Mais de mil agricultores tantos outros de Norte a Sul do País, manifestaram-se segunda-feira, em Lisboa, em defesa e pelo desenvolvimento das pequenas e médias explorações e do mundo rural, que a Política Agrícola Comum (PAC) tem liquidado para servir a concentração da terra e o lucro do agronegócio.
O campo veio à cidade fazer ouvir a sua voz. Com estrondo, porque a gente que trabalha acarinhando os ciclos da natureza, que é tão essencial preservar, está zangada. E tem razão.
Não vieram mostrar o muito e bom que produzem, que nos alimenta e devia orgulhar, mas podiam. Trouxeram e desfilaram com bombos e chocalhos, mas tão pouco vieram para certames patrocinados por quem os suga até ao tutano, convidando-os apenas e só para montar um figurino folclórico que ilude a natureza depredadora da grande distribuição e da grande propriedade agropecuária.
Pequenos e médios agricultores familiares que trabalham na terra como quem cuida dos filhos vieram a Lisboa protestar em defesa da vida, pois são eles que garantem a produção com respeito e equilíbrio pelo ambiente, povoam o território e dirigem o seu labor para a satisfação das necessidades populares.
Cedo erguer
Aliás, muitos, se não todos os que se concentraram a partir das 15h00 na Junqueira, donde partiu a manifestação convocada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) em direcção ao Centro Cultural de Belém – centro logístico da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia –, onde, no dia seguinte (anteontem, terça-feira), se iriam reunir os ministros da Agricultura e do Mar da União Europeia (UE), fizeram apenas um pequeno intervalo na lida do campo.
Manifestaram-se na véspera da cimeira, todavia na véspera de se manifestarem trataram dos animais e da terra, assegurando que nas nossas mesas lá estará o que é preciso para saciar a mais básica das necessidades. Nada disto tem preço e devia convocar todos os dias a nossa ampla solidariedade.
De resto, sob um sol abrasador, logo ali, frente à antiga FIL, foi justamente de solidariedade e combate que se falou. João Dinis, da Direcção da CNA, irmanou a luta dos que ali estavam com as razões dos milhares seus semelhantes, de Norte a Sul do País e além fronteiras: «pelo direito a produzir e à soberania alimentar dos povos e das regiões, por uma vida digna dos homens e mulheres que trabalham a terra e produzem bons produtos», sublinhou.
Antes do arranque da manifestação, ainda subiram ao palanque improvisado numa carrinha de caixa aberta, representantes de organizações vindas do Estado Espanhol, como a Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros, o Sindicato Labrego Galego, o EHNE Bizkaia e o Sindicato dos Trabalhadores do Campo - Sindicato Andaluz de Trabalhadores, e de França, caso da Confederação Camponesa. Todos denunciando que a Política Agrícola Comum (PAC) e a reforma que ora se projecta impulsiona o agronegócio sobre-explorador de recursos e mão-de-obra, a concentração da propriedade da terra e do gado e a absorção dos subsídios e apoios pelo grande capital agrário, liquida a pequena e a média agricultura e a vitalidade do mundo rural, usando como instrumentos a imposição de preços draconianos à produção, a carência de políticas públicas de regulação, redistribuição e compensação, a subordinação das regras de acesso aos subsídios ou de defesa do equilíbrio ecológico aos grandes interesses.
Semelhante denúncia e argumentos ecoaram, depois do desfile pela Avenida da Índia, junto ao centro Cultural de Belém, onde Laura Tarrafa, da Direcção da CNA, dirigiu o período das intervenções, pautando daquelas e doutras razões a razão de ali se manifestarem as gentes do campo.
Microfone aberto, com a franqueza e o saber de quem semeia e cria, Isménio de Oliveira insistiu nas injustiças que constituem o preço pago aos produtores de leite em Portugal, o mais baixo de toda a UE, e o facto de o Governo descartar compensações para os danos provocados por javalis, veados e corsos, que desde 2017 se acumulam.
No mesmo tom, o António Ferraria garantiu que a luta dos protagonistas da agricultura familiar vai continuar, porque o que está em causa é a liquidação da vitalidade do mundo rural e o que se perspectiva são umas naturezas mortas, campos que florescem ou frutificam artificialmente até perecerem.
Seguiram-se na tribuna Sónia Vidal, que em nome da Coordenadora Europeia da Via Campesina lamentou que a história se repita, pois, tal como em 1992, também a nova reforma da PAC promete deixar de fora os pequenos e médios produtores da Europa.
Não esquecer, contudo, como disse no final da iniciativa Vítor Rodrigues, do Secretariado e do Executivo da CNA, que «a PAC e a UE permitem, mas não obrigam, a muitas das opções políticas que têm sido assumidas pelos governos portugueses, sendo possível até dizer que, relativamente às decisões de Bruxelas, esses sucessivos governos nacionais têm sido “mais papistas que o Papa”, no alcance das medidas da política agrícola que tomaram e continuam a tomar».
Reivindicações
Neste contexto, no documento tendo como destinatários a Ministra da Agricultura e os seus congéneres da UE, entregue por uma delegação constituída por Pedro Santos e Lucinda Pinto, dos órgãos sociais da CNA, Andoni Arriola, da COAG e Morgan Ody, da Confederação Camponesa, e na intervenção de encerramento proferida por Vítor Rodrigues, foram sublinhadas reivindicações como:
Maldita PAC
O PCP na linha da frente
Uma delegação do Partido constituída por Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, João Frazão, da Comissão Política do Comité Central, João Dias, deputado na Assembleia da República (AR), e Agostinho Lopes, da Comissão de Assuntos Económicos e da Comissão Central de Controlo, saudou e falou com dezenas de manifestantes, recebendo de volta palavras de genuíno reconhecimento e apreço.
À comunicação social presente, Jerónimo de Sousa expressou a solidariedade dos comunistas portugueses para com «esta gente de trabalho» e criticou o actual Governo, que «mantém o vício repetido» de canalizar apoios para o agronegócio e tarda em aplicar o Estatuto da Agricultura Familiar.
Por aplicar encontram-se também os benefícios, aprovados na AR por iniciativa do PCP, quanto à electricidade verde. De resto, uma matéria para a qual o Secretário-geral do PCP também chamou a atenção no dia 10 de Junho, aquando da visita à Feira Nacional da Agricultura, em Santarém, aproveitando igualmente para reclamar a valorização daqueles que são uma base imprescindível da produção nacional.