Se não podemos dançar não é uma democracia

António Santos

Há um país no mundo onde um homem pode ser preso por dançar. Nesse país, o fun­dador de uma or­ga­ni­zação de de­fesa dos di­reitos hu­manos ar­risca dois anos de prisão por ser negro e ter dan­çado na cara do ódio. Apre­sento Ernst Jean-Ja­ques, mais co­nhe­cido como Shimmy. Apre­sento os Es­tados Unidos da Amé­rica.

Faça chuva ou faça sol, duas vezes por se­mana, Heidi Hi­land, membro da Re­fuse Fas­cism, marca pre­sença numa con­cen­tração para exigir a li­ber­tação de Shimmy, edu­cador so­cial e ac­ti­vista da or­ga­ni­zação de de­fesa de di­reitos hu­manos no Es­tado de Mas­sa­chus­sets (MA), Fre­edom Figh­ters Co­a­li­tion. Foi ela que me contou o que acon­teceu no dia 12 de De­zembro de 2020: «Eu es­tava em Washington DC, na ma­ni­fes­tação contra a marcha “mi­lhões MAGA”, mas a mai­oria dos nossos mi­li­tantes fi­caram em MA para en­frentar o grupo de Di­anna Ploss em Swamps­cott, onde mora o go­ver­nador. Em vá­rios grupos, co­me­çaram a dizer-me o que tinha acon­te­cido ao Shimmy».

E o que acon­teceu ao Shimmy foi fil­mado. Nas ima­gens pode ver-se um grupo de su­pre­ma­cistas brancos a cantar «con­signas pró-Trump». Pe­rante a pro­vo­cação dos fas­cistas, um homem negro dança. De­pois, vê-se uma mu­lher a atirar-lhe água. O ins­tinto ime­diato de Shimmy foi der­rubar a gar­rafa. Também em vídeo, pode ouvir-se a mu­lher em causa, que res­ponde pelo nome de Linda Gre­en­berg, a ad­mitir ter-lhe ati­rado água porque «não gostou da dança dele».


Apre­sento Di­anna Ploss

«Aca­bámos de as­sistir a um grupo de ter­ro­ristas a in­vadir o ca­pi­tólio, e a tentar um golpe», ex­plicou-me Hi­land: «um desses ter­ro­ristas é Di­anna Ploss, a pro­mo­tora de con­cen­tra­ções de ódio ra­cial que, se­ma­nal­mente, levam o terror a MA como le­varam à de­tenção do Shimmy. Mas Di­anna Ploss não está presa: está a can­di­datar-se a go­ver­na­dora do Es­tado. Ela diz aber­ta­mente que par­ti­cipou na in­vasão, até trans­mitiu em di­recto a sua par­ti­ci­pação, mas quem está preso é o Shimmy, porque se atreveu a dançar em frente aos ra­cistas».

«Na Amé­rica os ne­gros são su­jeitos a re­gras di­fe­rentes», disse-me Shimmy. Acu­sado de agressão, perdeu o em­prego, o se­guro de saúde e a pos­si­bi­li­dade de tra­ba­lhar. «A vida não tem sido di­ver­tida du­rante este úl­timo ano: mas perder o meu tra­balho, que é o meu único meio de sub­sis­tência, foi o pior». Ainda assim, apesar da per­se­guição ju­di­cial e das ame­aças de morte, o ac­ti­vista anti-ra­cista pro­mete não baixar os braços tão cedo: «Eu acre­dito em fazer o que está certo e en­quanto tiver um corpo sau­dável e uma ca­beça para pensar, hei-de con­ti­nuar a lutar pelo meu povo. É uma obri­gação moral», sin­te­tizou.

Não se trata, afinal de contas, uni­ca­mente de Shimmy, ex­plicou-me Hi­land: «Isto é sobre o Shimmy, mas também é sobre o Black Lives Matter [As Vidas dos Ne­gros Im­portam]. Uma mu­lher branca ataca um homem negro; mente; a po­lícia detém o homem negro e o sis­tema ju­di­cial pro­tege a mu­lher branca. Esta é uma his­tória que se re­pete todos os dias neste país. O po­lícia que veio deter o Shimmy, por exemplo, soube o que se es­tava a passar porque es­tava a as­sistir em di­recto à trans­missão dos ra­cistas nas redes so­ciais. O pro­blema do sis­tema de jus­tiça ame­ri­cano é que foi feito para ser ra­cista», con­cluiu.

No pró­ximo dia 18 o jul­ga­mento de Shimmy co­nhe­cerá nova sessão. Uma vasta co­li­gação de or­ga­ni­za­ções so­li­dá­rias pro­mete fazer ouvir dentro do tri­bunal a con­signa que, deste lado do Atlân­tico, a co­mu­ni­cação so­cial ca­lará: «Shimmy livre!».




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