- Nº 2500 (2021/10/28)

Para que serve um jornal?

PCP

Um jornal pode servir vários propósitos. Serve para informar os seus leitores sobre a actualidade, o seu papel mais clássico. Pode ser ainda um meio de divulgação ou um contributo para a formação cultural ou científica. Pode, como é o caso deste Avante!, ser também um instrumento de formação política e ideológica. E pode ainda, como se tem tornado norma, ser um instrumento para a difusão de campanhas de mentira, manipulação e desinformação.

Os exemplos sucedem-se. Há os que, como o Expresso, se prestam a publicar páginas inteiras de textos exclusivamente fundados em fontes anónimas, atropelando regras básicas da profissão. E há também quem, como se viu nas páginas do Público nas últimas semanas, se preste a correia de transmissão de uma facção, de um partido, de um governo. O exemplo mais expressivo surgiu no início desta semana, quando o jornal se prestou a transformar em notícia documentos produzidos pelo Governo para atacar outros partidos: não apenas dando conta da existência destes documentos, não fazendo qualquer verificação sobre os argumentos utilizados pelo Governo, mas reproduzindo-os acriticamente.

Este exemplo seguiu-se, aliás, a várias edições em que as matérias concretas que constavam da proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo eram sempre apresentadas de forma a (sobre)valorizá-la. Por exemplo, a 12 de Outubro, o destaque ia para «Saúde recebe mais 703 milhões»; no dia seguinte «Casal com dois filhos e salários médios poupa 330 euros no IRS»; depois «Salário mínimo a caminho dos 700 euros» (apesar de o Governo já ter prometido 705 em Março). E relativamente a matérias centrais, ainda que sem expressão directa na proposta do Governo, o mesmo enviesamento surgia: a 15 de Outubro escrevia que «Governo cede à esquerda na contratação colectiva», sem qualquer preocupação com uma explicação sobre a importância da contratação colectiva e, em concreto, o problema introduzido pelo mecanismo de caducidade. Só a 27 de Outubro viria a publicar uma série de perguntas e respostas sobre o tema. Em todo este período, como se vê, o Público esteve mais empenhado em servir de instrumento do Governo do que em informar os seus leitores.

Muito se lê que o primeiro compromisso de um jornal é para com os seus leitores. A realidade mostra-nos que os compromissos são vários e a prioridade está longe de residir no interesse de dar informação objectiva aos seus leitores. Quando um jornal e quem lá trabalha se deixa confundir com agentes de um partido ou de um governo, rapidamente se transforma naquilo que diz combater: a desinformação. Valem de muito pouco as campanhas e afirmações de combate às ditas fake news quando são esses mesmos órgãos de comunicação social os principais produtores de notícias falsas e de operações de manipulação à escala de massas.

Para que serve um jornal? A realidade mostra que, quando estes estão nas mãos de grupos económicos, serve pouco para informar, esclarecer, como contributo para o pluralismo e para o regime democrático, e muito como a voz do dono.