Afeganistão

Pedro Guerreiro

Todos os povos têm di­reito a de­cidir dos seus des­tinos

Se dú­vidas per­sis­tissem quanto à di­mensão e sig­ni­fi­cado da der­rota hu­mi­lhante dos EUA, da NATO e dos seus ali­ados no Afe­ga­nistão, bas­taria atentar no de­pri­mente es­pec­tá­culo e jogo do passa culpas entre De­mo­cratas e Re­pu­bli­canos nos EUA, entre os EUA e os seus ali­ados na NATO e entre os EUA/​NATO e o seu go­verno fan­toche no Afe­ga­nistão.

Pe­rante a crua re­a­li­dade dos factos, os co­men­ta­ristas de ser­viço em­pe­nham-se em jus­ti­ficar o in­jus­ti­fi­cável. De novo, aludem à dita guerra ao ter­ro­rismo – cuja acção, en­tre­tanto, foi dis­se­mi­nada e fo­men­tada em ope­ra­ções contra ou­tros países – e, par­ti­cu­lar­mente, aos di­reitos hu­manos, como se em algum mo­mento estes ti­vessem es­tado pre­sentes na acção de in­ge­rência e agressão do im­pe­ri­a­lismo, salvo como pre­texto para jus­ti­ficá-las.

Nesse sen­tido, tentam fazer es­quecer não só as con­sequên­cias de 20 anos (2001-2021) de in­vasão e ocu­pação pelos EUA, como as con­sequên­cias dos 20 anos an­te­ri­ores (1978-2000) de in­ge­rência, de­ses­ta­bi­li­zação e guerra pro­mo­vida igual­mente pelos EUA e que le­varam à li­qui­dação da Re­pú­blica De­mo­crá­tica do Afe­ga­nistão – ins­tau­rada pela Re­vo­lução po­pular afegã (1978) e que re­sistiu mais de três após a re­ti­rada das forças so­vié­ticas, pre­sentes no país (1979-1989) para apoiar as forças afegãs face à acção dos EUA – e à im­po­sição do brutal, re­tró­grado e obs­cu­ran­tista poder dos mu­jahidin (1992) e, pos­te­ri­or­mente, dos ta­libã (1996). Per­cebe-se porquê.

Na ver­dade, os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pelo des­res­peito e agressão aos di­reitos do povo afegão são os EUA e os seus ali­ados, cuja acção não só é causa da des­truição dos mais sig­ni­fi­ca­tivos avanços pro­gres­sistas e di­reitos al­can­çados pelo povo afegão – par­ti­cu­lar­mente em re­lação às mu­lheres, como a igual­dade de di­reitos, in­cluindo na edu­cação, no tra­balho, na so­ci­e­dade –, como de cen­tenas de mi­lhares de mortos, da des­truição de um país, de mi­lhões de des­lo­cados e re­fu­gi­ados. E não só no Afe­ga­nistão.

De forma cí­nica e opor­tu­nista, afirma agora Joe Biden, pre­si­dente dos EUA, que «é di­reito e res­pon­sa­bi­li­dade ex­clu­siva do povo afegão de­cidir do seu fu­turo e como querem ad­mi­nis­trar o seu país» e que «cabe ao povo do Afe­ga­nistão de­cidir que go­verno quer, não a nós impor-lhes um go­verno». É ne­ces­sário re­cordar a Biden, e a todos os bi­dens que por aí pu­lulam, que este é um di­reito não só do povo afegão, mas de todos os povos, no­me­a­da­mente dos povos sírio, ira­quiano, ie­me­nita, ira­niano, cu­bano, ve­ne­zu­e­lano, ni­ca­ra­guense ou bi­e­lor­russo, entre tantos ou­tros povos do mundo que são alvo das cri­mi­nosas in­ter­ven­ções mi­li­tares, ope­ra­ções de de­ses­ta­bi­li­zação, san­ções e blo­queios eco­nó­micos im­postos pelos EUA e seus ali­ados.

Os re­centes acon­te­ci­mentos no Afe­ga­nistão evi­den­ciam ainda a res­pon­sa­bi­li­dade de di­versos go­vernos do PS, PSD e CDS no en­vol­vi­mento de Por­tugal e das Forças Ar­madas por­tu­guesas em guerras de agressão a ou­tros povos, pro­mo­vidas pelos EUA/​NATO, des­res­pei­tando não só a as­pi­ração à paz do povo por­tu­guês, afir­mada na Re­vo­lução de Abril – que co­locou fim à guerra co­lo­nial – e con­sa­grada na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, como a Carta das Na­ções Unidas e o di­reito in­ter­na­ci­onal.

Por mais que o pro­curem es­ca­mo­tear, são os EUA e os seus ali­ados os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pelos ac­tuais riscos e pe­rigos que se co­locam ao Afe­ga­nistão, aos di­reitos do seu povo, assim como à re­gião da Ásia Cen­tral.




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