Ferrovia: pouca-terra, muita asneira

João Ferreira

Coube ao Go­verno por­tu­guês, no exer­cício da pre­si­dência do Con­selho da UE, dar o pon­tapé de saída ofi­cial no Ano Eu­ropeu do Trans­porte Fer­ro­viário.

Mais do que pro­pa­ganda, ou pior, pre­texto para im­pul­si­onar a apli­cação das po­lí­ticas da UE para o sector fer­ro­viário, esta seria uma oca­sião ade­quada para re­flectir sobre o re­sul­tado destas po­lí­ticas.

Como nou­tras frentes, su­ces­sivos go­vernos por­tu­gueses apli­caram obe­di­en­te­mente o car­dápio de im­po­si­ções da UE para a fer­rovia. Como nou­tras frentes, este car­dápio não é pro­pri­a­mente ino­vador: mer­can­ti­lizar, li­be­ra­lizar, pri­va­tizar. Como nou­tras frentes, quem manda na UE é useiro e ve­zeiro em levar à prá­tica a cé­lebre má­xima de Frei Tomás: «olha ao que ele diz, não olhes ao que ele faz».

Vamos por partes.

As di­re­tivas e os re­gu­la­mentos da UE co­me­çaram por forçar um des­mem­bra­mento do sector. Seg­mentar grandes em­presas, mai­o­ri­ta­ri­a­mente na es­fera pú­blica, que in­te­gravam a in­fra­es­tru­tura (os ca­mi­nhos de ferro) e a ope­ração dos com­boios, foi o ca­minho es­co­lhido para fa­ci­litar a mer­can­ti­li­zação, a li­be­ra­li­zação e a pri­va­ti­zação. Assim se criam me­lhores con­di­ções para pro­mover a apro­pri­ação pri­vada de partes rou­badas às em­presas pú­blicas. Me­lhores con­di­ções, também, para a con­cen­tração mo­no­po­lista à es­cala eu­ro­peia, ou seja, para ga­rantir aos co­lossos eu­ro­peus do sector a co­lo­ni­zação de novos mer­cados – veja-se o caso da DB alemã, que ad­quiriu po­si­ções im­por­tantes em vá­rios países, seja no trans­porte de carga, seja no de pas­sa­geiros.

Em Por­tugal, a CP foi es­quar­te­jada, com a se­pa­ração entre o «ope­rador» e o «gestor da in­fra­es­tru­tura», tendo este úl­timo ori­gi­nado a REFER (hoje in­te­grada na IP). A se­pa­ração entre a carga e os pas­sa­geiros fa­ci­litou, sob a ba­tuta da troika, a pri­va­ti­zação da pri­meira.

A visão mer­can­ti­li­za­dora teve ou­tros efeitos, como a pre­va­lência dos in­te­resses co­mer­ciais de curto prazo, em de­tri­mento do ser­viço pú­blico; o foco no trans­porte de longo curso, nas partes mais ren­tá­veis da ex­plo­ração, a par da des­va­lo­ri­zação e su­pressão de ser­viços re­gi­o­nais e inter-re­gi­o­nais. Ab­dicou-se de uma ló­gica in­te­grada de gestão, ne­ces­sária para ga­rantir a sus­ten­ta­bi­li­dade de li­ga­ções que, em­bora menos ren­tá­veis, são es­sen­ciais para as­se­gurar o di­reito das po­pu­la­ções à mo­bi­li­dade.

Países como a Ale­manha e a França im­pu­seram, também aqui, o ca­minho a se­guir. To­davia, op­taram eles pró­prios por não o per­correr. Apon­taram para a de­sin­te­gração do sis­tema fer­ro­viário, le­vado a cabo em países como Por­tugal, mas pre­ser­varam a in­te­gri­dade do seu pró­prio sis­tema. No caso da França, a se­pa­ração entre «ope­rador» e «gestor da in­fra­es­tru­tura» chegou a ser feita, mas logo re­ver­tida. Não por acaso, ambos são hoje apon­tados como os países eu­ro­peus mais bem su­ce­didos na fer­rovia.

Con­clusão: quem deu a re­ceita e não a se­guiu é apon­tado como exemplo; quem se­guiu a re­ceita está na si­tu­ação des­gra­çada que vemos em Por­tugal: ser­viços e li­nhas de­sac­ti­vados, es­cassez de oferta, falta de ma­te­rial cir­cu­lante, dé­fice de in­ves­ti­mentos.

Vale a pena re­flectir nisto. E ar­re­piar ca­minho. Era a forma deste Ano Eu­ropeu ter algum efeito prá­tico útil, po­si­tivo.




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