Na luta ambiental, não há políticas neutras!

Vladimiro Vale

O capitalismo não é, nem será, verde

1. Acreditar na ciência é exigir um processo sério e materialmente fundado

Na discussão dos problemas ambientais passou a usar-se o jargão «eu acredito na ciência», mais como frase decorativa de t-shirts, menos como salvaguarda dos princípios que guiam a ciência.

Mais do que tomar partido deste(s) ou daquele(s) estudo(s) o que se exige é meios para investigar as causas para a variabilidade climática e os sistemas climáticos sem simplificações, nem limitações. Um relatório de junho deste ano (https://www.corporateaccountability.org/wp-content/uploads/2021/06/The-Big-Con_EN.pdf) alerta para a propaganda e lavagem verde montadas por muitas corporações multinacionais a propósito de anúncios de esquemas de zero emissões líquidas. «Os principais poluidores contribuíram generosamente para universidades, incluindo o MIT, Universidade de Princeton, Universidade de Stanford e o Colégio Imperial de Londres, num esforço de influenciar investigação relacionada com zero emissões líquidas. No caso do Projecto Energia e Clima Global da Universidade de Stanford, a ExxonMobil reteve o direito de rever formalmente a investigação antes do término e foi-lhe permitido colocar funcionários de confiança nas equipas de investigação.»

Nesta área, como noutras, a simplificação conduz à falta de rigor e favorece a demagogia e o clima de alarmismo. Como disse Batata-Moura, a «ciência não é uma garantia, é exigência de um processo sério e materialmente fundado».

 

2. O discurso pseudoverde e oportunidades de negócio

Numa publicação disponível no site do FMI sobre Gestão Verde das Finanças Públicas, reafirmando o objectivo da precificação das emissões, lá se assume que é necessário «aumentar a aceitação de preços da energia mais elevados» (Climate-Sensitive Management of Public Finances — «Green PFM», https://www.elibrary.imf.org/view/journals/066/2021/002/066.2021.issue-002-en.xml).

Em linha com as orientações do FMI, os sucessivos governos têm vindo a apostar nos chamados instrumentos de mercado na área ambiental. As licenças de emissão de CO2 são apelidadas de «instrumento principal», passando por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados no plano da UE e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro nas mãos dos grupos que têm responsabilidades na degradação ambiental.

 

3. Catastrofismo e a potenciação da aceitação da exploração

Existe quem se aproveite do discurso catastrofista para a criação de aceitação (ao nível de massas) de que os problemas ambientais se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos, à taxação dos comportamentos individuais, a mercados e consumo verdes. É necessário combater a transformação de um suposto discurso ambiental, numa arma para fomentar a aceitação do aumento de exploração à escala de massas. Está cada vez mais claro que o que está por trás do encerramento da refinaria da GALP em Leça da Palmeira, não são preocupações ambientais, mas sim uma estratégia de redução da capacidade produtiva da UE para manter taxas de lucro e favorecer estratégias monopolistas.

Tal como o PCP tem vindo a alertar, a etiqueta «ambiente» tem servido para que a operação de encerramento da refinaria seja financiada com fundos públicos, com o Estado a assumir os custos da GALP com esta sua decisão, nomeadamente as indemnizações aos trabalhadores e a recuperação dos solos da refinaria.

Não existem tecnologias verdes à partida. Empregos ou consumos verdes à partida. Tecnologias e produtos serão verdes dependendo do modo como são produzidos, geridos e explorados e do objectivo imediato que prosseguem. O capitalismo não é, nem será, verde!




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