1. Bastou que a presidente da Comissão Europeia viesse a Portugal dar o seu acordo à proposta de Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) preparado pelo Governo (que o retocou, em função de exigências de Bruxelas) para logo se ouvir repetir, em especial na imprensa económica, a velha máxima popularizada por Milton Friedman (embora, na verdade, lhe seja anterior), tão do agrado dos neoliberais da nossa praça: «não há almoços grátis.»
Estamos perante a constatação de algo que há muito o PCP vem denunciando: as verbas do PRR – 16 mil milhões de euros, para os próximos cinco anos – têm associada uma pesada condicionalidade, que não apenas condiciona o destino a dar ao dinheiro, como impõe, como contrapartida pela sua utilização, a realização de «reformas estruturais», algo que sabemos bem demais o que quer dizer.
Durante meses, procurou-se dourar a pílula, ocultando esta condicionalidade e apresentando o PRR como uma superlativa demonstração da «solidariedade europeia». Agora, a pouco e pouco, vai-se destapando o véu que foi ocultando o que nos querem impor. Segundo o Jornal de Negócios (16/06/2021), «além dos compromissos que ficaram escritos, continua a haver pressão para não reverter a legislação laboral (...) e para adoptar medidas que reforcem a sustentabilidade da Segurança Social, nomeadamente no âmbito das pensões». Ou seja, a União Europeia, que além de impor a desregulação das relações laborais, os baixos salários e a precariedade como regra, há muito vem procurando abrir caminho à privatização dos sistemas públicos de Segurança Social, não engoliu nem aceitou que não tenha ido por diante o corte de 600 milhões de euros nas pensões a pagamento, que lhe tinha sido prometido pelo governo PSD-CDS. Fala-se ainda de cortes no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com o encerramento de urgências hospitalares, ao mesmo tempo que recuperam conhecidas lengalengas como a «melhoria das finanças públicas», o «controlo da despesa» ou o «reforço da competitividade», a par de imposições como a «redução da dívida» à custa de «excedentes orçamentais», que não querem dizer outra coisa que não seja a compressão do investimento público e o desinvestimento nas funções sociais do Estado, pelos próximos anos afora.
Sublinhe-se que o PRR que Von der Leyen levou das mãos de António Costa ainda será submetido ao minucioso olhar das (nada frugais) aves de rapina do Conselho, que poderão carregar ainda mais na receita das «reformas estruturais».
2. Esta é uma história que não é de agora. É tão antiga quanto a adesão de Portugal à então CEE. Como se assinalou numa iniciativa recente dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, em Lisboa, em três décadas e meia de integração, Portugal recebeu, em termos líquidos, cerca de 72 mil milhões de fundos comunitários. No reverso da medalha, a aplicação do cardápio de políticas e de orientações da UE conduziu a crescentes saldos negativos da nossa balança de rendimentos primários. Só entre 1995 e 2019, em termos líquidos, saíram de Portugal para países da UE, em lucros distribuídos, dividendos e juros, cerca de 104,5 mil milhões de euros.