MARIA, MARIAS

Correia da Fonseca

Foi há poucos dias (ou, talvez di­zendo me­lhor, há poucas noites) que a Maria veio cantar a nossas casas, isto é, a um pro­grama trans­mi­tido ao longo do serão. Não po­derá ou de­verá dizer-se se cantou bem ou mal, será bas­tante dizer que cantou, mas é pre­ciso acres­centar que a Maria só tem nove anos de idade, nesse facto re­si­dindo, mais que na qua­li­dade da «per­for­mance» pres­tada, o su­posto ou efec­tivo in­te­resse do te­le­mo­mento. O caso (que nem se­quer tem gran­deza que jus­ti­fique a pa­lavra «caso») não é de enorme ra­ri­dade: de longe em longe, mas não de tão grandes lon­juras que se trate de um fe­nó­meno di­fícil de re­en­con­trar, surgem no nosso te­le­visor «Ma­rias» com nove anos de idade ou perto disso que se pro­põem ma­ra­vi­lhar-nos com o seu ta­lento ainda em botão. Não custa ima­ginar que essa pe­quena aven­tura as en­canta, e não apenas a elas mas também os seus papás e mamãs, sendo por­ven­tura nestes e em amigos pró­ximos que o even­tual en­canto mais ocorre. Con­tudo, num plano di­fe­rente e até oposto, é pos­sível que as pres­ta­ções das pe­que­ninas Ma­rias te­nham um travo en­jo­a­tivo para os te­les­pec­ta­dores pouco sen­sí­veis ao en­canto dos ta­lentos pre­ma­turos.

Adeus, Maria

A pre­sença da Maria, das Ma­rias, em pro­gramas de te­le­visão onde façam prova dos seus even­tuais ta­lentos im­plica dú­vidas de ca­rácter edu­ca­tivo não apenas para as cri­a­tu­ri­nhas que pro­ta­go­nizam esses mo­mentos mas também, e so­bre­tudo, para os muitos mi­lhares de ou­tras cri­a­tu­ri­nhas que a eles as­sistam: para lá do mau gosto em que sempre ou quase sempre ra­dicam tais pre­senças, ocorre o risco de serem con­ta­gi­osas e de por essa via se mul­ti­pli­carem. Não sur­pre­en­derá nin­guém que se diga que as pe­que­ninas vai­dades têm um ele­vado ín­dice de ca­pa­ci­dade de con­tágio e, sem que se tema uma es­pécie de pre­sença pan­dé­mica de Ma­rias em pro­gramas de TV, cabe de­sejar que esse risco nem se quer se es­boce: é que a ten­tação de mo­bi­lizar Ma­rias para que ve­nham en­ter­necer te­les­pec­ta­dores sen­sí­veis a esse pe­cu­liar es­tí­mulo pode acen­tuar-se. Será até ra­zoável, em­bora não muito, temer que a uti­li­zação de pe­quenas Ma­rias se torne um ex­pe­di­ente re­la­ti­va­mente comum, o que seria triste para a TV, para as Ma­rias e so­bre­tudo para os te­les­pec­ta­dores. Es­pe­remos, pois, que esta Maria agora sur­gida nos nossos te­le­vi­sores não se mul­ti­plique, não se trans­mute em en­xame. Esta vimo-la, era (é) en­gra­ça­dinha, chega. Adeus, Maria, não voltes tão cedo, a te­le­visão há-de en­con­trar ou­tros trunfos.




Mais artigos de: Argumentos

Trapalhadas, teimosias e desconsiderações

Lusa Diz a sabedoria popular que o que começa mal tarde ou nunca se endireita. Assim parece estar a acontecer com tudo o que rodeia o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Em finais do ano passado, o Governo anuncia uma...