- Nº 2498 (2021/10/14)

Orçamento do Estado 2022 - quando o que é decisivo não consta!

Opinião

Um Orçamento do Estado (OE) não define por si só uma política mas também não pode deixar de traduzir opções que lhe estão subjacentes, nem deixar de estar articulado com outros instrumentos que cada um dos governos dispõe para responder – se essa for a intenção – aos problemas do País.

Foi esse o enquadramento que pesou na avaliação que fizemos ao longo dos últimos anos sobre cada um dos OE. Uma avaliação que não desperdiçou nenhuma oportunidade, na correlação de forças existente, para travar medidas negativas, repor direitos e rendimentos e conquistar avanços que não podem deixar de ser valorizados. Mesmo depois de 2019, já com um quadro político diferente do que emergiu das eleições de 2015, foram dadas importantes respostas, incluindo no OE que está em vigor, designadamente para responder aos impactos da epidemia.

Todo um percurso onde ficou visível a determinação do PCP e o carácter decisivo da sua intervenção no apontar de um caminho diferente ao da política de direita, mas também onde ficaram claras as opções de classe do PS. Resistindo a muitas das medidas, adiando tantas outras, adulterando algumas e recusando quase sempre o que de mais estrutural se impunha, podemos dizer que se não se foi mais longe, foi porque o PS não quis.

A epidemia teve o infeliz papel de destapar ainda mais muitas das fragilidades estruturais e vulnerabilidades diversas. Da precariedade laboral aos baixos salários, da enorme dependência externa (medicamentos, alimentos, equipamentos, etc) ao vertiginoso recuo no direito à habitação, do indisfarçável assalto que os grupos privados da saúde estão a fazer ao SNS aos problemas da escola pública que entretanto se acumularam.

A questão que se coloca então é a de saber se se adiam as opções e medidas que se impõem, como pretende o Governo, ou se, como a situação do País reclama, se mobilizam todos os recursos disponíveis – e o Governo diz que são muitos – para fazer, dentro e para lá do OE, o que precisa de ser feito.

O que precisa de ser feito

O aumento geral dos salários é uma questão decisiva para o futuro do País. Requer a fixação do SMN nos 850 euros, requer o fim da caducidade da contratação colectiva (tal como a revogação de outras normas gravosas da legislação laboral), reclama aumentos que recuperem poder de compra perdido e a valorização das carreiras na Administração Pública.

As reformas precisam de ser valorizadas, todas, e não apenas as mais baixas, tal como se impõe a eliminação dos cortes nas pensões para quem trabalhou 40 ou mais anos.

A valorização dos serviços públicos não pode ter como garrote a submissão ao défice. Faltam trabalhadores em todas as áreas e designadamente sem a valorização das carreiras e das remunerações dos trabalhadores do SNS, este pode desaparecer como o conhecemos.

O direito à habitação reclama a regulação dos preços, estabilidade dos contratos e construção pública muito para lá do que o PRR admite.

A gratuitidade das creches é um direito que tem de chegar a todas as crianças e um poderoso instrumento para combater o recuo demográfico, sobretudo se acompanhado da construção de uma rede pública de creches (tal como uma rede pública de lares).

É preciso desagravar a tributação sobre os mais baixos rendimentos, tal como dos impostos indirectos – de que o IVA a 23% sobre a electricidade é um exemplo –, e enfrentar, de facto, os privilégios fiscais do grande capital, em vez de os alargar, como pretende o Governo.

A progressiva gratuitidade dos transportes públicos e o alargamento da oferta a todo o território nacional, tal como a aposta na produção nacional, fazem mais pelo ambiente e pelo clima, do que as mil transições anunciadas e que se estão a traduzir em desindustrialização e agravamento dos preços da energia.

Os sectores estratégicos precisam de estar ao serviço do aparelho produtivo, das MPME, do País. Consolidando e recuperando importantes empresas públicas como a TAP ou a CP e enfrentando os poderosos interesses da GALP, da EDP, da Vinci, do Novo Banco, das concessionárias das auto-estradas, que sugam parte importante da riqueza nacional.

Fantasia e realidade

No tratamento mediático dado ao OE, mais do que a realidade, impera a fantasia. Fantasia sobre o real alcance do que o OE comporta e fantasia sobre o real posicionamento do PCP. Mas a realidade é esta: o País precisa de respostas que o Governo se recusa a dar e o PCP não determinará o seu posicionamento por outro critério que não o da correspondência entre as necessidades do País e as opções que se venham a assumir.


Vasco Cardoso