mai­oria tem ob­jec­tivos mais am­bi­ci­osos: fixar nar­ra­tivas con­formes com de­ter­mi­nados (e fre­quen­te­mente obs­curos) in­te­resses eco­nó­micos e po­lí­ticos e afastar os co­mu­nistas de qual­quer de­bate sobre as pers­pec­tivas de de­sen­vol­vi­mento do País, ten­tando co­locá-los na de­fen­siva: há elei­ções para Pre­si­dente da Re­pú­blica? Lá vem Cuba e a Ve­ne­zuela; uma de­ter­mi­nada pro­posta ameaça di­reitos e li­ber­dades? Logo al­guém jo­gará a car­tada chi­nesa; os EUA agridem países so­be­ranos? E a União So­vié­tica?, ha­verá sempre quem per­gunte.

Aqui che­gados, que nin­guém de­pre­enda do que atrás se es­creveu qual­quer des­va­lo­ri­zação da im­por­tância destas ques­tões ou a in­tenção de a elas fugir. Pelo con­trário, a pos­tura in­ter­na­ci­o­na­lista e anti-im­pe­ri­a­lista do PCP não só cons­titui para os co­mu­nistas por­tu­gueses um le­gí­timo mo­tivo de or­gulho como é parte es­tru­tu­rante do seu pro­jecto re­vo­lu­ci­o­nário: não foi Lé­nine quem ca­rac­te­rizou o ideal co­mu­nista como o fim das guerras, a paz entre os povos, o fim das pi­lha­gens e vi­o­lên­cias? A longa his­tória do PCP, que cumpre de­pois de amanhã 100 anos, tes­te­munha este com­pro­misso, quase sempre contra a cor­rente dos po­deres do­mi­nantes.

Nos pri­meiros anos da sua exis­tência, o PCP es­teve so­zinho a de­nun­ciar a Santa Ali­ança de 14 po­tên­cias im­pe­ri­a­listas que in­va­diram a Rússia So­vié­tica para aí repor a do­mi­nação ca­pi­ta­lista e feudal e, mais tarde, quando o fas­cismo gol­peava a Es­panha e ame­a­çava a Eu­ropa, co­locou muitos dos seus re­cursos e qua­dros ao ser­viço da causa re­pu­bli­cana. Cri­ticou o apoio da NATO ao fas­cismo e exigiu o fim da chan­tagem nu­clear dos EUA. Con­denou os crimes de guerra co­me­tidos na Co­reia e no Vi­et­name e apoiou os povos das an­tigas co­ló­nias que lu­tavam pela sua in­de­pen­dência. Não foi, como ou­tros, nos cantos de se­reia dos que fazem a guerra ju­rando querer a paz – na Ju­gos­lávia, no Iraque, no Afe­ga­nistão, na Síria, na Líbia.

Na se­mana pas­sada, pouco mais de um mês após a sua en­trada em fun­ções, a nova ad­mi­nis­tração norte-ame­ri­cana or­denou o bom­bar­de­a­mento de ter­ri­tório sírio. Até ao mo­mento, só o PCP con­denou. Re­ve­lador.




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