Desconfinar a Cultura é uma emergência mas assegurando direitos aos profissionais

AUDIÇÃO Músicos e técnicos participaram, anteontem, numa sessão do PCP em que se discutiu a situação do sector e se frisou a necessidade de desconfinar com mais direitos do que antes.

«O regresso ao trabalho deve ser feito com direitos e salários justos»

A iniciativa promovida pelo PCP sob o lema «Música, músicos e epidemia – consequências e soluções», decorreu ao final da tarde de terça-feira, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, com a presença de Ana Mesquita, deputada do PCP na Assembleia da República que acompanha as questões da Cultura, Jorge Pires, responsável pelo sector na Comissão Política, e Jerónimo de Sousa.

Coube aliás ao Secretário-geral do PCP abrir os trabalhos, moderados por Miguel Soares, do Comité Central e responsável pelo Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa, tendo o dirigente comunista começado por assinalar os dois grandes objectivos da audição: «dar-vos a conhecer a avaliação que fazemos do sector da cultura e as nossas propostas neste quadro de epidemia, e ouvir as vossas opiniões e sugestões para considerarmos na nossa intervenção».

Para Jerónimo de Sousa, é «claro que a epidemia deixou ainda mais visível e amplificou uma brutal situação de ausência de direitos, protecção e estabilidade para milhares de trabalhadores do sector». Ou seja, o encerramento abrupto da actividade só veio agravar «vidas desreguladas na relação com a sociedade, nomeadamente trabalho no horário de lazer dos outros trabalhadores, com as implicações na assistência à família, no apoio e acompanhamento dos filhos»; marcadas por meses em que não havendo concertos, «há todo um trabalho de estudo, pesquisa, criação, gravação e ensaios», portanto, pelo «pagamento intermitente de um trabalho que é regular e permanente».

A crise sanitária destapou os «baixos cachês e salários» pagos à esmagadora maioria, a «inexistência de qualquer tipo de protecção social, fruto da tremenda precariedade e predominância dos recibos verdes ou ainda piores formas de pagamento do trabalho técnico e artístico», prosseguiu o Secretário-geral do PCP, para quem «esta realidade de anos, que se pretendeu tornar normal e inevitável, fragilizou dramaticamente um sector e as vidas dos seus intervenientes» no actual contexto.

Ficaram, «de um dia para o outro, milhares de artistas e trabalhadores da cultura sem trabalho, sem protecção social, sem rendimentos», insistiu Jerónimo de Sousa, que criticou «a ausência de resposta do Governo – no tempo, no tipo, no alcance e nos valores das medidas».

Ilações

Ora, foi nesta conjuntura que se deu a «imediata intervenção do PCP, com a apresentação de propostas que, se tivessem sido aprovadas ou, nalguns casos, concretizadas após a aprovação, teriam atenuado as graves situações que se viveram e vivem», chamou ainda à atenção o dirigente comunista, que recordando uma delas – a atribuição de um apoio social de emergência liberto do rol de burocracias e obstáculos –, salientou que «anúncio após anúncio, a verdade é que os apoios e as medidas não chegam aos músicos e técnicos do sector da música».

«Mesmo importantes medidas inscritas por intervenção do PCP no OE para 2021, continuam a não ter a concretização plena que dariam resposta mais cabal às dificuldades que o sector enfrenta», aduziu o Secretário-geral do Partido, dando o mote para, mais tarde, Ana Mesquita detalhar as iniciativas apresentadas repetidamente pela bancada comunista, quase que invariavelmente chumbadas por PS, PSD e CDS.

Sem desvalorizar as ajudas urgentes, pelo contrário, a questão de fundo para o Partido está, no entanto, na criação de condições para a retoma da actividade. Ideia-chave que, de resto, durante o período de debate, Jorge Pires enfatizou, não deixando de referir o contributo do PCP com a realização da Festa do Avante!, cujo saldo imaculado, quer no funcionamento quer no que toca a contágios não-registados, é exemplo de que é possível prosseguir a vida.

Indissociável da questão de fundo da retoma da actividade, garantindo o reforço do SNS e doutros serviços públicos, a vacinação rápida de todos os portugueses ou a atribuição de apoios adequados às circunstâncias, para o Partido é que «o regresso ao trabalho deve ser feito com direitos e salários justos».

Para além de oportuna, esta é uma matéria acerca da qual soam alertas, uma vez que ganha forma a ofensiva visando diminuir cachês e salários. Sendo certo e sabido que, «quando se baixam os salários, eles muito dificilmente voltam aos valores que tinham anteriormente», frisou o Secretário-geral do PCP.

Por tudo isto, é tempo de «tirar ilações», designadamente quanto à necessidade da «existência de direito e contratos de trabalho», do acesso e integração destes trabalhadores «no sistema de Segurança Social». Ao mesmo tempo impõe-se a inversão da «linha de esvaziamento e desresponsabilização da Administração Central», e, nesse sentido, assegurar a efectiva democratização da criação e fruição pela implementação de um serviço público de Cultura.

À luta!

Naturalmente, nada disto se conquista sem a vossa luta, disse, mais do que uma vez, Jerónimo de Sousa. Antecipou desta forma a disposição manifestada pelos que intervieram em seguida.

Músicos e técnicos, alguns com décadas de carreira, denunciaram a incerteza em que são forçados a sobreviver, fruto da fragilidade ou mesmo inexistência de vínculos e direitos básicos, como à protecção social, dos longos períodos de aparente inactividade que, na realidade, são de trabalho apurado e intenso, traduzindo-se em projectos como espectáculos ou novas obras.

Denunciaram, também, a inexistência de um estatuto que os defenda e valorize na relação com as entidades patronais e a sociedade, mas concordaram que a proposta que o Ministério da Cultura pretende impor pode agravar a situação dos profissionais com especificidades inegáveis.

Advertiram, igualmente, para o perigo de erosão da diversidade criativa caso se materialize uma retoma apresada à lógica lucrativa das grandes produções; para a possível debandada de músicos e técnicos para o estrangeiro, onde a qualificação e competência dos portugueses é amplamente reconhecida e estimada; para a urgência de dar passos decisivos no ensino artístico com o contributo dos músicos profissionais.

Mas, simultaneamente, consideraram que o actual contexto é uma oportunidade para não permitir que a maioria dos que laboram no sector se mantenham resignados perante a sobre-exploração do seu trabalho, fazendo soar notas de esperança num futuro próximo – para músicos, técnicos e todos quantos não prescindem da música como elemento de uma vida plena numa sociedade liberta do obscurantismo.



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