O PME de estimação

Margarida Botelho

No tempo do fas­cismo, eram co­nhe­cidas vá­rias his­tó­rias de pi­e­dosas se­nhoras de vidas con­for­tá­veis que ti­nham o seu pró­prio po­bre­zinho de es­ti­mação, a quem davam roupa e co­mida de forma mais ou menos re­gular. Eram em geral se­nhoras de bem com a si­tu­ação e o re­gime, a quem a ca­ri­dade la­vava a alma para po­derem con­ti­nuar a viver da ex­plo­ração.

Veio esta his­tória à ideia a pro­pó­sito da mais re­cente cam­panha do Pingo Doce: «Unidos pela Res­tau­ração – 3 gestos para apoiar o res­tau­rante do seu co­ração». A cam­panha ex­plica-se em poucas pa­la­vras: por cada 50€ de com­pras no Pingo Doce, o cli­ente re­cebe um vale de 5€ para des­contar no Re­cheio (con­ve­ni­en­te­mente do mesmo grupo, claro está), que pode ser ofe­re­cido «no res­tau­rante, café, pas­te­laria ou snack bar» à es­colha. Diz o Pingo Doce que vai dar desta forma «Dar 2 mi­lhões de euros à res­tau­ração».

A se­me­lhança com o po­bre­zinho de es­ti­mação não está nos cli­entes do Pingo Doce que, fa­zendo com­pras porque pre­cisam e ga­nhando o tal vale, o dis­tri­buam a quem bem en­ten­derem. A se­me­lhança, en­volta em hi­po­crisia, está no grande grupo eco­nó­mico que tenta fazer-se passar por pre­o­cu­pado com o apoio ao sector da res­tau­ração. Para co­meçar, os tais dois mi­lhões de euros não são dos donos do Pingo Doce – são de cada um dos cli­entes que lá forem gastar 50 euros. O des­conto de cinco euros, essa es­pan­tosa for­tuna com que qual­quer um en­ri­quece, fica à mesma no grupo. Os pri­vi­lé­gios e be­nesses ficam in­teiros para os Pingo Doce e si­mi­lares: en­ge­nha­rias fis­cais, ho­rá­rios de fun­ci­o­na­mento pra­ti­ca­mente nor­mais, leis feitas à me­dida.

Para os micro, pe­quenos e mé­dios em­pre­sá­rios, da res­tau­ração mas não só, sobra um mar de di­fi­cul­dades, entre os en­cer­ra­mentos for­çados, a falta de apoios e so­bre­tudo a falta de di­nheiro para gastar da ge­ne­ra­li­dade dos cli­entes. Não é a pri­meira vez, e não será a úl­tima, que grandes ca­deias de su­per­mer­cados lançam cam­pa­nhas cheias de «res­pon­sa­bi­li­dade so­cial» que be­ne­fi­ciam so­bre­tudo a si pró­prias: lem­bremo-nos das pro­mo­ções de pro­dutos na­ci­o­nais e dos clubes de pro­du­tores, vindos de quem es­maga os pe­quenos for­ne­ce­dores. Ou dos ca­bazes para tra­ba­lha­dores da em­presa, que só são po­bres porque os sa­lá­rios são ver­go­nho­sa­mente baixos. Esta é mais uma da mesma linha e como tal me­rece de­núncia.




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