Comissão 1776

Anabela Fino

O empresário bilionário republicano que em Novembro último ganhou as eleições para o governo estadual da Virgínia, nos EUA, não levou Trump para a campanha e evitou o tom desbocado do ex-presidente norte-americano. Não prescindiu no entanto das referências à «integridade eleitoral», código para o alegado «roubo» de votos nas presidenciais de 2020, nem a temas caros à direita norte-americana, como o ataque à «teoria crítica da raça», conhecida como CRT, que por estes dias acirra os ânimos no país.

Surgida nos meios académicos em meados dos anos 70 do século passado, a CRT, cujo significado foi distorcido pelas forças mais conservadoras, considera, em termos gerais, que o racismo é uma construção social, algo que vai além dos preconceitos pessoais, sendo sustentado pelo ordenamento jurídico que estimula a supremacia branca, pelo que a conquista de direitos cívicos não conseguiu erradicar a injustiça social.

O ensino da CRT nas escolas de todo o país, de forma a «incorporar diversas perspectivas raciais, étnicas, culturais e linguísticas» nos currículos e melhorar a «literacia da informação», nunca foi pacífico.

Em 2020, em plena onda de protestos pela morte de George Floyd, Trump chamou-lhe «propaganda tóxica» que dividia o país e substituiu-o pela Comissão 1776 visando promover uma «educação patriótica». Esta criticava as «ideologias falsas e na moda», que apresentam a história dos EUA como sendo de «opressão e vitimização», e pretendia que a sua versão, minimizando a questão da escravatura e contestando o movimento pelos direitos civis, que teria entrado em conflito com os ideais defendidos pelos fundadores, fosse uma «crónica definitiva da criação dos Estados Unidos».

Joe Biden dissolveu a Comissão 1776 poucas horas depois de ter tomado posse como presidente dos EUA, mas a medida não pôs fim à polémica.

Dos 50 estados norte-americanos, 27 já proibiram ou tentam banir a CRT das salas de aula por rejeitar conceitos como a «meritocracia» e «doutrinar» os alunos em «ideias marxistas» promovidas pela «esquerda liberal». Há professores acusados de difundir «teorias políticas radicais», alunos instados a denunciar o pessoal docente, gravações do que os professores dizem nas aulas, sítios de internet identificando quem aborda o racismo como um problema sistémico nos EUA. Parece Comissão 1776 a mais para esconder debaixo do petulante tapete da Casa Branca.



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