Grande estreia da música electrónica na Festa pela arte de Violet

Na Festa, a sua par­ti­ci­pação é uma es­treia e a sua mú­sica é, si­mul­ta­ne­a­mente, uma no­vi­dade. Chama-se Vi­olet, nome fir­mado na mú­sica elec­tró­nica. Ao palco le­vará ma­te­riais do seu mais re­cente EP mas também novas cri­a­ções em ges­tação. É com en­tu­si­asmo que nos fala desta mú­sica sur­gida como ex­pressão cul­tural de re­sis­tência de co­mu­ni­dades mar­gi­na­li­zadas. Sa­tis­fação em tudo igual à forma como en­cara esta sua pri­meira ac­tu­ação na Festa do Avante!, ela que foi a única ar­tista por­tu­guesa – com o seu nome pró­prio, Inês Borges Cou­tinho - a subs­crever um do­cu­mento in­ter­na­ci­onal de so­li­da­ri­e­dade com a Pa­les­tina.

- A Vi­olet vai correr um risco na Festa do Avante!, pois o pú­blico que ha­bi­tu­al­mente fre­quenta a Ata­laia nunca teve ali uma oferta de pri­meira linha na área da mú­sica elec­tró­nica. A mú­sica “de dis­co­teca” faz sen­tido num re­cinto como a Festa?

Tomo o risco com gosto! A mú­sica de dança no fundo é an­ces­tral - e todo o ri­tual em seu torno - por isso tenho es­pe­rança que de al­guma forma as pes­soas sintam uma fa­mi­li­a­ri­dade com o pro­cesso. A mú­sica elec­tró­nica faz sen­tido em qual­quer lugar onde a plu­ra­li­dade e a ce­le­bração existam, por isso a Festa pa­rece-me per­feita!

- A mú­sica elec­tró­nica ra­ra­mente é vista como mú­sica po­li­ti­ca­mente em­pe­nhada Porém, a Vi­olet rei­vin­dica-se de uma ten­dência un­der­ground e eman­ci­pa­tória. Quer-nos ex­plicar o sen­tido po­lí­tico e so­cial dos vá­rios pro­jetos em que está en­vol­vida?

Em­bora isso tenha fi­cado per­dido no ruído da His­tória, a mú­sica elec­tró­nica para dançar surge de um con­texto po­lí­tico: foi in­ven­tada nos anos 80 por pes­soas de co­mu­ni­dades mar­gi­na­li­zadas, usando sin­te­ti­za­dores con­si­de­rados ob­so­letos porque não ti­nham meios para mais . Surge como um gesto eman­ci­pa­tório por re­clamar uma voz e um es­paço de livre ex­pressão - por um lado ar­tís­tica, na mú­sica ino­va­dora que pro­du­ziam; e so­cial, nos clubes onde as pes­soas se en­con­travam e cri­avam novas redes de entre-ajuda, novos es­paços de re­sis­tência con­junta e de ce­le­bração co­mu­ni­tária. É este es­pí­rito que ten­tamos tra­duzir nos pro­jectos como a Rádio Quân­tica (rádio on­line co­mu­ni­tária), a mina (festa queer), a naive (edi­tora) ou a manta (um es­paço cul­tural em Lisboa) - são pro­jectos vi­rados para as pes­soas, dando es­pe­cial atenção às pes­soas menos pro­te­gidas, onde ten­tamos dar pri­mazia à ajuda mútua, à luta das mu­lheres, das pes­soas LGBTQIA+ e dos tra­ba­lha­dores, à luta an­ti­fas­cista e anti-ra­cista. Tenta-se também, nos vá­rios es­forços, in­sistir em ideias como a aces­si­bi­li­dade à cul­tura e a va­li­dação de novos ar­tistas que tra­ba­lhem em lin­gua­gens ainda pouco va­lo­ri­zadas.

- O que é, afinal, o un­der­ground em que a mú­sica da Vi­olet vive?

O un­der­ground nada mais é do que todas as mo­vi­men­ta­ções ar­tís­ticas que pa­recem voar bai­xinho, mesmo de­baixo do al­cance dos ra­dares da media mais es­ta­be­le­cida: são lar­ga­mente ig­no­radas pelas grandes rá­dios, edi­toras e ca­nais de tv, por exemplo. Por isso é que surge o mo­vi­mento DIY (Do It Your­self), em que ar­tistas e tra­ba­lha­dores da cul­tura criam os seus pró­prios or­ga­nismos e pla­ta­formas in­de­pen­dentes para ope­rarem em pa­ra­lelo, numa es­pécie de plano sub­ter­râneo 'pi­rata' com as suas pró­prias redes e ini­ci­a­tivas.

- E o que é a Rádio Quân­tica?

É uma rádio on­line co­mu­ni­tária que pode ser ou­vida em ra­di­o­quan­tica.com e que roda pro­gramas e mú­sica 24/​7. Do meio dia à meia noite a pro­gra­mação con­siste de pro­gramas de autor, con­tra­ri­ando o sis­tema al­go­rit­mico da play­list clás­sica e abrindo es­paço para uma rádio mais au­toral, mais ines­pe­rada - onde se cruzam pes­soas de di­fe­rentes dis­ci­plinas ar­tís­ticas, onde se par­ti­lham ideias e se ex­pe­ri­menta com o for­mato de rádio.

- Lançou em Abril o EP Es­pí­rito. É essa a base do que vai apre­sentar na Festa do Avante!?

Vou cer­ta­mente apre­sentar ma­te­rial do Es­pí­rito, sim! E também de ou­tros discos - um EP e al­gumas re­mis­turas - que estou a pre­parar neste mo­mento.

- Para além de ter so­li­ci­tado aos ar­tistas deste ano que, na me­dida do pos­sível, con­vi­dassem para o seu es­pe­tá­culo ou­tros ar­tistas, para alargar o leque de par­ti­ci­pação a mais pro­fis­si­o­nais, a or­ga­ni­zação da Festa do Avante! lem­brou-se também de pedir, a cada um, uma in­ter­pre­tação pes­soal de uma das can­ções in­cluídas no álbum Can­tigas do Maio, de José Afonso, um marco na evo­lução da mú­sica por­tu­guesa e que foi lan­çado há 50 anos. Aceitou este de­safio? E se sim, que canção desse disco es­co­lheu para cantar na Ata­laia?

Aceitei, pois - com grande ale­gria. Ainda estou a fazer ex­pe­ri­ên­cias para per­ceber a qual canção con­sigo fazer mais jus­tiça, por isso... vai ser sur­presa!

- Como é que, do ponto de vista pro­fis­si­onal, tem vi­vido a crise pro­vo­cada ela pan­demia? Teve tra­balho? Be­ne­fi­ciou de apoios go­ver­na­men­tais? Como vê a re­lação do go­verno com a cul­tura neste con­texto?

Como quase todos os ar­tistas sou uma tra­ba­lha­dora pre­cária - mas de­pois de al­guns anos mais ac­tivos tinha o pri­vi­légio de, no início de 2020, ter al­gumas pou­panças pela pri­meira vez na vida. Quase não tive tra­balho du­rante um ano, este ano co­mecei a ter uns pe­quenos tra­ba­lhos de com­po­sição e re­mis­tura. Re­cebi algum apoio da se­gu­rança so­cial para tra­ba­lha­dores in­de­pen­dentes, mas foi pouco, e nem se­quer acon­teceu todos os meses - de todo! Não me cabe na ca­beça como é que a cul­tura, dados os con­tornos da nossa ac­ti­vi­dade, não foi uma ver­da­deira pri­o­ri­dade do Go­verno - os apoios vi­eram muito tarde, foram bas­tante bu­ro­crá­ticos e não têm uma ló­gica de apoio co­or­de­nado e sus­ten­tado. De al­guma forma sinto que o sector cul­tural foi mais uma vez re­le­gado para um se­gundo plano por não ser uma ac­ti­vi­dade con­si­de­rada es­sen­cial, o que é ma­ni­fes­ta­mente fa­la­cioso (o que seria de nós sem po­esia, ci­nema, mú­sica?), e por outro lado, por não ser uma 'ín­dús­tria' cujo 'vo­lume de ne­gó­cios' encha o olho a quem vê o mundo es­tri­ta­mente como um mer­cado. Só se en­ca­rarmos a cul­tura como o bem es­sen­cial que é po­demos honrar a sua pro­dução e fruição - ambas de­viam ser de acesso uni­versal.

- O exemplo dado o ano pas­sado pela Festa do Avante!, pro­vando que era pos­sível or­ga­nizar eventos de grande di­mensão em se­gu­rança, apa­ren­te­mente não foi muito se­guido ou raras vezes foi re­pli­cado pelos vá­rios pro­mo­tores de es­pec­tá­culos. En­contra al­guma ex­pli­cação para isso?

É ver­dade, é mesmo pos­sível e a Festa mos­trou-o! Sinto que neste campo há exem­plos bas­tante dís­pares dentro da cul­tura: cu­ri­o­sa­mente (ou não), vi es­tru­turas com poucos meios fi­nan­ceiros como as­so­ci­a­ções cul­tu­rais (a Ga­leria Zé dos Bois ocorre-me, bem como o Nú­cleo A70) a fa­zerem um es­forço real para manter as pes­soas em se­gu­rança. Os grandes fes­ti­vais e eventos cujos ob­jec­tivos se prendem so­bre­tudo com ga­nhos fi­nan­ceiros e não com a di­fusão cul­tural, pe­rante as re­du­ções de nú­mero de bi­lhetes que podem vender, talvez se sintam des­mo­ti­vados. Por isso é que a cul­tura devia ser pú­blica/​co­mu­ni­tária e uni­versal!

 

So­li­da­ri­e­dade com a Pa­les­tina

- A Vi­olet foi a única ar­tista por­tu­guesa que as­sinou, com o seu nome pes­soal, Inês Borges Cou­tinho, o do­cu­mento #mu­si­ci­ans­for­pa­les­tine que nomes como os Rage Against the Ma­chine ou Roger Wa­ters pro­mo­veram este ano, na sequência dos novos ata­ques is­ra­e­litas. É uma ac­ti­vista po­lí­tica que “vai a todas” ou é par­ti­cu­lar­mente sen­sível à si­tu­ação da Pa­les­tina?

As­sinei sim. Há uns anos que estou em con­tacto com o PACBI / BDS porque apoio a luta do povo pa­les­ti­niano e quero poder ajudar de uma forma tác­tica, e o boi­cote cul­tural é pre­ci­sa­mente isso. Nem sei se me cha­maria ac­ti­vista, talvez não me­reça esse tí­tulo - mas sim, acho que posso con­cordar que sou uma ac­ti­vista in­formal. Se vou a todas? Quem me dera. Era sinal que tinha tempo para me manter in­for­mada, es­tra­te­gi­zando e fo­cada! Em­bora na prá­tica o meu ac­ti­vismo e a minha po­lí­tica sejam de cariz mais local, ten­tando im­pactar o que con­sigo, a luta do povo pa­les­ti­niano também acabou por ser uma pri­o­ri­dade dos meus so­nhos eman­ci­pa­tó­rios, se ca­lhar porque já a minha mãe, his­to­ri­a­dora, apoia o BDS, e também porque fui co­nhe­cendo no mundo da mú­sica pes­soas como o Samir Es­kanda ou a DJ pa­les­ti­niana Sama através das quais tive opor­tu­ni­dade de apro­fundar o meu co­nhe­ci­mento sobre e a minha re­lação com esta causa.



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