Foi uma daquelas informações que se presume serem de menor interesse e que decerto por isso só têm lugar, e em versão muito sintética, na barra inferior dos ecrãs dos televisores: aquele dia marcava mais um aniversário da entrada dos soldados soviéticos no campo de Auschwitz, dito de concentração, de facto de extermínio. A discrição com que a efeméride nos foi dada é explicável pelo escasso entusiasmo que as vitórias do exército soviético sobre os nazis suscitam nos «media» lusitanos. Não será isso, porém, o que mais importa: porventura mais útil e decerto mais instrutivo teria sido que a informação fosse complementada com imagens da realidade atroz que se deparou aos soldados libertadores. Desde 45, já lá vai um punhado de décadas, têm sido falados os horrores dos campos nazis, mas de facto não suficientemente para que o nazismo, quer o «velho» quer o «neo», suscite repúdio vigoroso e repugnado. Nos anos imediatos ao final da Segunda Guerra Mundial ainda circularam com alguma profusão, ainda que não a bastante, imagens dos campos onde os nazis assassinaram milhares de opositores, alemães ou não, mas essa prática esclarecedora e aliás insuficiente durou pouco e não deixou rasto. Pelo que Auschwitz, palavra negra que o sangue tinge de vermelho, perdeu força.
Longe e débil
Como bem se sabe pelo que se olha e pelo que se lê, o nazifascismo está em esforço pelo regresso, ainda que sem fardas, botas e passo de ganso. Por isso teria sido mais que apenas útil, teria sido desejável, que a citação da palavra Auschwitz tivesse sido usada como oportunidade para explicar o que ela transporta aos milhares que o ignoram. Auschwitz, como Dachao e Belsen-Bergen, são nomes que não apenas designam lugares que foram de morte, de assassínio sistemático, mas também de uma política premeditada e sistematicamente executada, e só por ingenuidade tão extrema que seria insustentável é que se poderia admitir que nazismo «neo» não tenha qualquer proximidade com o nazismo «clássico». Convém que não exageremos na ingenuidade ou, se não se apreciar muito a palavra, no optimismo: a extrema-direita tem a aliás natural apetência da violência, só é civilizada enquanto não lhe convenha deixar de o ser e as metafóricas botas que usa têm uma espécie de história que se confunde com a História europeia. É certo que olhamos a Alemanha de hoje e não damos conta do emblemático ruído de botas que marcham, mas convirá admitir que o neonazismo em eventual trânsito de regresso pode optar por outros sons sem optar por outros objectivos fundamentais. Nem é demais que lhe façamos essa elementar justiça e reconheçamos o que nele é essencial. Objectar-se-á talvez que ele vem longe e em marcha débil. Digamos que «ainda bem!» mas sem nos distrairmos muito.