Poluição

Anabela Fino

Como toda a gente sabe, não há nada mais estimulante para o sucesso de uma iniciativa do que um augúrio pessimista. Vaticina-se o desastre, pressagia-se a catástrofe e fica-se à espera de que o descalabro não seja completo para se poder cantar vitória, ou na pior das hipóteses declarar salva a honra do convento, com um resquício que seja de nem tudo foi mau.

É o que está a suceder em Glasgow, Escócia, na chamada cimeira do clima. Precedida pelo prognóstico do secretário-geral da ONU, António Guterres, de que «há um sério risco de que Glasgow não cumpra» e de o planeta continuar a «caminhar para uma catástrofe climática» por falta de medidas concretas para o evitar, a cimeira abriu com o espectáculo mediático de declarações pomposas, muito passa culpas dos presentes para os ausentes e basta desinformação à mistura.

Cinco anos depois da entrada em vigor do Acordo de Paris, em Outubro de 2016, depois de ratificado por 55 países representando pelo menos 55% das emissões de gases com efeito de estufa, a generalidade das medidas previstas para atingir a neutralidade carbónica continua por implementar. Neste caso a responsabilidade não corre o risco de morrer solteira, tamanha é a poligamia, mas é bem capaz de pesar em excesso sobre os menos culpados, como sucede nas estatísticas que nos põem a comer a lagosta que nunca provámos só porque o consumo global é X e nós fazemos parte do Y de putativos consumidores.

Veja-se o caso da China, por exemplo, apontada por estes dias como o maior poluidor mundial.

Em 2020, segundo o relatório do World Resources Institute divulgado em Junho deste ano, a China ocupava o primeiro lugar entre os poluidores, seguida dos EUA, Rússia, Alemanha e Índia. No entanto, de acordo com a mesma fonte, importa ter em conta que os Estados Unidos são o país mais poluidor do mundo, sendo responsáveis pela emissão de aproximadamente 577,578 toneladas de CO2 entre os anos de 1850 e 2016.

O busílis da questão está no facto de, como revelava em Maio outro relatório, este do Rhodium Group, a história da China como principal fonte de emissão ser «relativamente curta em relação aos países desenvolvidos, muitos dos quais tiveram mais de um século de vantagem», importando não esquecer que o «actual aquecimento global é resultado das emissões do passado recente e do mais longínquo».

O mesmo documento lembra ainda que, ao analisar a história, as nações da OCDE ainda são as maiores responsáveis pela emissão dos gases tóxicos, tendo emitido cerca de quatro vezes mais poluentes do que a China desde 1750.

Dito isto, não se questiona a necessidade imperiosa do pôr cobro ao descalabro a que nos conduziu o capitalismo, mas será que é mesmo essa a questão que está em debate em Glasgow?




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