A Fuga de Peniche e os impossíveis que não o são

A fuga de dez co­mu­nistas da ca­deia de Pe­niche, a 3 de Ja­neiro de 1960, é um marco na his­tória do PCP: pelo golpe que des­feriu na re­pressão fas­cista, pelo que re­pre­sentou de re­forço ime­diato da di­recção e or­ga­ni­zação par­ti­dá­rias, pelos efeitos mais pro­fundos que teve no pró­prio de­sen­vol­vi­mento da luta an­ti­fas­cista.

A fuga de Pe­niche foi a maior fuga co­lec­tiva das pri­sões do fas­cismo

Fosse apenas pela au­dácia, a co­ragem e o en­genho ne­ces­sá­rios para a sua con­cre­ti­zação e a fuga de Pe­niche teria ga­ran­tido um lugar des­ta­cado no pan­teão dos mais mar­cantes mo­mentos da re­sis­tência an­ti­fas­cista em Por­tugal. Desde logo pelo ele­vado nú­mero de par­ti­ci­pantes – 10, entre os quais al­guns dos mais bem guar­dados presos po­lí­ticos, como Álvaro Cu­nhal –, mas também pelo facto da ca­deia de Pe­niche ser, à época, a mais se­gura das pri­sões do fas­cismo. Inex­pug­nável, con­fi­avam os car­ce­reiros.

Sobre isto, es­creveu José Dias Co­elho em A Re­sis­tência em Por­tugal: «Po­deria pa­recer in­crível que nas con­di­ções em que se en­con­travam aqueles ho­mens, en­cer­rados no in­te­rior de uma for­ta­leza amu­ra­lhada, cer­cados pela aper­tada rede de sen­ti­nelas da GNR no in­te­rior e no ex­te­rior, es­pi­ados cons­tan­te­mente pelos fe­rozes guardas pri­si­o­nais, pen­sassem em fugir. Mas pen­saram.»

E fu­giram – acres­cen­tamos nós! – de­pois de es­tu­dadas todas as hi­pó­teses, pon­de­radas todas as ne­ces­si­dades e ar­ti­cu­lados com a di­recção do Par­tido no ex­te­rior – através de uma com­plexa e eficaz rede de co­mu­ni­cação – todos os passos da fuga: os si­nais, o trans­porte, o iti­ne­rário, os alo­ja­mentos, os ma­te­riais ne­ces­sá­rios e, por­ven­tura o mais im­por­tante, a ga­rantia da co­la­bo­ração do guarda Jorge Alves na ar­ris­cada ta­refa de ajudar os presos a con­quis­tarem a li­ber­dade e o seu posto na luta contra o fas­cismo – que o pró­prio aprendeu a odiar. Na carta que deixou aos seus ca­ma­radas da GNR, Jorge Alves afirmou: «Ajudei a li­bertar al­guns fi­lhos do povo que es­tavam presos. (…) Sinto com isto que dentro das mi­nhas pos­si­bi­li­dades e jus­tiça não fiz mais que um dever e uma obri­gação de bom por­tu­guês.»

No de­curso da fuga, ocor­reram al­guns per­calços, apenas su­pe­rados pela de­ter­mi­nação dos seus par­ti­ci­pantes: os re­ceios de úl­tima hora do guarda Jorge Alves, a queda e lesão de Gui­lherme da Costa Car­valho, a rua que afinal se en­con­trava cheia de gente… Certo é, porém, que a partir desse dia 3 de Ja­neiro de 1960, o PCP vol­taria a contar com o con­tri­buto de­ter­mi­nante de al­guns dos seus mais des­ta­cados di­ri­gentes e mi­li­tantes: da for­ta­leza de Pe­niche eva­diram-se, na­quele dia, Álvaro Cu­nhal, Jaime Serra, Jo­a­quim Gomes, Fran­cisco Mi­guel, Gui­lherme da Costa Car­valho, Pedro So­ares, Carlos Costa, Fran­cisco Mar­tins Ro­dri­gues, Ro­gério de Car­valho e José Carlos.

Uma vi­tória
com muitas dentro

Mas a im­por­tância da fuga de Pe­niche não se mede só pelo nú­mero (foi a maior fuga co­lec­tiva da his­tória da re­sis­tência an­ti­fas­cista em Por­tugal) e nível de res­pon­sa­bi­li­dade dos co­mu­nistas li­ber­tados. Abrindo uma brecha na mu­ralha da re­pressão, deu ânimo à luta geral contra o fas­cismo. À me­dida que ia sendo co­nhe­cida, era efu­si­va­mente ce­le­brada.

Im­porta também ter pre­sente o que ela pos­si­bi­litou e a in­fluência que exerceu no pró­prio rumo da his­tória sub­se­quente do País, que cul­minou no der­rube do go­verno fas­cista na ma­dru­gada de 25 de Abril de 1974. A fuga dá-se numa al­tura em que o mo­vi­mento an­ti­fas­cista en­fren­tava um sério re­fluxo: a re­pressão, fa­ci­li­tada de certo modo pelo afrouxar das me­didas cons­pi­ra­tivas e das re­gras de de­fesa do Par­tido, des­feria su­ces­sivos golpes na or­ga­ni­zação; as ilu­sões le­ga­listas, se­me­adas por uma ori­en­tação po­lí­tica er­rada, mais tarde ca­rac­te­ri­zada como um desvio de di­reita, que­brava o ím­peto com­ba­tivo das massas e le­vava a ati­tudes de ex­pec­ta­tiva.

É após a fuga, de que re­sulta um sério re­forço do tra­balho de di­recção do Par­tido, que se inicia uma dis­cussão pro­funda em todo o Par­tido cen­trada em di­versas ques­tões de es­tra­tégia, tác­tica e or­ga­ni­zação, que cul­mi­nará na reu­nião do Co­mité Cen­tral de Março de 1961, na qual Álvaro Cu­nhal é eleito Se­cre­tário-geral do Par­tido, o pri­meiro em mais de duas dé­cadas (Bento Gon­çalves su­cumbiu às mãos da di­ta­dura fas­cista em 1942, no Tar­rafal, es­tando preso desde 1935): é então re­posta a via do le­van­ta­mento na­ci­onal para o der­ru­ba­mento do fas­cismo.

Estas novas di­rec­trizes ti­veram uma in­fluência di­recta, e ime­diata, no de­sen­vol­vi­mento da luta de massas: logo em No­vembro de 1961, re­a­li­zaram-se grandes ma­ni­fes­ta­ções em vá­rios pontos do País; no início de 1962, a par de lutas rei­vin­di­ca­tivas em nu­me­rosas em­presas, foram de­sen­ca­de­adas im­por­tantes ac­ções po­lí­ticas de massas, com des­taque para o 31 de Ja­neiro no Porto; o 1.º de Maio desse ano foi uma «grande jor­nada», ti­tu­lava o Avante!, des­ta­cando a par­ti­ci­pação de «cen­tenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores em ma­ni­fes­ta­ções»; na mesma al­tura, nos la­ti­fún­dios do Alen­tejo e do Ri­ba­tejo, os ope­rá­rios agrí­colas con­quis­tavam a jor­nada de oito horas.

Rumo à Vi­tória

As ori­en­ta­ções de­fi­nidas em 1961, que a prá­tica va­li­daria de modo con­tun­dente, foram re­a­fir­madas e de­sen­vol­vidas em mo­mentos pos­te­ri­ores: em Março de 1964, o Co­mité Cen­tral aprovou o re­la­tório do Se­cre­tário-geral Rumo à Vi­tória, as ta­refas do Par­tido na Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal, que es­teve na base do Pro­grama do Par­tido apro­vado no VI Con­gresso, re­a­li­zado no ano se­guinte, que deu uma con­tri­buição de­ci­siva na aná­lise da si­tu­ação na­ci­onal, no traçar da ori­en­tação, na de­fi­nição das ta­refas e na di­recção da acção po­lí­tica do Par­tido, no com­bate ao opor­tu­nismo de di­reita e às ten­dên­cias dog­má­ticas, sec­tá­rias e es­quer­distas do ra­di­ca­lismo pe­queno-bur­guês, no alar­ga­mento e in­ten­si­fi­cação da luta nas di­versa frentes.

A in­fluência do Par­tido e do seu Pro­grama no de­sen­vol­vi­mento da Re­vo­lução fica desde logo evi­dente no ca­rácter an­ti­mo­no­po­lista, an­ti­la­ti­fun­dista e anti-im­pe­ri­a­lista que ela acabou por as­sumir.

A fuga de Pe­niche, como aliás ou­tras que ocor­reram ao longo dos 48 anos de fas­cismo, com­prova ainda outra coisa: não há força, por mais po­de­rosa que seja, capaz de travar o de­sen­vol­vi­mento da luta pela eman­ci­pação so­cial, a de­mo­cracia e o so­ci­a­lismo. E essa é uma lição para todos os tempos!




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