O fado tradicional e jovem de Teresinha Landeiro

Aos 25 anos, Te­re­sinha Lan­deiro tem já dois discos edi­tados e uma forma muito pró­pria de viver o fado. Na Festa apre­sen­tará o seu mais re­cente tra­balho, Agora, quase todo es­crito por si pró­pria, e in­ter­pre­tará Milho Verde, de José Afonso.

Quando com­para o seu novo tra­balho dis­co­grá­fico, Agora, lan­çado já este ano, com o pri­meiro, Na­moro, de 2018, que me­lho­rias, que evo­lução sente ter con­se­guido obter de há três anos para cá?

Ao ouvir ambos os discos sinto coisas com­ple­ta­mente di­fe­rentes. Re­lembro fases muito dis­tintas da minha vida. O Na­moro é o cul­minar de 10 anos de apren­di­zagem, foi cons­truído com os fados que fui co­lec­ci­o­nando desde que co­mecei a cantar. Fun­ciona como re­gisto do meu per­curso e da minha cons­trução en­quanto ar­tista.

O Agora nasceu de uma forma to­tal­mente di­fe­rente. Quase todos os temas foram com­postos para este disco. Os mais an­tigos, que per­ten­ciam ao re­per­tório de fa­distas que ad­miro bas­tante, foram es­co­lhidos com muito cui­dado. Todos acabam por ter um sig­ni­fi­cado es­pe­cial e por me re­tratar na per­feição, aos dias de hoje. Quero acre­ditar que neste Agora me apre­sento um pouco mais ma­dura e con­fi­ante.

Apro­veitei também para re­forçar a minha po­sição de can­tau­tora. Es­cre­vendo as le­tras que canto torna-se mais fácil cantar fado com o olhar da minha idade. É mais fácil fazer com que o fado tenha apenas 25 anos sem pressa de ter mais.

Co­meçou a es­crever essas le­tras para ter textos que se ade­quam mais à sua sen­si­bi­li­dade e ma­neira de cantar, porque sente que tem algo de di­fe­rente a dizer ao mundo, porque pro­cura inovar? Por nada disto?…

Co­mecei a es­crever al­gumas coisas com 13 anos porque sempre adorei es­crever, e acon­tecia que quando co­mecei a cantar, com 12 era di­fícil en­con­trar le­tras ade­quadas para a minha idade. Então um dia ar­ris­quei cantar uma das le­tras que tinha es­crito, e não correu mal.

Ouvi vá­rias vezes que não po­deria cantar de­ter­mi­nadas le­tras ou po­emas por não ter idade para os com­pre­ender. Assim, es­cre­vendo, con­se­guia con­tornar essa questão: se eu tinha es­crito, então em prin­cípio en­ten­deria a men­sagem da letra. E ra­pi­da­mente, a es­crita passou a ser uma das mi­nhas grandes pai­xões. Não sei se as mi­nhas his­tó­rias e as mi­nhas men­sa­gens são as mais re­le­vantes, mas pelo menos são mi­nhas e eu con­sigo falar delas com ver­dade.

Quais são as prin­ci­pais men­sa­gens que tenta passar nas suas le­tras?

Canto, na­tu­ral­mente, muitas his­tó­rias de amor. É um as­sunto trans­versal a todos nós e muito ape­la­tivo à es­crita. Qual­quer co­ração gosta de se en­con­trar ou rever numa letra de uma canção, o meu prin­ci­pal­mente numa letra de um fado.

Mas com o passar do tempo co­mecei a sentir ne­ces­si­dade de parar de es­crever só sobre mim e sobre os meus sen­ti­mentos e as mi­nhas «dores», e co­mecei a tentar falar sobre ou­tros as­suntos vistos pelos meus olhos. O tempo é uma questão que abordo de vá­rias pers­pec­tivas e a forma como a vida é vi­vida e como eu gos­tava que o Mundo fosse.

Estou a tentar sair de mim para olhar mais em volta. É um pro­cesso mais com­plexo, mas tem sido um início de vi­agem muito in­te­res­sante.

Em que é que a sua ge­ração se apro­xima mais e se afasta mais da tra­dição fa­dista?

Eu sou apai­xo­nada por fado. Quando falo de fado com al­guém ou tento ex­plicar o que é fado pa­reço uma cri­ança num parque de di­ver­sões, às vezes até me emo­ciono a falar dele. Prezo muito a tra­dição. Gosto muito do fado como ele é, com gui­tarra, viola e baixo.

Pre­ciso de cantar fados tra­di­ci­o­nais (fados com uma me­lodia sem re­frão onde se pode en­caixar qual­quer letra desde que com a mé­trica certa para me­lodia), no en­tanto, neste disco surgem duas mú­sicas acom­pa­nhadas por ins­tru­mentos di­fe­rentes e uma outra mú­sica mais vi­rada para o fado canção.

Con­si­dero que o meu canto será o que me apro­xima da tra­dição fa­dista e que talvez a minha imagem seja o que re­pre­senta menos a tra­dição. No en­tanto, sou da opi­nião que é

im­por­tante que a mú­sica vá acom­pa­nhando os tempos, e que se é para acom­pa­nhar pre­firo que seja sempre através da roupa e das le­tras. Claro que po­demos fundir o fado com ou­tros es­tilos e ou­tros ins­tru­mentos, só temos é de chamar as coisas pelos nomes e quando for para ser fado mesmo, deixá-lo ser na sua es­sência.

Neste seu úl­timo disco faz uma ho­me­nagem a Ce­leste Ro­dri­gues no tema O Meu Xaile? O que é que a mo­tivou a fazer esse tri­buto?

Faço sim. Faço-o, em pri­meiro lugar, porque a Ce­leste é uma fa­dista de re­fe­rência que fi­cará para sempre na nossa his­tória, e em se­gundo porque foi uma amiga que a vida me deu, porque aprendi com ela tantas coisas ma­ra­vi­lhosas que a única forma que tenho de lhe agra­decer tudo isto é ho­me­na­ge­ando-a e re­cor­dando-a. Sinto muitas sau­dades dela e lembro-me muitas vezes da forma bo­nita como vivia a vida. Foi e será uma ins­pi­ração para sempre.

Em 2020, a Festa do Avante! per­mitiu a al­guns ar­tistas exer­cerem a sua pro­fissão em con­di­ções de se­gu­rança, para eles e para o pú­blico. Mas o exemplo de que era pos­sível or­ga­nizar eventos de grande di­mensão em se­gu­rança, apa­ren­te­mente não foi muito se­guido. Porquê?

Creio que os pro­mo­tores não avan­çaram de­vido às po­lí­ticas adop­tadas pelo Go­verno. É ne­ces­sário re­co­meçar em todas as áreas. A área da cul­tura foi bas­tante sa­cri­fi­cada tendo sido a pri­meira a en­cerrar e ainda não re­a­briu em de­fi­ni­tivo. Há muitos tra­ba­lha­dores pro­fis­si­o­nais da cul­tura, que são es­pe­ci­a­li­zados, e con­ti­nuam com muitas di­fi­cul­dades. É mesmo ne­ces­sário in­verter esta si­tu­ação.

Como é que foi a sua vida pro­fis­si­onal neste con­texto de pan­demia?

Apro­veitei a pri­meira fase da pan­demia para gravar o meu disco Agora. Em­bora me tenha dado tempo para tra­ba­lhar, foi pelas pi­ores ra­zões, e como é sa­bido a pan­demia foi com­pli­cada para quase todas as pes­soas que vivem do sector da cul­tura, eu não fui ex­cepção.

Ainda assim posso agra­decer por estar a con­se­guir fazer pro­moção deste meu novo tra­balho e, de uma forma ou de outra, ir con­se­guindo levá-lo até às pes­soas. Mas es­tamos longe de atingir a nor­ma­li­dade, e isso é pre­o­cu­pante.

A or­ga­ni­zação da Festa pediu, a cada ar­tista, uma in­ter­pre­tação pes­soal de uma das can­ções in­cluídas no álbum Can­tigas do Maio, de José Afonso. Aceitou o de­safio? E se sim, que canção es­co­lheu?

Aceitei o de­safio com muito gosto. Sou fã de José Afonso. Quando era pe­que­nina, na es­cola pri­meira que fre­quentei em Vila No­gueira de Azeitão, a minha pro­fes­sora en­saiou com a minha turma vá­rias can­ções do Zeca Afonso para cantar na festa de final de ano de­vido ao facto de ele ter mo­rado em Azeitão. Desde aí fi­quei a co­nhecer o re­per­tório dele de uma ponta à outra, até porque era ou­vido as­si­du­a­mente em minha casa.

Do álbum Can­tigas de Maio, vinil que tenho em casa, es­colhi cantar umas das can­tigas que cantei nessa festa de final de ano, Milho Verde.

 



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