Vacina é bem público e tem de estar ao serviço da Humanidade

Não passou na AR a pro­posta do PCP para que o Go­verno di­ver­si­fique a aqui­sição de va­cinas, única forma de col­matar os atrasos no pro­cesso de va­ci­nação em curso. Os di­tames da UE fa­laram mais alto do que a saúde dos por­tu­gueses.

A pri­o­ri­dade é a vida e não os lu­cros das mul­ti­na­ci­o­nais

In­vi­a­bi­li­zado pelos votos contra de PS, PSD, CDS e IL (PAN, Chega e de­pu­tada não ins­crita Cris­tina Ro­dri­gues abs­ti­veram-se, vo­tando fa­vo­ra­vel­mente as res­tantes ban­cadas e de­pu­tados), o pro­jecto de re­so­lução co­mu­nista, além dessa re­co­men­dação para que o Go­verno se faça ao ca­minho e vá buscar as va­cinas onde elas existem, pug­nava pela cri­ação de ca­pa­ci­dade para pro­duzir va­cinas em Por­tugal e, ainda, pela sus­pensão das pa­tentes como forma de as­se­gurar a va­ci­nação da po­pu­lação.

Em torno destes três eixos es­sen­ciais es­tru­turou de forma co­e­rente a ban­cada co­mu­nista o seu di­ploma, com so­lu­ções con­cretas gi­zadas pelo pro­pó­sito de ace­lerar a va­ci­nação, pro­teger a saúde dos ci­da­dãos, «pos­si­bi­litar a re­toma da nor­ma­li­dade das ac­ti­vi­dades eco­nó­micas, so­ciais e cul­tu­rais e des­por­tivas, de­vol­vendo a vida a toda a po­pu­lação», como su­bli­nhou no de­bate a de­pu­tada co­mu­nista Paula Santos.

Sub­ja­cente a todas e cada uma das pro­postas es­teve a con­si­de­ração de que as «va­cinas são um bem pú­blico» e, nessa qua­li­dade, «devem estar ao ser­viço da Hu­ma­ni­dade». E assim sendo, se­gundo a par­la­mentar do PCP, cons­ti­tuem-se como «pre­missas que devem nor­tear a de­cisão e in­ter­venção do Go­verno, pri­o­ri­zando a vida e não os lu­cros das mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas».

«Não en­frentar as mul­ti­na­ci­o­nais, é não pro­teger a vida e a saúde das po­pu­la­ções», ob­servou a de­pu­tada co­mu­nista, para quem é inad­mis­sível que o País es­teja a ser con­fron­tado com uma enorme es­cassez de va­cinas, quando se sabe que a va­ci­nação é a so­lução para com­bater a epi­demia e que há países da UE que já ad­qui­riram ou se pre­param para ad­quirir va­cinas fora dos acordos com a Co­missão Eu­ro­peia.

«O ne­gócio que as mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas pre­tendem fazer com va­cinas, numa si­tu­ação de emer­gência mun­dial de­vido à pan­demia, re­vela o pior do sis­tema ca­pi­ta­lista», cen­surou Paula Santos, vendo em tudo isto um «ne­gócio imoral e de­su­mano».

Ar­gu­mentos fa­la­ci­osos

In­fe­liz­mente, como o de­bate com­provou, há quem veja as coisas de modo subs­tan­ci­al­mente di­fe­rente. Não tanto no que se re­fere ao di­ag­nós­tico e à cons­ta­tação de que há falta de va­cinas, mas sim quanto às so­lu­ções para col­matar essa falha, questão em que foram no­tó­rias as cli­va­gens entre as di­fe­rentes ban­cadas.

O que se as­sistiu para jus­ti­ficar a re­jeição das pro­postas do PCP foi ao rei­terar de ar­gu­mentos, por parte quer do PS quer do PSD e CDS, in­sis­tindo na de­fesa de uma «re­ceita» que «não trata o pro­blema». Foi so­bre­tudo o re­petir da ideia cap­ciosa de que só através de uma «abor­dagem comum da União Eu­ropeu é pos­sível o apro­vi­si­o­na­mento su­fi­ci­ente da va­cina», como disse o de­pu­tado do PSD An­tónio Malô Abreu, re­cu­sando qual­quer outra so­lução.

Na mes­mís­sima linha de não acei­tação nem dos pres­su­postos nem das so­lu­ções pre­co­ni­zadas no di­ploma co­locou-se igual­mente o CDS, com Ana Rita Bessa a afirmar que, face a ou­tros «gi­gantes», seria «sempre uma perda» para «um pe­queno país como Por­tugal» «não per­tencer a uma compra con­junta da UE». Para si, o le­van­ta­mento das pa­tentes também «não re­solve o pro­blema da pro­dução», sus­ten­tando, por outro lado, que «em Por­tugal não há in­dús­tria capaz de pro­duzir» a va­cina.

Já o PS, pela voz de João Gou­veia, re­levou o facto de terem sido ce­le­brados con­tratos com seis pro­du­tores de va­cinas, das quais quatro já ob­ti­veram apro­vação da Agência Eu­ro­peia do Me­di­ca­mento (EMA), que de­verão as­se­gurar uma car­teira pró­xima dos três mil mi­lhões de doses para a UE, sendo 35 mi­lhões de doses para Por­tugal». Ad­mitiu de forma vaga, ainda assim, a dis­po­ni­bi­li­dade do Go­verno para «ad­quirir quais­quer ou­tras va­cinas», «desde que de­vi­da­mente ava­li­adas pela EMA quanto à sua qua­li­dade, se­gu­rança e efi­cácia». Quanto ao le­van­ta­mento das pa­tentes, con­formou-se com o que disse ser a «ri­go­rosa cons­ci­ência» do Go­verno quanto ao «seu raio de in­ter­venção no âm­bito da le­ga­li­dade apli­cável», po­sição re­ve­la­dora de uma pos­tura de aca­nha­mento e sub­missão pe­rante uma re­a­li­dade para si imu­tável e não ques­ti­o­nável.

Cortar amarras

«A so­lução não passa por in­sistir numa res­posta que a UE já mos­trou não ter tido ca­pa­ci­dade para dar, porque se sub­meteu aos in­te­resses das grandes em­presas e não pôs em cima da mesa a pro­tecção da saúde das po­pu­la­ções», ri­postou Paula Santos, des­mon­tando a fa­lácia da ar­gu­men­tação das ban­cadas à di­reita do he­mi­ciclo.

E fa­lando dos «acordos le­o­ninos que nin­guém co­nhece» es­ta­be­le­cidos entre as em­presas mul­ti­na­ci­o­nais e a Co­missão eu­ro­peia, la­mentou que pe­rante o in­cum­pri­mento das mul­ti­na­ci­o­nais «não haja cláu­sulas de pe­na­li­zação e san­ci­o­na­mento».

«É isto que vai de­fender a saúde das po­pu­la­ções? É esta in­ter­venção, com se­manas de atrasos e in­cum­pri­mentos?», in­quiriu, de­fen­dendo que o País «não pode ficar amar­rado» a esta si­tu­ação.

Sa­bendo-se que estão em de­sen­vol­vi­mento mais de 180 va­cinas a nível mun­dial, que há um con­junto largo de va­cinas já apro­vado, as ques­tões rei­te­ra­da­mente co­lo­cadas pelo PCP sobre esta ma­téria ga­nharam assim re­no­vado sen­tido e acui­dade.

E por isso este foi um de­bate im­por­tante. Porque nele foram apre­sen­tadas so­lu­ções con­cretas, exequí­veis, le­gais, já ad­mi­tidas por vá­rios países da União Eu­ro­peia. A con­firmar que não há outra forma de de­belar a epi­demia e de­fender a saúde que não seja através do au­mento do nú­mero de va­cinas e de um pro­cesso de va­ci­nação rá­pido dos por­tu­gueses.

 

Vencer obs­tá­culos

Medir com rigor as con­sequên­cias dos atrasos e in­cum­pri­mentos na en­trega de va­cinas não é se­gu­ra­mente fácil. Uma coisa é porém in­ques­ti­o­nável: sig­ni­fica adiar a ga­rantia de um maior grau de pro­tecção da saúde dos por­tu­gueses, sig­ni­fica atrasar a re­toma da nor­ma­li­dade da vida nas suas múl­ti­plas es­feras.

Não se trata, pois, de uma questão de so­menos. E o que se sabe é que Por­tugal, de­vido aos su­ces­sivos atrasos, re­cebeu no pri­meiro tri­mestre menos dois mi­lhões de va­cinas do que es­tava acor­dado, sendo que no se­gundo tri­mestre, das 11,2 mi­lhões de doses con­tra­tadas, prevê-se que apenas cerca de nove mi­lhões ve­nham a chegar, isto se não houver novos in­cum­pri­mentos.

Não ad­mira, por isso - e estes foram ou­tros dados re­fe­ren­ci­ados no de­bate por Paula Santos – que a 4 de Abril apenas 13 por cento da po­pu­lação por­tu­guesa es­tava va­ci­nada com a pri­meira dose e só 6 por cento tinha já a va­ci­nação com­pleta.

O que sig­ni­fica ainda, ad­vertiu a de­pu­tada do PCP, que a falta de va­cinas é um obs­tá­culo no in­cre­mento do plano de va­ci­nação, no­me­a­da­mente na pro­tecção dos grupos de risco e na pro­tecção de tra­ba­lha­dores em áreas es­sen­ciais.



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