Teletrabalho é garantia de direitos e melhores condições de vida?

Helena Silva

O de­sen­vol­vi­mento ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico deve servir os tra­ba­lha­dores

Lusa

O de­sen­vol­vi­mento ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico deve servir os tra­ba­lha­dores, mas no quadro da sua apro­pri­ação pelo ca­pital tem sido co­lo­cado ao ser­viço do agra­va­mento da ex­plo­ração e do ataque aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores. O te­le­tra­balho é exemplo disso. Apre­sen­tado como uma nova forma de tra­balho, nada de novo tem, já que é re­gu­lado pelo Có­digo do Tra­balho desde 2003. No en­tanto, a pres­tação de tra­balho em re­gime de te­le­tra­balho cons­ti­tuiu re­cen­te­mente a mu­dança mais im­por­tante no do­mínio da or­ga­ni­zação do tra­balho.

O te­le­tra­balho não deve cons­ti­tuir um pro­blema, se apro­vei­tado para o de­sen­vol­vi­mento e a me­lhoria das con­di­ções de vida e de tra­balho. Mas a re­a­li­dade é outra. Como já se tem vindo a de­mons­trar, tem dado maior cen­tra­li­dade ao con­fronto entre tra­balho e ca­pital.

O Go­verno do PS en­con­trou no te­le­tra­balho uma mo­da­li­dade que, não sendo nova, dá a apa­rência de mo­der­ni­dade na era da re­vo­lução tec­no­ló­gica e pro­move ilu­sões sobre as suas van­ta­gens para os tra­ba­lha­dores, omi­tindo as con­sequên­cias ne­ga­tivas.

A ge­ne­ra­li­zação do te­le­tra­balho tem sido apro­vei­tado pelo grande ca­pital para fra­gi­lizar e re­duzir di­reitos, tendo já vá­rias grandes em­presas anun­ciado que pre­tendem tornar de­fi­ni­tivo o que era tran­si­tório e tem­po­rário, im­pondo o te­le­tra­balho de forma per­ma­nente, pou­pando em ins­ta­la­ções e con­sumos e fa­zendo ca­minho para acabar com com­po­nentes da re­mu­ne­ração, como o sub­sídio de re­feição.

Mitos e re­a­li­dades

É falsa a ideia de que o te­le­tra­balho dá aos tra­ba­lha­dores fle­xi­bi­li­dade e li­ber­dade na gestão dos ho­rá­rios. Na re­a­li­dade, in­ten­si­fica a pressão para alar­ga­mento de ho­rá­rios, ritmos de tra­balho, dis­po­ni­bi­li­dade per­ma­nente, com a di­fi­cul­dade acres­cida de de­finir, con­trolar e fis­ca­lizar os tempos de tra­balho.

Diz-se também que con­tribui para uma maior con­ci­li­ação da vida pro­fis­si­onal com a vida pes­soal e fa­mi­liar. Mais uma fal­si­dade! É evi­dente a total au­sência desta con­ci­li­ação, trans­for­mando-se a casa do tra­ba­lhador – es­paço pri­vado, de lazer, des­canso e da fa­mília – num local de tra­balho, com a ine­rente falta de tempo para o acom­pa­nha­mento ade­quado aos fi­lhos mo­ti­vado pelas exi­gên­cias e pres­sões pa­tro­nais. Es­bateu-se a fron­teira entre o tra­balho e a vida fa­mi­liar, com maior im­pacto para as mu­lheres tra­ba­lha­doras.

Au­mentam os custos, no­me­a­da­mente com co­mu­ni­ca­ções, água, elec­tri­ci­dade, con­su­mí­veis e ma­te­rial de es­cri­tório; a uti­li­zação de fer­ra­mentas al­ta­mente in­tru­sivas que ras­treiam a uti­li­zação do te­clado, os mo­vi­mentos do rato ou a lo­ca­li­zação fí­sica dos tra­ba­lha­dores, que mais não servem senão para in­ten­si­ficar a re­pressão sobre os mesmos. A se­pa­ração fí­sica e maior iso­la­mento nega a pos­si­bi­li­dade de par­tilha de ex­pe­ri­ên­cias e co­nhe­ci­mentos, que fra­gi­liza a cons­trução de laços de so­ci­a­bi­li­zação e de afir­mação de es­paços de so­li­da­ri­e­dade co­lec­tiva, com im­pactos ne­ga­tivos no es­cla­re­ci­mento, uni­dade, or­ga­ni­zação e luta.

Tudo isto tem im­pactos pro­fun­da­mente ne­ga­tivos para a saúde, po­ten­ci­ando o es­go­ta­mento, a de­pressão e o sen­ti­mento de ex­clusão.

 

O que se impõe

É ne­ces­sário fixar um valor de ajudas de custo para com­pensar o tra­ba­lhador pelos gastos acres­cidos com o te­le­tra­balho; ga­rantir que os ins­tru­mentos de tra­balho res­pei­tantes a tec­no­lo­gias de in­for­mação e de co­mu­ni­cação e de­mais equi­pa­mento (sua ins­ta­lação, aco­mo­dação e ma­nu­tenção) são da res­pon­sa­bi­li­dade da en­ti­dade pa­tronal; ga­rantir que o tra­ba­lhador em te­le­tra­balho mantém o seu posto de tra­balho na em­presa com a pos­si­bi­li­dade de, a qual­quer mo­mento, poder re­gressar ao mesmo, as­se­gu­rando a pre­ser­vação de uma ló­gica tem­po­rária e tran­si­tória do te­le­tra­balho.

É ainda ne­ces­sário ga­rantir que o tra­ba­lhador tem o poder de re­jeitar o te­le­tra­balho, quando con­si­dere que não estão reu­nidas as con­di­ções para que preste a sua ac­ti­vi­dade com dig­ni­dade, pri­va­ci­dade e res­peito pelas con­di­ções de se­gu­rança e saúde, pois o acordo não é nem nunca foi su­fi­ci­ente para re­gular a re­lação de te­le­tra­balho. Sa­bemos bem que na re­lação entre tra­balho e ca­pital há uma parte mais fraca e uma outra mais forte.

Não é o te­le­tra­balho que re­sol­verá um con­junto de pro­blemas la­bo­rais sen­tidos todos os dias – a ex­plo­ração, a pre­ca­ri­e­dade, os baixos sa­lá­rios, os in­tensos ritmos de tra­balho, as pres­sões, a des­re­gu­lação de ho­rá­rios, as longas jor­nadas de tra­balho. Pelo con­trário, tem con­tri­buído para o seu apro­fun­da­mento.

É fun­da­mental con­ti­nuar e in­ten­si­ficar a luta, afir­mando que os tra­ba­lha­dores em te­le­tra­balho têm obri­ga­to­ri­a­mente de ter os mesmos di­reitos e ga­ran­tias que os res­tantes, e re­jeitar a ideia de que a casa do tra­ba­lhador seja um posto de tra­balho, local de tra­balho ou «ex­tensão» da em­presa, e a ge­ne­ra­li­zação do te­le­tra­balho como uma pa­na­ceia para todos os males.




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