100 Anos/ 100 Artistas

Manuel Augusto Araújo

É uma das ex­po­si­ções de artes con­tem­po­râ­neas mais re­pre­sen­ta­tivas dos úl­timos anos

A ex­po­sição 100 Anos de Luta / 100 Ar­tistas, que está pa­tente na Gare de Al­cân­tara até dia 30 de Abril (1), é uma das ex­po­si­ções de artes con­tem­po­râ­neas mais re­pre­sen­ta­tivas de ar­tistas por­tu­gueses re­a­li­zadas nos úl­timos anos em Por­tugal, pro­va­vel­mente também o será nos pró­ximos anos, que sem ser exaus­tiva reúne uma plu­ra­li­dade de obras bem des­se­me­lhante nas op­ções es­té­ticas e téc­nicas aí re­pre­sen­tadas, bem pela di­ver­si­dade dos ar­tistas que nela in­tervém.

As­si­nala um cen­te­nário, o do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, a que 100 ar­tistas por von­tade pró­pria se as­so­ci­aram, in­de­pen­den­te­mente das suas op­ções po­lí­ticas e da pro­xi­mi­dade ou dis­tância que te­nham em re­lação aos seus prin­cí­pios, num re­co­nhe­ci­mento do lugar cen­tral que o PCP ocupou e ocupa desde a sua fun­dação na luta pela de­mo­cracia e pelas mais am­plas li­ber­dades, com­ba­tendo du­rante 48 anos contra uma brutal di­ta­dura e, nos anos sub­se­quentes, na de­fesa das con­quistas de Abril. É uma ex­po­sição ce­le­bra­tiva desse cen­te­nário que também ce­lebra a cul­tura e as artes, que sempre foram um dos campos de acção do PCP, por vezes em con­flito mas sempre em uni­dade no que é nu­clear na de­fesa do pa­tri­mónio cul­tural e na de­mo­cra­ti­zação da cul­tura.

São 100 os ar­tistas – um nú­mero sim­bó­lico que co­locou uma fron­teira que acaba por in­jus­tiçar muitos ou­tros ar­tistas que, por di­reito e von­tade pró­pria, po­de­riam e até de­ve­riam estar pre­sentes – em grande dis­persão de obras, ma­té­rias, poé­ticas e de ge­ra­ções, do mais velho João Abel Manta, que nasceu em 1928 à mais nova, Ca­ta­rina Lopes Vi­cente, nas­cida em 1991. São três ge­ra­ções, dos que vi­veram os tempos re­pres­sivos do fas­cismo-sa­la­za­rista aos que nas­ceram com a li­ber­dade con­quis­tada com a Re­vo­lução do 25 de Abril.

Uma ex­po­sição bem re­pre­sen­ta­tiva das artes con­tem­po­râ­neas, uma ca­te­goria fluída e ge­né­rica que con­tinua a ali­mentar por todo o mundo as mai­ores con­tro­vér­sias e in­ter­ro­ga­ções, que re­sulta nas imensas dis­pa­ri­dades do que é dado ver mas que é o es­pelho de um tempo, o nosso tempo, que não é li­near nem ho­mo­géneo e como ele se re­flecte nas prá­ticas ar­tís­ticas, aqui das artes vi­suais, na imensa va­ri­e­dade, mul­ti­pli­ci­dade e di­fe­renças entre as obras destes cem ar­tistas que, su­blinhe-se, estão todos vivos, são por­tanto nossos con­tem­po­râ­neos.

Não foi ob­jec­tivo desta ex­po­sição fazer his­tória. O seu ob­jec­tivo é ce­le­brar cem anos de lutas pela li­ber­dade, pela de­mo­cracia e pelo so­ci­a­lismo em que os ar­tistas e os es­cri­tores es­ti­veram sempre, com as massas po­pu­lares, na linha da frente das lutas an­ti­fas­cistas. A luta pela cul­tura, pela li­ber­dade cri­a­tiva é im­par­tível da luta pela li­ber­dade e é in­se­pa­rável, ontem como hoje, do apro­fun­da­mento da de­mo­cracia e do pro­gresso, porque as artes, na sua inul­tra­pas­sável di­ver­si­dade, no seu per­pétuo nas­ci­mento e re­nas­ci­mento são pro­cesso nu­clear da cons­trução do hu­mano que nos torna mais hu­manos.

Como es­creve José Luís Por­fírio, no ca­tá­logo, «os 100 ar­tistas aqui e agora pre­sentes sempre vi­veram essa li­ber­dade, pri­meiro no seu foro ín­timo e, de­pois, pu­bli­ca­mente, li­ber­dade dis­persa, di­versa, múl­tipla, que também passa por cada um dos 100 anos de vida do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês».

Uma ex­po­sição que se impõe ser vi­si­tada e que, sem sur­presas, tem sido si­len­ciada pela co­mu­ni­cação so­cial cor­po­ra­tiva, mesmo a que ainda dá es­paço ao que ape­lidam de cul­tura. A li­ber­dade, a de­mo­cracia, a cul­tura e as artes con­ti­nuam a in­co­modar muita gente desde que ul­tra­passe os seus có­digos nor­ma­tivos e res­tri­tivos. É o azul in­vi­sível do lápis da cen­sura po­lí­tica mas­ca­rada de cri­té­rios edi­to­riais.

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(1) todos os dias das 15 às 20h, cum­prindo-se as normas sa­ni­tá­rias em vigor.




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