Meter a colher
«Os sindicatos têm vindo numa senda de exigências como se o país e o mundo estivesse numa situação ideal, com pedidos absurdos e com enorme falta de sensatez».
Habituado a andar com colheres industriais a rapar o que possa dos Orçamentos públicos para engordar os lucros do capital, António Saraiva, o chamado patrão dos patrões, puxa de toda a sensatez de que é capaz, em mais uma das inúmeras entrevistas em que reclama mais apoios públicos para os dos costume, e sem que ninguém lhe tenha perguntado nada sobre isso, para dizer que «não podemos cair, como estamos a cair ultimamente, nalguma demagogia, nalgum populismo, de querer que os trabalhadores em teletrabalho tenham compensações de gastos de electricidade, água, internet, estamos a criar absurdos. Como este: imagine que marido e mulher estão em casa em teletrabalho, são de empresas diferentes, como é que se vai aferir o delta do acréscimo do marido e da mulher na empresa A e na empresa B».
Saraiva, que aproveitou para exercitar um dos seus desportos favoritos – zurzir no Movimento Sindical – não contesta que os trabalhadores tenham custos acrescidos com o teletrabalho e até sabe identificar alguns deles. Só que, para além de arrenegar a possibilidade, mesmo que longínqua, de os trabalhadores serem compensados mais justamente pelo seu trabalho, apelidando de absurdo o aumento do salário mínimo nacional, ainda acha que reclamar que as empresas assumam esses custos é um absurdo maior do que o primeiro.
Compreende-se. Um gestor dado a lidar com as inovações da ciência e da técnica e com os mais complexos algoritmos, e ainda por cima habituado a andar de mão estendida a pedir milhões e milhões de euros do erário público, não pode agora imaginar como se avaliam simples custos de dois trabalhadores que partilhem a exploração em regime de comunhão de adquiridos.
Ainda por cima, Saraiva é muito cioso dos costumes nacionais e segue à risca o ditado que diz que «entre marido e mulher, ninguém deve meter a colher». Não será por uma miudeza destas que se quebra a tradição.