Taiwan

Albano Nunes

O im­pe­ri­a­lismo ataca fron­tal­mente a in­te­gri­dade ter­ri­to­rial da China

Na ofen­siva do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano (e seus ali­ados) contra a Re­pú­blica Po­pular da China, a questão de Taiwan (Ilha For­mosa) ad­quiriu nos úl­timos tempos con­tornos in­qui­e­tantes. A tensão po­lí­tica e mi­litar subiu su­bi­ta­mente a ní­veis ex­tra­or­di­na­ri­a­mente pe­ri­gosos. O tema saltou para o pri­meiro plano da co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante e não há «ana­lista po­lí­tico» en­car­tado que não es­pe­cule sobre a pos­sível emi­nência de guerra e não aponte a RPC como res­pon­sável numa com­pleta sin­to­ni­zação com as grandes li­nhas da es­tra­tégia agres­siva dos EUA na re­gião Ásia/​Pa­cí­fico.

O ex­tenso ar­tigo Taiwan na mira de Xi, de um co­nhe­cido ex­po­ente da re­acção (se­ma­nário Novo, 8.10.21), é exem­plar de uma ava­lanche de peças me­diá­ticas or­ques­tradas para criar na opi­nião pú­blica a falsa ideia de que Taiwan seria um país so­be­rano ame­a­çado por uma po­tência ma­ligna e ex­pan­si­o­nista e, do mesmo passo, jus­ti­ficar e le­gi­timar a es­ca­lada de con­fron­tação do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano contra a China.

Não, não po­demos deixar passar sem firme com­bate tão in­de­cente e pe­ri­gosa ope­ração. Em­bora numa si­tu­ação ac­tual muito par­ti­cular, Taiwan é ter­ri­tório chinês, parte in­te­grante da RPC como re­co­nhe­cido pela ONU e pelo Di­reito In­ter­na­ci­onal de tal modo que nem mesmo os EUA se atrevem a negá-lo fron­tal­mente.

Es­tamos uma vez mais pe­rante uma si­tu­ação que seria in­com­pre­en­sível sem o ne­ces­sário en­qua­dra­mento his­tó­rico. Taiwan sempre fez parte da China. A in­vasão e ocu­pação da ilha pelo Japão (que agora está de novo a ma­ni­festar am­bi­ções ex­pan­si­o­nistas) entre 1895 e 1945 só su­blinha esta re­a­li­dade. A re­vo­lução chi­nesa ex­pulsou os in­va­sores ni­pó­nicos (que co­me­çaram por ocupar a Man­chúria em 1931), der­rubou o go­verno do Ku­o­min­tang e pro­clamou a Re­pú­blica Po­pular da China em 1 de Ou­tubro de 1949, en­quanto as hostes de Chiang Kai Check fu­giam para Taiwan com o apoio dos EUA, que não re­co­nhe­ceram a RPC, e a re­pre­sen­tação da China na ONU con­ti­nuou a ser feita pelo go­verno der­ru­bado ins­ta­lado em Taipé.

Esta in­só­lita si­tu­ação só ter­minou em 1971 com a le­gí­tima ocu­pação pela RPC do seu lugar nas Na­ções Unidas in­cluindo no Con­selho de Se­gu­rança, a der­rota das ten­ta­tivas para impor o con­ceito de «duas Chinas», e o re­co­nhe­ci­mento da RPC e da exis­tência de uma só China, re­a­li­dade com que os pró­prios EUA ti­veram de con­formar-se quando em 1972 re­co­nhecem que «todos os chi­neses dos dois lados do es­treito de Taiwan per­tencem a uma só China» e, em 1979, es­ta­be­lecem fi­nal­mente re­la­ções di­plo­má­ticas com a RPC.

O que está em causa na cam­panha em torno de Taiwan é muito sério. Ins­ti­gando e ar­mando a re­acção se­pa­ra­tista da ilha, o im­pe­ri­a­lismo está a pôr fron­tal­mente em causa o re­co­nhe­ci­mento in­ter­na­ci­onal do prin­cípio de uma só China e a atacar a uni­dade e in­te­gri­dade ter­ri­to­rial da RPC. O que sendo ina­cei­tável para o go­verno chinês, que pela voz de Xi Ji­ping uma vez mais de­fendeu uma so­lução po­lí­tica para o pro­blema (dis­curso nas ce­ri­mó­nias co­me­mo­ra­tivas do cen­te­nário da fun­dação da Re­pú­blica chi­nesa em 1911 por SunYat Sen), se torna ainda mais grave no con­texto da es­ca­lada de con­fron­tação com a RPC de que são ex­pressão as ali­anças mi­li­tares que os EUA estão a tecer na re­gião, com o Reino Unido, a Aus­trália, o Japão e a Índia e em que a União Eu­ro­peia está também a en­volver-se.




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